Viagem do Pontífice à Hungria
«Assumir a vida para ajudar
Na tarde de 29 de abril, o Papa Francisco encontrou-se com os jovens húngaros no László Papp Budapest Sportarena. Publicamos a seguir o texto do discurso proferido pelo Pontífice, após a saudação que lhe foi dirigida pelo bispo responsável pela pastoral juvenil no âmbito da Conferência episcopal húngara e depois do testemunho de quatro jovens.
Dicsértessék a Jézus Krisztus
[louvado seja Jesus Cristo]!
Queridos irmãos e irmãs, quero dizer-vos köszönöm [obrigado]! Obrigado pela dança, obrigado pelos cânticos, os vossos testemunhos corajosos, e obrigado a cada um por estar aqui: estou feliz por estar convosco! Obrigado!
O Bispo D. Ferenc Cserháti disse-nos que a juventude é tempo de grandes perguntas e grandes respostas. É verdade! Importante é haver alguém que provoque e ouça as vossas perguntas e não vos dê respostas fáceis, respostas pré-fabricadas, mas vos ajude a enfrentar sem medo a aventura da vida à procura de respostas grandes. As respostas pré-fabricadas não ajudam, não vos fazem felizes. Era assim que fazia Jesus. Bertalan, disseste que Jesus não é personagem de um livro de fábulas nem super-herói de uma banda desenhada, mas uma pessoa verdadeira: Cristo é Deus em carne e osso, é o Deus vivo que Se faz próximo a nós; é o Amigo, o melhor dos amigos; é o Irmão, o melhor dos irmãos, e é muito hábil a colocar perguntas. Com efeito, no Evangelho, Ele, que é o Mestre, antes de dar respostas, faz perguntas. Recordemos a atitude d’Ele quando tem diante de si aquela mulher adúltera contra quem todos apontavam o dedo acusador. Jesus intervém; os que a acusavam, vão-se embora e fica ela sozinha. Então, com delicadeza, «perguntou-lhe: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor!”» (Jo 8, 10-11). E assim, ao dizê-lo, compreende que Deus não quer condenar, mas perdoar. Fixai bem isto na cabeça! Deus não quer condenar, mas perdoar. Deus perdoa sempre. Como se diz «Deus perdoa sempre» em húngaro? [o tradutor di-lo em húngaro, e o Papa pede aos jovens para repetirem]. Não vos esqueçais! Ele está pronto a reerguer-nos de cada uma das nossas quedas! Por isso, com Ele, nunca devemos ter medo de caminhar e avançar na vida. Pensemos também em Maria Madalena, que, na manhã de Páscoa, foi a primeira a ver Jesus ressuscitado. Tivera um passado pouco recomendável, mas foi a primeira a vê-lo. Banhada em lágrimas estava junto do túmulo vazio, e Jesus pergunta-lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» (Jo 20, 15). E assim, tocada profundamente, Maria de Magdala abre o coração, conta-lhe as suas angústias, revela os seus anseios e o seu amor. «Onde puseram o Senhor?».
