Docilidade corajosa
Gratidão pela «docilidade generosa e corajosa» à ação do Paráclito — que é o verdadeiro «protagonista da missão» — foi manifestada pelo Papa Francisco aos religiosos da congregação do Espírito Santo, recebidos em audiência na manhã de 8 de maio, na sala do Consistório, no 175º aniversário da refundação da congregação. A seguir, o discurso pronunciado pelo Pontífice.
Queridos irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!
Agradeço ao Superior-geral as palavras que me dirigiu; saúdo os membros do Conselho e todos vós.
Estou feliz por este encontro, no qual partilho convosco a alegria pelos 175 anos da vossa refundação, com a fusão de dois institutos religiosos.
Gostaria de me inspirar, para uma breve reflexão, na passagem do profeta Isaías, que escolhestes como guia na vossa Congregação: «Eis que faço uma nova obra» (43, 19). Trata-se de uma expressão muito bonita, e faz parte de um texto que começa assim: «Nada temas [Israel], porque eu te resgatei, chamando-te pelo teu nome; és meu!» (43, 1). Quando ouço isto, vem-me à mente a mão de Deus que acaricia, acaricia o povo, acaricia cada um de vós: o Deus terno que acaricia sempre! Medito sobre estas palavras, pois parece que refletem muito bem alguns valores fundamentais do vosso carisma: coragem, abertura e abandono à ação do Espírito, para que faça uma nova obra.
São valores evidentes já na história da vossa primeira fundação: um jovem diácono, com doze companheiros de seminário, impelido pelo Espírito, lança-se corajosamente numa aventura inesperada. Renuncia à perspetiva de um futuro tranquilo — poderia ter sido um bom sacerdote de família abastada — por uma missão ainda por descobrir, expondo-se a sacrifícios, incompreensões e oposições, com uma saúde muito frágil, que o levará à morte prematura, antes ainda de poder ver plenamente coroado o seu sonho. Muitos imprevistos que, no entanto, a sua docilidade à ação do Espírito transforma em corajosos “sins”, graças aos quais Deus inicia sempre algo novo nele e, através dele, também nos outros.
Com efeito, o seu exemplo encontra confirmação nos irmãos que continuam a sua obra, prontos a corresponder aos novos sinais dos tempos, abraçando primeiro o serviço aos seminaristas pobres, depois as missões populares e, por fim, também o anúncio ad gentes em várias partes do mundo, sem se deixar amedrontar pela perseguição religiosa desencadeada pela revolução francesa.
Uma história bonita e rica, da qual hoje recordamos mais um momento especial, em que tudo volta a estar em jogo. É a segunda fundação, de 1848, na qual o Espírito Santo pede à comunidade que compartilhe todos os frutos do seu passado num novo cenário. É tempo de se unir a novos companheiros, da Sociedade do Sagrado Coração de Maria, também eles missionários, mas com uma história diferente. Para o fazer, certamente é necessário superar receios e ciúmes, e os irmãos das duas famílias enfrentam o desafio, unindo as próprias forças e partilhando o que têm num novo início.
Hoje, depois de mais de um século e meio, vemos que a Providência recompensou a sua generosa e corajosa docilidade ao Espírito: estais presentes em sessenta países nos cinco continentes, com cerca de dois mil e seiscentos religiosos e a participação de numerosos leigos. Graças à vossa disponibilidade para mudar e à vossa perseverança, permanecestes fiéis ao espírito das origens: evangelizar os pobres, aceitar as missões onde ninguém quer ir, preferir o serviço aos mais abandonados, respeitar os povos e culturas, formar clero e leigos locais para o desenvolvimento humano integral, tudo em fraternidade e simplicidade de vida e em assiduidade de oração. Por favor, este último aspeto é importante: rezar, não abandonar a oração. E não apenas a oração formal, não, rezar! Rezar a sério! Assim realizais aquilo a que o Venerável Libermann chamava “união prática” no serviço, fruto de uma docilidade habitual ao Espírito Santo e fundamento de cada missão.
O vosso carisma, aberto e respeitador, é particularmente precioso hoje, num mundo em que o desafio da interculturalidade e da inclusão é vivo e urgente, dentro e fora da Igreja. É por isso que vos digo: não renuncieis à vossa coragem e liberdade interior, cultivai-a e fazei dela um traço vivo do vosso apostolado. Há tantos homens e mulheres que ainda precisam do Evangelho, não apenas nas chamadas “terras de missão”, sobretudo no velho e cansado Ocidente. Fitai cada um com os olhos de Jesus, que deseja ir ao encontro de todos — todos! Não o esqueçais: todos — permanecendo perto especialmente dos mais pobres, tocando-os com as suas mãos, fixando o seu olhar no deles. E para levar a cada um o sopro agradável e vital do seu Espírito, que é o verdadeiro «protagonista da missão» (cf. São João Paulo ii , Enc. Redemptoris missio, 30), deixai-vos guiar por Ele, pois «não há maior liberdade do que deixar-se guiar pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo» (Exortação apostólica Evangelii gaudium, 280). Deixai que Ele vos ilumine, oriente e leve para onde quiser, sem pôr condições, sem excluir ninguém, pois Ele sabe o que é necessário em cada época e em cada momento (cf. ibid.).
Esta foi a grande intuição dos vossos fundadores e o bonito testemunho de tantos irmãos e irmãs que vos precederam. E estes são também os votos e o convite que vos dirijo hoje. Que Nossa Senhora vos acompanhe. Abençoo todos vós de coração e peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado!