Entre as novidades mais relevantes do motu proprio que confirma o Vos estis lux mundi está aquela retomada do novo direito penal canónico — em vigor desde dezembro de 2021 — que indica nos menores, aqueles que habitualmente têm um «uso imperfeito da razão» e nos «adultos vulneráveis» as vítimas de abusos sexuais por parte de clérigos e membros de institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica. Esta nova norma, desejada pelo Papa Francisco, expressa «a atenção especial que a Igreja reserva às pessoas mais débeis e indefesas, punindo de modo exemplar a violação da sua dignidade e liberdade», como afirma o arcebispo Filippo Iannone, prefeito do Dicastério para os textos legislativos, nesta entrevista a «L’Osservatore Romano».
Quais são as principais inovações feitas ao motu proprio Vos estis lux mundi para favorecer uma «melhor aplicação» quase quatro anos após a sua entrada em vigor?
Antes de mencionar as novidades, parece útil contextualizar o documento que é publicado. O motu próprio Vos estis lux mundi foi promulgado pelo Papa Francisco a 7 de maio de 2019 e entrou em vigor no dia 1 de junho seguinte. Ele é fruto do encontro presidido pelo Santo Padre, realizado no Vaticano em fevereiro de 2019, no qual participaram todos os presidentes das Conferências episcopais para debater a «proteção dos menores na Igreja». O documento — como se afirma na premissa — tem como finalidade «estabelecer procedimentos a serem adotados a nível universal destinados a prevenir e a contrastar os hediondos crimes de abuso sexual por parte de quantos assumem ministérios na Igreja, in primis sacerdotes e consagrados», crimes que — acrescentou o Papa — atraiçoam a confiança dos fiéis. Precisamente porque o texto introduziu novas «normas processuais», o Papa estabeleceu um período experimental de três anos, no final do qual se procederia a uma revisão para eventualmente as aperfeiçoar e corrigir, a fim de alcançar a sua melhor aplicação. Isto teve lugar no prazo estabelecido, com uma ampla consulta das Conferências episcopais, dos Dicastérios da Cúria romana, dos Núncios apostólicos e dos peritos na matéria. O resultado desta consulta é o motu proprio que é publicado hoje.
Entre as mudanças há um esclarecimento adicional sobre as vítimas de abusos: anteriormente falava-se de menores e pessoas vulneráveis, agora fala-se de adultos vulneráveis e de pessoas que «habitualmente» têm um «uso imperfeito da razão». Pode dizer-nos o que isto implica?
Passando brevemente às novidades mais relevantes — deixando de lado as que dizem respeito mais especificamente a aspetos processuais — o motu proprio sobre as vítimas de abusos sexuais por parte de clérigos e membros de institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica retoma o que já foi estabelecido pela nova lei penal canónica, em vigor desde dezembro de 2021, e identifica-as nos menores, aqueles que têm habitualmente uma utilização imperfeita da razão, e nos adultos vulneráveis aos quais a lei assegura uma particular tutela. Esta nova norma, desejada pelo Papa, demonstra a atenção especial que a Igreja reserva às pessoas mais débeis e indefesas, cuja liberdade e dignidade devem ser respeitadas e protegidas por todos, punindo a sua violação de modo exemplar.
As normas aplicam-se agora não só aos clérigos e religiosos, mas também aos «leigos que são ou foram moderadores de associações internacionais de fiéis reconhecidas ou erigidas pela Sé Apostólica». Que aspetos implica esta novidade?
Entre os crimes tipificados, o documento inclui também o dos bispos e equiparados — entre estes inclui inclusive os superiores-gerais dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica — que com as ações ou omissões interferem ou evadem as investigações canónicas e civis contra os culpados dos crimes acima mencionados (os chamados ocultamentos e encobrimentos). O documento agora estende o delito também aos responsáveis de algumas associações clericais e aos leigos moderadores supremos das associações internacionais de fiéis reconhecidas pela Sé Apostólica que assumem as mesmas atitudes. Evidentemente, todos estes indivíduos são passíveis de pena se eles próprios cometerem abusos sexuais. Uma reafirmação clara e exigente dos deveres de justiça e uma aplicação corajosa das normas do direito penal no governo e na vida das comunidades da Igreja.
Especifica-se também que as dioceses e eparquias devem dispor de «organismos ou gabinetes» — anteriormente referidos genericamente como «sistemas estáveis» — facilmente acessíveis ao público para receber denúncias de casos de abuso. Qual é a diferença em relação à versão anterior?
Não creio que isto possa ser considerado como uma novidade substancial. O legislador no novo texto, com base na experiência dos últimos anos, especificou que os «sistemas estáveis» mencionados no texto anterior assumiram na realidade a forma de organismos ou gabinetes. O importante é que estes devem ser «facilmente acessíveis ao público» para receberem relatórios de possíveis crimes. E esta conotação é também reiterada no documento em questão.
Especifica-se que «é tarefa do Ordinário do lugar, onde os factos alegadamente teriam ocorrido, proceder de acordo com a lei, como previsto para o caso específico». Pode explicar qual é o papel dos ordinários?
Quando um ordinário, um bispo, por exemplo, recebe uma denúncia de que um dos crimes referidos no nosso documento foi cometido, deve ativar o procedimento previsto pelo direito, com a devida investigação. Se a pessoa denunciada como autor do crime for uma das enumeradas em Vos estis lux mundi, seguirá o procedimento estabelecido pelo motu proprio (informará o Dicastério competente da Santa Sé do qual receberá as devidas instruções); se, por outro lado, a pessoa denunciada não se encontrar entre estas, será igualmente ativado, mas de acordo com as normas comuns do direito canónico, que lhe atribuem a responsabilidade da investigação e do eventual julgamento.
Quais progressos, graças a este motu proprio, foram feitos nos últimos anos na luta contra os abusos na Igreja?
A resposta a esta pergunta implicaria uma análise detalhada do que foi alcançado em cada uma das dioceses na implementação das prescrições do motu proprio, o que aqui seria impossível. O que gostaria de salientar é que seguindo o Vos estis lux mundi, para além dos aspetos penalistas, as boas práticas foram ativadas mais ou menos em toda a parte, ou seja, aquelas formas de atuação que colocam os pequeninos no centro, reforçando a corresponsabilidade comunitária através da participação e da formação dos agentes pastorais. E isto como expressão concreta do cuidado e custódia dos mais pequeninos, que desde sempre está no centro das numerosas atividades da Igreja, especialmente das paróquias, como o Papa Francisco frisou várias vezes.
Nicola Gori