E vejamos o primeiro encontro de Jesus com aqueles que haviam de se tornar seus discípulos. Encaminhados por João Batista, dois deles vão atrás de Jesus. O Senhor volta-se e faz-lhes uma única pergunta: «Que pretendeis?» (Jo 1, 38). Também eu vos faço uma pergunta, e cada um responde no coração, em silêncio. A minha pergunta é: «Que pretendeis? Que procurais na vida? Que procurais em vosso coração?». Em silêncio, cada um responde dentro de si. Que procuro eu? Jesus não sse perde em sermões, mas caminha, percorre a estrada juntamente com cada um de nós. Não quer que os seus discípulos sejam alunos que repetem uma lição, mas que sejam jovens livres e caminhem, companheiros de estrada de um Deus que escuta, que escuta as suas necessidades e está atento aos seus sonhos. Bastante tempo depois daquele primeiro encontro, sucedeu a dois jovens discípulos uma escorregadela infeliz (escorregadelas, os discípulos tiveram tantas!), fazendo a Jesus um pedido errado: pedem para ficar à sua direita e à sua esquerda, quando Ele se tornar Rei. Queriam fazer carreira! Mas é interessante ver que Jesus não os repreende pelo atrevimento; não lhes diz: «Como ousais pedir isso? Parai de sonhar com essas coisas!». Jesus não derruba os seus sonhos, mas corrige-os quanto ao modo de os realizar; aceita o seu desejo de chegar ao cimo (isso é bom), mas insiste numa coisa, que devem ter bem em mente: uma pessoa não se torna grande passando por cima dos outros, mas abaixando-se para os outros; não à custa dos outros, mas servindo os outros (cf. Mc 10, 35-45) [pede ao tradutor para repetir a última frase, em húngaro]. Vede, amigos! Jesus fica feliz, se alcançarmos metas altas. Não nos quer preguiçosos e inativos, não nos quer calados e tímidos; quer-nos vivos, ativos, protagonistas, protagonistas da história. E nunca desvaloriza as nossas expetativas; mas, ao contrário, eleva o nível dos nossos anseios. Jesus estaria de acordo com um provérbio vosso (espero pronunciá-lo bem!): Aki mer az nyer [quem ousa, vence].
Entretanto poderíeis perguntar-me: como se faz para ser vencedor na vida? Há duas coisas fundamentais, como no desporto: primeira, apostar alto; segunda, treinar-se. Apostar alto. Diz-me: possuis um talento? De certeza que o tens; todos temos! Não o ponhas de lado, pensando que, para ser feliz, basta o mínimo indispensável: um diploma, um emprego para ganhar dinheiro, divertir-se um pouco... Não basta! Põe em campo aquilo que tens. Possuis uma qualidade boa? Investe nela, continua sem medo. Sentes no coração que possuis uma capacidade que pode ser benéfica para tanta gente? Sentes que é belo amar o Senhor, criar uma família numerosa, ajudar os necessitados? Continua! Não penses que são desejos irrealizáveis, mas investe sobre os grandes objetivos da vida! Esta é primeira coisa: apostar alto. E a segunda, treinar-se. Como? Em diálogo com Jesus, que é o melhor treinador possível: Ele ouve-te, motiva-te, acredita em ti... Sabes? Jesus acredita em ti, sabe como tirar o melhor de ti. E sempre nos convida a fazer equipe: nunca sozinhos, mas com os outros: isto é muito importante! Se queres amadurecer e crescer na vida, continua a fazer equipe na comunidade, vivendo experiências comuns. Penso, por exemplo, nas Jornadas Mundiais da Juventude e aproveito a ocasião para vos convidar para a próxima, que será em Portugal, na cidade de Lisboa, nos primeiros dias de agosto. Hoje, porém, a grande tentação é contentar-se com um telemóvel e qualquer amigo. Não é grande coisa, por favor! Embora seja isto o que muitos fazem e ainda que seja também o que te apetece fazer, todavia isso não te fará feliz. Tu não podes fechar-te num grupinho de amigos e dialogar apenas através do telemóvel: trata-se de uma coisa — desculpai a palavra — um pouco estúpida.
Há ainda um elemento importante no treino que se deve cuidar, um elemento que tu, Krisztina, nos lembraste ao dizer que hoje, no meio de corridas sem conta, tanto frenesim e velocidade, há uma coisa essencial que falta aos jovens, e também aos adultos. Eis as tuas palavras: «Não reservamos tempo para o silêncio no meio do barulho, porque temos medo da solidão e, depois, acabamos os nossos dias, esgotados». Disseste-lo tu, Krisztina: obrigado. Deixai que vos diga: nisto, não tenhais medo de ir contracorrente, encontrando diariamente um tempo de silêncio a fim de parar e rezar. Hoje tudo vos diz que é preciso ser rápido, eficiente, praticamente perfeito, como máquinas. Mas, amigos, nós não somos máquinas! E depois damo-nos conta de que muitas vezes ficamos sem gasolina e não sabemos o que fazer. É bom saber parar para abastecer, para recarregar as baterias. Mas — atenção! — não é para mergulhar nas próprias melancolias ou ruminar tristezas, não é para pensar em quem me fez isto ou aquilo, elaborando teorias sobre o modo como se comportam os outros; isso não te faz feliz! Aquilo é um veneno, não se faz!
