Um crime contra o homem
![Peace Memorial Dome is silhouetted at sunset, ahead of the G7 summit, in Hiroshima, Japan, May 17, ... Peace Memorial Dome is silhouetted at sunset, ahead of the G7 summit, in Hiroshima, Japan, May 17, ...](/content/dam/or/images/pt/2023/05/021/varobj18383444obj2035841.jpg/_jcr_content/renditions/cq5dam.thumbnail.cropped.500.281.jpeg)
A utilização da energia atómica para fins militares é um crime «contra o homem e a sua dignidade» e «contra qualquer possibilidade de futuro». O Papa Francisco voltou a denunciar os riscos do recurso às armas nucleares, reiterando — numa missiva ao bispo de Hiroshima por ocasião do g 7 — a severa admoestação lançada em 24 de novembro de 2019, durante a visita ao Memorial da paz naquela cidade japonesa. Publicamos em seguida o texto da carta divulgada na manhã de 20 de maio.
A Sua Excelência
Reverendíssima
Alexis Mitsuru Shirahama
Bispo de Hiroshima
Enquanto a cimeira do g 7 se reúne em Hiroshima para debater sobre questões urgentes diante das quais a comunidade mundial se encontra atualmente, gostaria de lhe assegurar a minha proximidade espiritual e as minhas orações para que o summit dê frutos. A escolha de Hiroshima como lugar para este encontro é particularmente significativa, à luz da ameaça contínua do uso de armas nucleares. Recordo a profunda impressão que me causou a visita comovedora ao Memorial da Paz, durante a minha viagem ao Japão em 2019. Ali, de pé, em oração silenciosa e pensando nas vítimas inocentes do ataque nuclear ocorrido décadas antes, eu quis reiterar a firme convicção da Santa Sé de que «o uso da energia atómica para fins bélicos é, hoje mais do que nunca, um crime não só contra o homem e a sua dignidade, mas contra qualquer possibilidade de futuro na nossa casa comum» (Discurso no Memorial da Paz, 24 de novembro de 2019).
É para aquele futuro que homens e mulheres responsáveis olham agora com preocupação, especialmente no sulco da nossa experiência de uma pandemia global e da persistência de conflitos armados em várias regiões, incluindo a guerra devastadora que se trava em solo ucraniano. Os acontecimentos dos últimos anos tornaram evidente que só juntos, em fraternidade e solidariedade, a nossa família humana pode procurar sarar as feridas e construir um mundo justo e pacífico.
Com efeito, é cada vez mais evidente que, no mundo multipolar do século xxi , a busca da paz está intimamente ligada à necessidade de segurança e à reflexão sobre os meios mais eficazes para a garantir. Esta reflexão deve necessariamente ter em conta que a segurança global deve ser integral, capaz de abranger questões como o acesso ao alimento e à água, o respeito pelo meio ambiente, os cuidados médicos, as fontes de energia e a distribuição equitativa dos bens do mundo. Um conceito integral de segurança pode servir para ancorar o multilateralismo e a cooperação internacional entre atores governamentais e não governamentais, com base na profunda interligação entre estas questões, que torna necessário adotar, juntos, uma abordagem de cooperação multilateral responsável.
Como «símbolo de memória», Hiroshima proclama com força a inadequação das armas nucleares para responder de modo eficaz às grandes ameaças atuais contra a paz e para garantir a segurança nacional e internacional. Basta considerar o impacto humanitário e ambiental catastrófico que resultará da utilização de armas nucleares, assim como o desperdício e a má destinação de recursos humanos e económicos que a sua produção comporta. Também não devemos subestimar os efeitos do persistente clima de medo e suspeita gerado pela sua mera posse, que compromete o crescimento de um clima de confiança mútua e de diálogo. Neste contexto, as armas nucleares e as outras armas de destruição de massa representam um multiplicador de riscos que oferece apenas uma ilusão de paz.
Assegurando-lhe as minhas preces por si e por quantos são confiados aos seus cuidados pastorais, uno-me a Vossa Excelência orando para que o encontro do g 7 em Hiroshima dê provas de uma visão clarividente, lançando os fundamentos para uma paz duradoura e para uma segurança estável e sustentável a longo prazo. Com gratidão pelo seu compromisso ao serviço da justiça e da paz, concedo de coração a minha bênção.
Roma, São João de Latrão 19 de maio de 2023.
Francisco