Uma rede tecida
Numa época que nos desafia com tecnologias cada vez mais avançadas, alguém poderia perguntar-se que sentido tem falar do coração. A Igreja sempre aceitou a prova do tempo, mas nunca subtraiu o tempo da sua raiz. E sempre considerou a comunicação coessencial à sua missão; e ligada à comunhão que nos une no tempo e no espaço. Poderíamos citar as cartas de São Paulo, de São Tiago, de São Pedro, como a primeira forma de comunicação, juntamente com os Evangelhos. E definir os Atos dos Apóstolos a primeira narrativa da comunhão como forma de comunicação. Uma lição fundamental e muito atual.
Aqui está a resposta à pergunta inicial. O coração não nega a tecnologia, mas dá-lhe uma alma, uma história e um futuro.
Por isso, se quisermos encontrar a raiz das últimas mensagens do Papa Francisco, as deste ano e as dos anos anteriores, é sempre aqui que a encontramos: no facto de nos dizer que, sim, as tecnologias são importantes, mas mudam, enquanto a raiz permanece e está na comunhão.
A tecnologia permite-nos hoje coisas que eram impensáveis há apenas algumas décadas. A tecnologia não transformou apenas o nosso mundo. A inteligência artificial faz parte de nós mesmos. Fomos nós que a inventámos. Somos nós que temos de a guiar. Com o nosso coração, que torna única a nossa inteligência. E desafia-nos a sermos protagonistas do nosso futuro. Ela baseia-se nos nossos pensamentos, na nossa capacidade de conectar conhecimentos. Mas também na nossa capacidade de amar. De não perdermos o sentido dos limites. De não nos considerarmos iguais a Deus. E de saber que há — sempre haverá — coisas que a tecnologia não pode substituir. Como a liberdade. Como o milagre do encontro entre as pessoas. Como a surpresa do inesperado. A conversão. A centelha do engenho. O amor gratuito. E o amor baseia-se nesta fragilidade suprema que é sentir a necessidade de amor, de amar e de ser amado, de doar e de se doar. Aqui está a raiz de toda a comunicação.
Por isso, a conexão por si só não é suficiente. Por isso temos, mais do que o dever, diria a necessidade de tecer de novo com o coração a unidade do género humano, aquela comunhão que nos une.
Mas eis o paradoxo do nosso tempo. Estamos hiperconectados, mas também sozinhos. No final, cada um fechado em si mesmo. Por isso, hoje mais do que nunca, devemos esclarecer que a comunicação não é unidirecional; que a institucional não se limita a distribuir comunicados, e que a jornalística não é banalmente estática; a comunicação sempre foi dinâmica e recíproca, e hoje ainda mais.
A comunicação está enraizada na relação, uma relação sincera, profunda e estável.
Habitualmente fala-se da comunicação de maneira funcional. O ensinamento da Igreja é quase o oposto. A razão pela qual o Concílio dedicou tanta atenção à comunicação social não é funcional, é comunional. A razão pela qual se pensou, seguindo o exemplo de São Paulo, que se deveria fazer uma coleta universal também para isto, não é banalmente económica; está intrinsecamente ligada à comunhão das Igrejas.
Em suma, pode dizer-se que não há comunicação se não houver comunhão. E não há comunhão se não houver comunicação. Pode haver marketing, publicidade, conexão, mas sem uma verdadeira relação não há verdadeira comunicação. A própria razão da atual crise dos meios de comunicação social pode ser encontrada aqui.
Neste sentido, a criatividade comunicativa não reside apenas na capacidade de escrever, de filmar, de editar, mas também na capacidade de tecer uma relação profunda entre as pessoas. A este propósito, talvez se possa também começar a refletir sobre o modelo económico da sociedade da comunicação. O mercado, por si só, não resolve tudo. E sobre o facto de a comunicação, a informação, assim como a educação, ser um bem público e, como tal deve ser defendida, porque dela depende o futuro das nossas democracias.
Como cristãos, penso que teríamos muito a dizer sobre este assunto. Sobre a importância de tecer uma rede baseada na partilha e não no lucro. Uma rede que não se satisfaz com a conexão, o marketing, a tagarelice ou o burburinho, que não cede ao narcisismo individualista nem à retórica da autocomplacência, mas procura a verdadeira comunhão. Uma rede tecida com o coração.