O silêncio é o terreno onde se pode cultivar relações benéficas, porque nos permite confiar a Jesus aquilo que vivemos, apresentar-lhe rostos e nomes, entregar-lhe as preocupações, lembrar os nossos amigos e rezar por eles. O silêncio dá-nos a possibilidade de ler uma página do Evangelho que fala à nossa vida, de adorar a Deus reencontrando assim a paz no coração. O silêncio permite-nos pegar num livro que não somos obrigados a ler, mas que nos ajuda a conhecer o espírito humano, permite-nos observar a natureza para não viver apenas em contacto com coisas feitas pelos homens mas descobrir também a beleza que nos rodeia. Contudo o silêncio não é para ficar preso ao telemóvel e às redes sociais. Isso não, por favor! A vida é real, não virtual; não acontece num visor, a vida acontece no mundo! Por favor, não tornemos a vida virtual. Repito: não tornemos a vida virtual, porque é concreta. Compreendestes?
Assim o silêncio é a porta da oração, e a oração é a porta do amor. Dóra, quero agradecer-te por teres falado da fé como de uma história de amor (isto é lindo; é a tua experiência) onde dia a dia enfrentas as dificuldades da adolescência, mas sabendo que está contigo Alguém, Alguém para ti, e que esse Alguém — Jesus — não tem medo de superar contigo todo e qualquer obstáculo que encontres. A oração ajuda a fazê-lo, porque é diálogo com Jesus, tal como a Missa é encontro com Ele, e a Confissão é o abraço que se recebe d’Ele. Vem-me à mente o vosso grande músico Ferenc Liszt. Durante uma limpeza do seu piano, foram encontradas algumas contas do terço que, talvez por ter rebentado, caíram lá dentro. É um indício que nos faz pensar como ele, antes de uma composição ou de um concerto, e talvez mesmo depois de um momento de diversão no piano, tivesse o hábito de rezar: falava ao Senhor, falava a Nossa Senhora daquilo que amava e colocava a sua arte e os seus talentos na oração. Rezar não é chato! Somos nós que o tornamos chato. Rezar é um encontro, um encontro com o Senhor: e isto é belo. E quando rezardes, não tenhais medo de levar até Jesus tudo o que se passa no vosso mundo interior: afetos, medos, problemas, expetativas, recordações, esperanças, tudo, mesmo os pecados. Ele compreende tudo. A oração é diálogo de vida, a oração é vida. Bertalan, hoje não tiveste vergonha de nos contar a todos a ansiedade que às vezes te paralisa e as dificuldades que sentes para te aproximares da fé. Como é belo ter a coragem de ser verdadeiro, que não significa mostrar que nunca se tem medo, mas abrir-se e partilhar as próprias fragilidades com o Senhor e com os outros, sem esconder, nem disfarçar, nem usar máscaras. Obrigado pelo teu testemunho, Bertalan. Obrigado! Como vemos narrado nas páginas do Evangelho, o Senhor faz coisas grandes, não com pessoas extraordinárias, mas com pessoas verdadeiras, limitadas como nós. Pelo contrário, quem se apoia nas próprias capacidades e vive de aparências para ser bem visto, mantém Deus longe do coração, porque se ocupa apenas de si mesmo. Jesus, com as suas perguntas, o seu amor, o seu Espírito, escava dentro de nós para nos tornar pessoas verdadeiras. E hoje há tanta necessidade de pessoas verdadeiras! Digo-vos uma coisa: sabeis qual é hoje o perigo? Ser uma pessoa fictícia. Por favor, nunca sejais uma pessoa fictícia, mas sempre pessoas verdadeiras, com sua própria verdade! «Mas, Padre, eu tenho vergonha, porque a minha realidade não é boa. Sabe, Padre?! Trago coisas aqui dentro...». Olha para diante, para o Senhor, tem coragem! O Senhor quer-nos bem assim como somos, como somos agora... Ama-nos assim. Coragem! Avante... Não vos assusteis com as vossas misérias.
