A vocação da Europa
«Construir pontes de paz entre diferentes povos»: eis «a vocação da Europa», chamada pelo Papa Francisco a ser «uma ponte de paz», incluindo as diferenças e acolhendo «quantos batem às suas portas». O Pontífice recordou-a na audiência geral de quarta-feira, 3 de maio, percorrendo com os fiéis presentes na praça de São Pedro e com quantos o seguiam através dos meios de comunicação social os momentos mais significativos da viagem de três dias à Hungria, de 28 a 30 de abril.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia!
Há três dias regressei da viagem à Hungria. Desejo agradecer a todos aqueles que prepararam e acompanharam esta visita com a oração, e renovar a minha gratidão às Autoridades, à Igreja local e ao povo húngaro, um povo corajoso e rico de memória. Durante a minha permanência em Budapeste pude sentir o afeto de todos os húngaros. Hoje gostaria de vos falar desta visita através de duas imagens: as raízes e as pontes.
As raízes. Fui como peregrino visitar um povo cuja história — como disse São João Paulo ii — foi marcada por «muitos santos e heróis, circundados por multidões de pessoas humildes e diligentes» (Discurso por ocasião da cerimónia de boas-vindas, Budapeste, 6 de setembro de 1996). É realmente verdade: vi tantas pessoas humildes e diligentes conservar com orgulho o vínculo com as suas raízes. E entre estas raízes, como salientaram os testemunhos durante os encontros com a Igreja local e com os jovens, estão sobretudo os santos: santos que deram a vida pelo povo, santos que testemunharam o Evangelho do amor e que foram luzes nos momentos de escuridão; tantos santos do passado que hoje exortam a superar o risco do derrotismo e o medo do amanhã, recordando que Cristo é o nosso futuro. Os santos recordam-nos isto: Cristo é o nosso futuro.
Contudo, as sólidas raízes cristãs do povo húngaro foram postas à prova. A sua fé foi testada no fogo. Com efeito, durante a perseguição ateia do século xx , os cristãos foram atingidos violentamente, com Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos assassinados ou privados da liberdade. E enquanto se procurava cortar a árvore da fé, as raízes permaneceram intactas: manteve-se uma Igreja escondida, mas viva, forte, com a força do Evangelho. E na Hungria esta última perseguição, a opressão comunista, foi precedida pela opressão nazista, com a trágica deportação de uma grande população judaica. Mas nesse genocídio atroz, muitos se distinguiram pela resistência e capacidade de proteger as vítimas, e isto foi possível porque as raízes da convivência eram firmes. Nós em Roma temos uma ótima poetisa húngara que passou todas estas provações e conta aos jovens a necessidade de lutar por um ideal, para não ser derrotados pelas perseguições, pelo desânimo. Esta poetisa hoje completa 92 anos: parabéns, Edith Bruck!
Mas ainda hoje a liberdade está ameaçada, como sobressaiu nos encontros com os jovens e com o mundo da cultura. Como? Sobretudo com as luvas brancas, com um consumismo que anestesia, pelo que as pessoas se contentam com um pouco de bem-estar material e, esquecendo o passado, “flutuam” num presente feito à medida do indivíduo. Esta é a perseguição perigosa da mundanidade, levada a cabo pelo consumismo. Mas quando a única coisa que conta é pensar em si próprio e fazer o que bem entender, as raízes sufocam. Trata-se de um problema que diz respeito à Europa inteira, onde dedicar-se ao próximo, sentir-se comunidade, sentir a beleza de sonhar em conjunto e de criar famílias numerosas estão em crise. A Europa inteira está em crise. Então, reflitamos sobre a importância de preservar as raízes, pois só quando elas se afundam, os ramos crescem e produzem frutos. Cada um de nós pode perguntar-se, também como povo, cada um de nós: quais são as raízes mais importantes da minha vida? Onde estou radicado? Lembro-me delas, cuido delas?
Depois das raízes, eis a segunda imagem: as pontes. Nascida há 150 anos da união de três cidades, Budapeste é célebre pelas pontes que a atravessam e unem as suas partes. Isto evocou, especialmente nos encontros com as Autoridades, a importância de construir pontes de paz entre diferentes povos. Esta é, em particular, a vocação da Europa, chamada como “ponte de paz” a incluir as diferenças e a acolher quantos batem às suas portas. Neste sentido, é bela a ponte humanitária criada para tantos refugiados da vizinha Ucrânia, que pude encontrar, admirando também a grande rede de caridade da Igreja húngara.
Além disso, o país está muito comprometido na construção de “pontes para o amanhã”: é grande a sua atenção ao cuidado ecológico — e esta é uma coisa muito, muito bonita da Hungria — o cuidado ecológico e o futuro sustentável, e trabalha-se para edificar pontes entre as gerações, entre os idosos e os jovens, desafio hoje irrenunciável para todos. Depois há pontes que a Igreja, como emergiu do encontro específico, é chamada a lançar aos homens de hoje, pois o anúncio de Cristo não pode consistir apenas em repetir o passado, mas deve ser sempre atualizado, de modo a ajudar as mulheres e os homens do nosso tempo a redescobrir Jesus. Por fim, recordando com gratidão os belos momentos litúrgicos, a oração com a comunidade greco-católica e a solene Celebração eucarística, tão participada, penso na beleza de construir pontes entre os crentes: na Missa dominical havia cristãos de vários ritos e países, e de diferentes confissões, que juntos trabalham bem na Hungria. Construir pontes, pontes de harmonia e pontes de unidade.
Nesta visita fiquei impressionado com a importância da música, que é um traço caraterístico da cultura húngara.
Concluindo, apraz-me recordar, no início do mês de maio, que os húngaros são muito devotos à Santa Mãe de Deus. A Ela consagrados pelo primeiro rei, Santo Estêvão, por respeito costumavam dirigir-se a Ela sem pronunciar o seu nome, chamando-a unicamente com os títulos da Rainha. Portanto, confiemos à Rainha da Hungria aquele querido país, confiemos à Rainha da paz a construção de pontes no mundo, à Rainha do Céu, que aclamamos neste tempo pascal, confiemos o nosso coração para que se enraíze no amor de Deus.
No final da catequese, saudando os vários grupos linguísticos, dirigiu estas palavras aos de expressão portuguesa.
Saúdo os fiéis de língua portuguesa, especialmente a comunidade «Amigos de Jesus» de Caratinga, os peregrinos de Campinas e os advogados brasileiros aqui presentes. No início deste mês de maio, recordo o pedido de Nossa Senhora de Fátima aos três pastorinhos: «Rezem o terço todos os dias pela paz no mundo e pelo fim da guerra». Também eu vo-lo peço: rezai o terço pela paz. Que Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, nos ajude a construir caminhos de encontro e veredas de diálogo, e nos dê a coragem de os percorrer sem demora. Deus vos abençoe!