«Enquanto a humanidade se recuperava lentamente das consequências da pandemia, assistimos à convulsão causada pelo terrível terramoto... na Síria e no sul da Turquia», escreveram o arcebispo Claudio Gugerotti, prefeito do Dicastério para as Igrejas orientais, e o padre Flavio Pace, subsecretário, na carta enviada aos bispos de todo o mundo por ocasião da coleta anual da Sexta-feira Santa para a Terra Santa.
Caro Irmão no episcopado!
Na Sexta-feira Santa, ouvimos ressoar a narração da Paixão do Senhor. Entre os sinais que acompanham a morte de Jesus, relata-se que «o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo; a terra tremeu, e as rochas fenderam-se» (Mt 27, 51-52). Precisamente quando a humanidade se estava lentamente a recuperar das consequências da pandemia, testemunhámos o tumulto causado pelo terrível terramoto. Também foi sentido em Jerusalém, mas causou danos e semeou um número muito grande de mortes na Síria e no sul da Turquia, terras visitadas pela pregação apostólica e lugares onde o cristianismo das origens floresceu com distintas tradições monásticas e herméticas, ou escolas teológicas que contribuíram para o desenvolvimento da compreensão do mistério de Cristo às quais todos nós somos devedores, embora muitas vezes não as conheçamos, devido às perseguições que as extinguiram.
À tragédia da guerra, que dura mais de doze anos na Síria, juntou-se a devastação causada pelos edifícios que ruíram em consequência de fortes tremores sísmicos: tantos dos nossos irmãos e irmãs na fé e na humanidade enfrentaram um novo êxodo das suas casas, desta vez já não devido ao risco de bombas ou por aquele que tinha significado a invasão da Planície de Nínive no Iraque, mas porque também a casa, o lar dos mais queridos afetos, o refúgio da própria família, vacilou, correndo o risco de se tornar e muitas vezes de se transformar num túmulo de morte.
A devastação da longa guerra e o recente terramoto puseram de novo a nu a fragilidade das seguranças às quais a humanidade confia a própria esperança, e fazem-nos sentir um desejo mais forte de nos enraizarmos na Rocha da fidelidade de Deus na Páscoa de Cristo, morto e ressuscitado. Vimos a sua imagem profanada há algumas semanas por vândalos na Igreja da Flagelação, ao longo da Via Dolorosa, em Jerusalém. Naquele Crucifixo mutilado, somos convidados a reconhecer a dor de tantos dos nossos irmãos e irmãs que viram os corpos dos seus entes queridos igualmente mutilados sob os escombros ou atingidos por bombas, e a caminhar com eles, de mãos dadas, pelo caminho da Cruz, sabendo que cada túmulo, como o da Basílica da Anastasis, na Cidade Santa, não é a última palavra sobre a vida da humanidade em cada época. A preciosa presença dos Frades da Custódia da Terra Santa não só garante a manutenção dos santuários, mas preserva a vida das comunidades cristãs, muitas vezes tentadas a perder a sua vocação de povo da Páscoa nas terras abençoadas pela presença do Redentor.
Muitas casas de religiosos e religiosas franciscanos e de outras ordens e congregações, tanto na Síria como na Turquia, nestas semanas tornaram-se tendas e abrigos para os deslocados, mas mais em geral em toda a Terra Santa continuam a ser fontes de esperança através do cuidado dos mais pequeninos, da formação escolar, do acompanhamento de mães em dificuldade, do inclinar-se subre os idosos e doentes, bem como da oferta através de projetos de habitação para novas famílias e da criação de emprego, de modo que vale a pena continuar a permanecer nos Lugares da Salvação.
A Igreja universal e toda a humanidade mostraram-se mais uma vez atentos ao auxílio da emergência ligada a uma catástrofe natural, mas o Santo Padre Francisco, na sequência do que foi afirmado pelos seus antecessores, confia mais uma vez este ano ao Dicastério para as Igrejas Orientais a tarefa de reavivar o convite para permanecer solidário com a comunidade cristã da Terra Santa, como o apóstolo dos gentios, São Paulo, fez com a coleta iniciada para a Igreja de Jerusalém. Que o gesto material da oferta, ao qual Ele nos chama, seja acompanhado antes de mais por uma palavra que nos faça redescobrir o significado de manter viva a memória das origens, como recorda o profeta Isaías: «considerai a rocha da qual fostes talhados» (Is 51, 1). A Igreja espalhou-se pelo mundo com a pregação dos apóstolos, e cada um de nós através do Batismo se tornou a pedra chamada a permanecer unida à fundação, que é Cristo Senhor, a fim de construir um edifício espiritual: em Jerusalém são as nossas fontes, e queremos permanecer unidos e solidários com os irmãos e irmãs que lá continuam a dar testemunho do Evangelho. Preservemos a memória histórica do Cenáculo, fazendo dos nossos lares e paróquias cenáculos de oração e caridade. Revigoremos os espaços da Basílica do Santo Sepulcro e restabeleçamo-los à sua luz, mas façamos habitar nos nossos corações a proclamação do Ressuscitado. Guardemos a Basílica da Anunciação em Nazaré, mas deixemos que as nossas vidas sejam surpreendidas todos os dias pela Palavra do Senhor, como fez a Virgem Maria. Unamo-nos aos anjos em festa nos mosaicos da Basílica da Natividade em Belém, mas cuidemos daqueles que nascem e permanecem à margem da nossa sociedade, como foi para o Santo Menino na Gruta rodeado apenas por pastores.
Por isso, pedimos de coração que a Coleta da Sexta-feira Santa seja generosa da parte de todos, como tantos pequenos óbolos da viúva elogiada por Jesus no Evangelho.
Em nome do Santo Padre Francisco, agradecemos aos Bispos, aos párocos, a todas as comunidades religiosas e paroquiais, assim como aos Comissários da Terra Santa que ajudam em todo o mundo a realizar esta peregrinação anual à fonte da existência cristã. Obrigado, sobretudo em nome daqueles que regressarem a uma vida mais digna, graças à vossa bondade.
Quarta-feira de cinzas de 2023.