· Cidade do Vaticano ·

Para reencontrar a unidade do homem e do mundo

This photograph taken on March 9, 2023, shows flowers and crosses set as a memorial on a beach near ...
13 abril 2023

Na sua pequena obra-prima de 1947, O caminho do homem, Martin Buber expõe uma reflexão semelhante à que foi feita sobre a harmonia das diferenças e a gestão dos conflitos, querida pelo Papa Francisco em particular quando escreve que «o homem é capaz de unificar a própria alma. O homem que tem uma alma múltipla, complicada e contraditória não se reduz à impotência: o núcleo mais íntimo desta alma — a força divina que jaz nas suas profundezas — é capaz de agir sobre ela e de a transformar, pode unir umas às outras as forças em conflito e fundir os elementos que tendem a separar-se, é capaz de a unificar. Esta unificação deve produzir-se antes que o homem empreenda uma obra extraordinária. Só com uma alma unificada será capaz de a realizar de tal modo que o resultado não seja um remendo, mas um trabalho íntegro».

A identidade e a própria existência diária do homem contemporâneo são muitas vezes vistas como o resultado inevitavelmente desiludido de um remendo, um mosaico de muitas peças que já não se unem entre si, um espelho em fragmentos que não reflete uma imagem recomposta, mas estilhaçada. Isto não vale só a nível individual, mas também mundial: a Páscoa deste ano encontra o mundo, inclusive no Ocidente, dilacerado por uma guerra que parece estar à beira de eclodir numa loucura cada vez mais vasta. A hipótese de uma “terceira guerra mundial em pedaços”, temida pelo Papa desde o início do seu pontificado, está hoje aqui, diante dos olhos de todos, e não se pode pensar em “remendar”, é necessário um profundo processo de unificação, que comece pelas raízes. O grito lançado do Coliseu durante o rito noturno da Via-Sacra representou este cenário dilacerado, de um planeta despedaçado por numerosos conflitos que trazem devastação, migração forçada, exploração, violência e morte. Na oração inicial foi deliberadamente dado espaço aos muitos «ecos de paz que ressurgem nesta “terceira guerra mundial em pedaços”» e aos «clamores que vêm de países e áreas hoje dilacerados por violências, injustiças e pobreza». Todos os lugares onde existem conflitos, ódios e perseguições estão presentes na oração desta Sexta-Feira Santa».

A imagem do “remendo” usada por Buber no seu texto de 1947 é também a mesma da qual o Papa falou na homilia da missa crismal na manhã de Quinta-Feira Santa, quando, dirigindo-se aos sacerdotes, os convidou a transformar a própria existência numa vida espiritual «livre e jubilosa», e isto pode acontecer «não quando se salvam as aparências e se coloca um remendo, mas quando se deixa a iniciativa ao Espírito e, abandonados aos seus desígnios, nos dispomos a servir onde e como nos for pedido: o nosso sacerdócio cresce, não com remendos, mas por transbordamento!». Portanto, deixemos a iniciativa ao Espírito, façamos sobressair aquela “força divina que jaz nas profundezas”, nas raízes do nosso ser homens, e então o caminho da união, da harmonia e da paz pode deixar de ser uma miragem, para se tornar realmente um sonho.

Andrea Monda