Dai-lhes vós mesmos
No Brasil, mais de uma em cada sete pessoas encontra-se numa situação de fome extrema, com nada ou muito pouco para comer. Uma chaga que se agravou nos últimos anos, como demonstram estatísticas recentes, segundo as quais em 2022 houve um aumento de 14 milhões de famintos no país. Face a esta situação dramática, pela terceira vez desde a sua criação em 1964, a Conferência nacional dos bispos do Brasil ( cnbb ) decidiu dedicar a Campanha da fraternidade, lançada anualmente durante o período quaresmal, ao tema da fome. Através do lema «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mt 14, 16), a iniciativa visa encorajar os fiéis a não cederem à cultura da indiferença em relação ao sofrimento humano, como o Papa Francisco exortou em muitas ocasiões. A intenção dos prelados, lê-se na apresentação oficial, é «lançar luz sobre a questão da emergência alimentar, procurando encorajar ações, a todos os níveis, para minimizar os impactos desta realidade na vida do povo brasileiro».
O lançamento oficial da Campanha teve lugar na quarta-feira de Cinzas, na sede da cnbb em Brasília, onde uma missa foi presidida pelo secretário-geral D. Joel Portella Amado, bispo auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro. No final da celebração foi apresentada a tradicional mensagem dirigida pelo Papa por ocasião da Campanha da fraternidade. Como «expressão de comunhão, conversão e partilha», esta Campanha, sublinhou o episcopado, «desperta o espírito cristão e comunitário na busca do bem comum, educa para a vida em fraternidade e renova a consciência da responsabilidade de todos na ação evangelizadora, em vista de uma sociedade onde todos são irmãos». Ápice e expressão concreta da Campanha, a coleta nacional de solidariedade foi realizada em todas as comunidades do Brasil no Domingo de Ramos, 2 de abril. Do total recolhido, as dioceses enviarão 40% para o Fundo nacional de solidariedade, gerido pela Cnbb, que apoia projetos sociais em todo o Brasil. A outra parte, 60%, permanece nas dioceses para participar em projetos locais, através dos respetivos Fundos diocesanos de solidariedade.
«Nós, cristãos, que temos fome de Deus, somos convidados a refletir sobre a questão da fome». Somos convidados a perguntar-nos, no espírito quaresmal, por que tantas pessoas na Terra vivem este flagelo»: foi o convite formulado pelo secretário-geral da Conferência episcopal num dos cinco vídeos de formação propostos pela Igreja brasileira por ocasião da Campanha da fraternidade. «Perante tanto sofrimento, tanta dor — prossegue o prelado — quando não nos sentimos capazes de reagir, assustamo-nos. Mas, quando nos unimos, pomos todo o nosso esforço no que temos e o apresentamos a Jesus, o milagre acontece». «Assim como a multidão foi alimentada com uma pequena quantidade de pão e peixes — expressando a presença messiânica de Jesus, na ideia da abundância, da festa — somos convidados a colocar-nos diante de Jesus e a transformar também o nosso coração, transformar a nossa solidariedade», acrescenta o bispo auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Como se mencionou, as origens da Campanha da fraternidade remontam há sessenta anos, quando o então administrador apostólico de Natal, Eugênio de Araújo Sales, organizou a nível regional uma coleta a favor das obras sociais e apostólicas da arquidiocese, na linha das campanhas promovidas pela instituição alemã Misereor. Mais tarde assumida pelas várias Igrejas particulares no Brasil, a Campanha «tornou-se expressão de comunhão, conversão e partilha», lê-se no site da cnbb.
Os objetivos são três : «Despertar a comunidade e o espírito cristão no povo de Deus, envolvendo, em particular, os cristãos na busca do bem comum; educar para uma vida em fraternidade, fundada na justiça e no amor, exigência central do Evangelho; renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e solidária». A primeira Campanha dedicada ao tema da fome teve lugar em 1975, com o lema «Repartir o pão», e a segunda — cujo título era «Pão para quem tem fome» — foi organizada dez anos mais tarde.
Charles de Pechpeyrou