Porque a Igreja era uma rede antes que a rede fosse a web.
A comunicação que tece a nossa comunhão não é tecnológica nem funcional, mas relacional. Não é uma ciência, nem uma técnica, mas uma experiência construtiva, ativa e participada.
Isto significa falar com o coração e escutar, como diz o Papa: «Construir, não destruir; encontrar-se, não colidir; dialogar, não monologar; compreender, não interpretar mal; caminhar em paz, não semear o ódio; dar voz a quem não tem voz, não ser o megafone de quem grita mais alto».
Só depois de ver com os olhos do coração, de escutar com os ouvidos do coração, é que saberemos compreender e falar com o coração.
Evidentemente, medimos todos os dias a dificuldade de estar à altura desta tarefa.
As dinâmicas dos meios de comunicação social e do mundo digital, encontramo-las escritas na Laudato si’, «quando se tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento de uma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade. Neste contexto, os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação».
Somos inundados por informações não verificadas, sem contexto, sem memória, sem uma leitura consciente. E sem coração. O primado da velocidade impede muitas vezes o controlo, a verificação, o discernimento. Alimenta a tagarelice. Endurece os corações. Hoje, a inteligência artificial deslocou ainda mais a fronteira e ameaça mudar radicalmente ou até substituir (segundo alguns) o papel dos jornalistas e dos comunicadores.
É também a isto que a mensagem do Papa Francisco responde, quando nos convida a usar o amor (a única coisa de que as máquinas e os algoritmos não são dotados) como regra. Numa época em que a tecnologia corre o risco de se tornar tecnocracia, devemos dar testemunho de um novo humanismo cristão, no qual a tecnologia é para o homem e não contra o homem. O mundo digital não está parado, não é imóvel. Cabe a nós orientá-lo para o bem. E é para isso que serve o coração, se não estiver endurecido. Não será um algoritmo que nos vai revelar o Bem. Cabe a nós orientar o algoritmo para o Bem.
Pois há coisas que não se medem. Coisas que não podem ser compradas.
A relação, o cuidado, a compaixão, a colaboração e a não-separação são qualidades que o paradigma tecnológico reducionista, tecnicista e utilitarista não contempla. Este é o campo do nosso testemunho, como rede de comunicadores, como jornalistas, investigadores de uma verdade que nos transcende, construtores de uma forma diferente de fazer informação.
Várias vezes o Papa Francisco convidou os comunicadores a evitar os excessos dos slogans, que em vez de pôr o pensamento em movimento o anulam; e a percorrer o longo caminho da compreensão em vez do caminho curto que pensa poder encontrar imediatamente ou os salvadores da Pátria, capazes de resolver sozinhos todos os problemas, ou os bodes expiatórios sobre os quais descarregar toda a responsabilidade.
Tem repetidamente alertado para o facto de não se poder confiar naqueles que dizem as coisas pela metade, porque desinformam com o álibi de informar, impedem um juízo rigoroso da realidade e induzem ao erro.
Várias vezes estigmatizou a alternância entre dois males opostos, igualmente nocivos: o alarmismo catastrófico e o desinteresse consolatório, e talvez o mal mais grave, a desinformação, porque induz ao erro, a acreditar apenas numa parte da verdade. Agora diz-nos que temos a solução dentro de nós: o coração. Num certo sentido, enquanto a inteligência artificial nos desafia, nos diz que a inteligência humana tem um recurso que a máquina não tem: o coração, o sentimento.
Cabe a nós negociar o algoritmo, com o coração. Se não soubermos negociar os algoritmos, se não soubermos distinguir entre uma compilação de dados sem alma e incontrolada e uma história com alma, então o jornalismo tornar-se-á apenas mais um modo como outro de reunir dados para outros fins que não são a procura e a partilha da verdade e de um ponto de vista. Perderemos a relação autêntica com aqueles que nos leem, com quantos nos ouvem, com aqueles que olham para as nossas reportagens em qualquer dispositivo onde estiverem. E não seremos capazes de ler as grandes mudanças da história, que nem sempre são racionais. Aliás, quase nunca o são. Não compreenderíamos as traições e os atos de amor. O perdão e a capacidade de construir processos de paz. Sem coração, não entenderíamos nada, nem sabereríamos comunicar nada.
Paolo Ruffini