Foram dedicados ao tema da doença e do sofrimento na Escritura, os trabalhos da assembleia plenária da pontifícia Comissão bíblica, cujos participantes o Papa Francisco recebeu em audiência na manhã de 20 de abril, na Biblioteca particular do Palácio apostólico.
Senhor Cardeal
Prezados Membros
da Pontifícia Comissão Bíblica!
Tenho o prazer de vos receber no final da vossa Assembleia plenária anual. Agradeço ao Senhor Cardeal Luis Ladaria o seu discurso de saudação e a explicação que nos ofereceu sobre o tema que abordastes: A doença e o sofrimento na Bíblia. Trata-se de um tema que diz respeito a todos, crentes e não-crentes. Com efeito, a natureza humana, ferida pelo pecado, traz inscrita em si a realidade do limite, da fragilidade e da morte.
Além disso, este tema corresponde a uma preocupação que me é particularmente querida, ou seja, que a doença e a finitude no pensamento moderno são frequentemente consideradas uma perda, um não-valor, um transtorno que deve ser minimizado, combatido e anulado custe o que custar. Não se deseja formular a pergunta sobre o seu significado, talvez porque se temem as suas implicações morais e existenciais. No entanto, ninguém pode subtrair-se à busca deste «porquê» (cf. joão paulo ii , Carta Apostólica Salvifici doloris, 9).
Às vezes, até o crente pode vacilar perante a experiência da dor. É uma realidade assustadora que, quando irrompe e se apodera, pode perturbar o homem a ponto de abalar a sua fé. Então, a pessoa é colocada numa encruzilhada: pode permitir que o sofrimento a leve ao fechamento em si, até ao desespero e à revolta; ou pode aceitá-lo como ocasião de crescimento e de discernimento sobre o que é realmente importante na vida, até ao encontro com Deus.
Esta última é a visão de fé que encontramos na Sagrada Escritura.
O homem do Antigo Testamento vive a doença com o pensamento constantemente voltado para Deus: confia-se a Ele nos momentos de lágrimas (cf. Sl 38), d’Ele implora a cura na enfermidade (cf. Sl 6, 3; Is 38) e frequentemente regressa a Ele, na hora da provação, com moções de conversão (cf. Sl 38, 5.12; 39, 9; Is 53, 11).
No Novo Testamento irrompe o evento Jesus (cf. Jo 3, 16): o Filho que revela o amor do Pai, a sua misericórdia, o seu perdão e a sua procura constante do homem pecador, desorientado e ferido. Não é por acaso que a atividade pública de Cristo se distingue em grande parte precisamente pela proximidade aos doentes. As curas milagrosas são uma das principais caraterísticas do seu ministério (cf. Mt 9, 35; 4, 23): cura os leprosos e os paralíticos (cf. Mc 1, 40-42; 2, 10-12); cura a sogra de Simão e o servo do centurião (cf. Mt 8, 5-15); liberta quantos são possuídos pelo demónio e cura todos os enfermos que se confiam a Ele (cf. Mc 6, 56).
Precisamente a sua compaixão por eles e as numerosas curas que realiza são apresentadas como o sinal de que «Deus visitou o seu povo» (Lc 7, 16) e de que o Reino dos Céus está próximo (cf. Lc 10, 9): elas revelam a sua identidade divina, a sua missão messiânica (cf. Lc 7, 20-23) e o seu amor pelos frágeis, até se identificar com eles, quando diz: «Estava doente e visitastes-me» (Mt 25, 36). O ápice desta identificação ocorre na Paixão, de tal modo que a Cruz de Cristo se torna o sinal por excelência da solidariedade de Deus em relação a nós e, ao mesmo tempo, a possibilidade de nos unirmos a Ele na obra salvífica (cf. Cl 1, 24). Inclusive depois da Ressurreição, quando o Senhor confia aos discípulos o mandato de dar continuidade à sua obra, diz-lhes que curem os enfermos, impondo as mãos sobre eles e abençoando-os em seu nome (cf. Mc 16, 15-18).
Então, a Bíblia não oferece uma resposta banal e utópica à pergunta sobre a doença e a morte, nem uma resposta fatalista, que justifique tudo atribuindo-o a um juízo divino incompreensível, ou pior, a um destino inexorável diante do qual só resta resignar-se sem compreender. Pelo contrário, o homem bíblico sente-se convidado a enfrentar a condição universal da dor como lugar de encontro com a proximidade e a compaixão de Deus, Pai bom que, com infinita misericórdia, cuida das suas criaturas feridas para as curar, aliviar e salvar.
Assim, em Cristo, até o padecimento se transforma em amor e o fim das coisas deste mundo torna-se esperança de ressurreição e de salvação, como nos recorda o autor do livro do Apocalipse (cf. 21, 4). Substancialmente, para o cristão até a enfermidade é um grande dom de comunhão, mediante o qual Deus o leva a participar na sua plenitude de bem, precisamente através da experiência da sua fragilidade.
Na realidade, o modo como vivemos a dor fala-nos da nossa capacidade de amar e de nos deixarmos amar, da nossa capacidade de dar sentido às vicissitudes da existência à luz da caridade e da nossa disponibilidade a aceitar o limite como uma ocasião de crescimento e de redenção.1 Era o que São João Paulo ii realçava quando, a partir da sua experiência pessoal, indicava a vereda do sofrimento como caminho para se abrir a um amor maior (cf. Carta Apostólica Salvifici doloris, 20).
Concluindo, um último aspeto da experiência da enfermidade que eu gostaria de salientar é que ela nos ensina a viver a solidariedade humana e cristã, segundo o estilo de Deus, que é proximidade, compaixão e ternura. A parábola do bom Samaritano lembra-nos que debruçar-se sobre a dor do próximo não é para o homem uma escolha opcional, mas uma condição irrenunciável, quer para a sua plena realização como pessoa, quer para a edificação de uma sociedade inclusiva e verdadeiramente orientada para o bem comum (cf. Carta Encíclica Fratelli tutti, 67-68).
Caros membros da Pontifícia Comissão Bíblica, transmito a todos vós o meu agradecimento e encorajamento pessoal pelo trabalho exigente que levais a cabo ao serviço da Palavra de Deus, mediante a investigação e o ensino. Dedicais-vos a um dos âmbitos mais importantes da inculturação da fé, que é parte fundamental da missão da Igreja. Contudo, recordai que a vossa obra crescerá na medida em que souberdes aceitar pessoalmente o mistério da Encarnação na vossa vida de fé.
Por isso, desejo-vos uma fecunda continuação do vosso trabalho, invoco sobre vós a luz do Espírito Santo e abençoo-vos de coração. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!
1 Cf. Homilia por ocasião do Jubileu dos doentes e das pessoas portadoras de deficiência, 12 de junho de 2016.