A propósito disto, impressionou-me aquilo que disseste tu, Tódor, partindo do nome que recebeste em honra do Beato Teodoro, um grande Confessor da fé que nos chama a não nos contentarmos com meias medidas. Quiseste «fazer soar o despertador», dizendo que o zelo pela missão é anestesiado pelo nosso viver em segurança e conforto, enquanto a poucos quilómetros daqui, na ordem do dia, temos a guerra e o sofrimento. Daí o convite: assumir a vida, para ajudar o mundo a viver em paz. Para isso, deixemo-nos desinquietar. Cada um de nós interrogue-se: Que faço pelos outros, que faço pela sociedade, que faço pela Igreja, que faço pelos meus inimigos? Vivo a pensar só no meu bem ou arrisco pelos outros, sem me cingir aos meus interesses? Por favor, interroguemo-nos sobre a nossa gratuidade, sobre a nossa capacidade de amar, amar segundo Jesus, isto é, capacidade de amar e servir.
Queridos amigos, há uma última coisa que quero partilhar convosco: uma página do Evangelho, que resume tudo o que dissemos. Há ano e meio, estive aqui para o Congresso Eucarístico; ora, no capítulo vi do Evangelho de João, há uma bela página eucarística em cujo centro aparece um jovem. Lá se fala de um rapaz que estava no meio da multidão a escutar Jesus. Provavelmente pensou que o encontro se ia prolongar muito e, previdente que era, trouxe o almoço consigo (A propósito, trouxestes uma sanduíche?). Ora Jesus, compadecido da multidão — eram mais de cinco mil — quer alimentá-la; então, com o seu estilo, interroga os discípulos para despoletar as suas energias. Pergunta a um deles como fazer para isso, e chega a resposta de um «contabilista»: «Duzentos denários de pão não chegam para cada um comer um bocadinho» (Jo 6, 7). Por outras palavras, matematicamente é impossível! Entretanto, outro vê aquele rapaz e faz uma constatação, embora também ela pessimista: «Há aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?» (6, 9). Ao contrário, para Jesus aqueles cinco pais e dois peixes bastam, bastam e sobram para realizar o famoso milagre da multiplicação dos pães. Cada um de nós, as pequenas coisas que temos, inclusive os nossos pecados, bastam para Jesus. E nós, que devemos fazer? Deixá-las nas mãos de Jesus: isto basta!
O Evangelho, porém, não especifica um detalhe, que deixa à nossa imaginação: como conseguiram os discípulos convencer aquele jovem a dar tudo o que tinha? Talvez lhe tenham pedido para disponibilizar o seu almoço; ele olhou em redor vendo milhares de pessoas e terá talvez respondido, como eles, dizendo: «Não basta, porque me pedis a mim e não vos encarregais vós próprios, que sois os discípulos de Jesus? Quem sou eu?». Então ter-lhe-ão dito que foi o próprio Jesus que pediu. E o rapaz faz uma coisa extraordinária: confia. Aquele rapaz que tinha o almoço para si, confia, dá tudo, não guarda nada para si. Veio para receber de Jesus e vê-se na situação de dar a Jesus. Mas é assim que acontece o milagre. Nasce da partilha: a multiplicação realizada por Jesus começa pela partilha daquele jovem com Ele a favor dos outros. O pouco daquele rapaz nas mãos de Jesus torna-se muito. É aqui que conduz a fé: à liberdade de dar, ao entusiasmo do dom, à superação dos medos, a pôr-se em jogo! Amigos, cada um de vós é precioso para Jesus, e também para mim! Lembra-te que ninguém pode ocupar o teu lugar na história do mundo, na história da Igreja: ninguém pode ocupar o teu lugar, ninguém pode fazer aquilo que só tu podes fazer. Ajudemo-nos, então, a crer que somos amados e preciosos, que fomos feitos para grandes coisas. Rezemos por isso e encorajemo-nos a isso! E recordai-vos também de fazer bem a mim com a vossa oração. Köszönöm [obrigado!].