Aviagem à Argentina, a esperança de uma mudança na Venezuela e a denúncia de uma “ditadura grosseira” na Nicarágua. Foi sobretudo na América Central e do Sul que Francisco se concentrou, na entrevista que concedeu ao site de informações argentino “Infobae”, alguns dias antes da celebração do décimo aniversário de pontificado. Na entrevista em Santa Marta com o proprietário do portal, Daniel Hadad, o Pontífice falou de temas geopolíticos, como a guerra na Ucrânia, de questões eclesiais, como a abordagem da homossexualidade e o papel das mulheres, e de temas mais pessoais (“Porque deixou de ver televisão?”).
Em particular, o Papa falou sobre as dificuldades vividas hoje pelo povo e pela Igreja da Nicarágua, onde o núncio foi expulso e foram proibidas as procissões da Semana santa, e onde há ataques constantes contra bispos e sacerdotes. O Pontífice denunciou a falta de equilíbrio de quem governa o país e, com referência ao bispo de Matagalpa, D. Rolando Álvarez, condenado a 26 anos de prisão, acrescentou: «Temos um bispo encarcerado. Um homem muito sério, deveras competente. Quis dar o seu testemunho e não aceitou o exílio. É algo que não está em sintonia com o que vivemos, é como trazer a ditadura comunista de 1917, ou a hitleriana de 1935, trazê-las aqui, não é verdade? São uma espécie de ditaduras rudes. Ou, para usar uma bonita definição argentina, guarangas (grosseiras)».
A propósito da Argentina, foi inevitável a pergunta sobre uma possível viagem à terra natal. «Estava prevista para dezembro de 2017», explicou Jorge Mario Bergoglio, repetindo o que já tinha afirmado no voo de regresso do Iraque: «Ia-se primeiro ao Chile, depois à Argentina e ao Uruguai. Esse era o programa. Mas o que aconteceu? Havia eleições precisamente naquele momento. Portanto, tivemos que transferir o Chile para dezembro e depois ir à Argentina e Uruguai em janeiro. Em janeiro não se vê nem sequer um gato... Depois, o programa foi alterado e fomos ao Chile e Peru. E a Argentina e o Uruguai foram deixados para mais tarde... Não há rejeição em ir, disse o Papa. De forma alguma. A viagem foi programada. Estou aberto à oportunidade... Quero ir à Argentina».
Em seguida, Francisco deslocou a atenção para a Venezuela, declarando que vê um vislumbre de esperança de que o regime possa mudar: «Penso assim, declarou, porque são as circunstâncias históricas que os obrigarão a mudar a sua forma de dialogar... Nunca fecho a porta a possíveis soluções. Pelo contrário, encorajo-as».
O Papa foi mais prudente quanto a uma solução para a guerra na Ucrânia: «Todos trabalham por isto. Todos trabalham», afirmou. «Modi (primeiro-ministro da Índia, ndr) pode fazer algo, não sei. Sei que há vários governantes que se movem. Há um grupo israelense que se move bem. Mas não sabemos ao que levará».
Homossexuais, divorciados recasados, mulheres, celibato, foram os outros temas que o Papa abordou na entrevista. Sobre a aceitação das pessoas gays, Francisco mencionou diretamente as palavras de Jesus: «A grande resposta foi dada» por Ele, disse. «Todos, todos. Todos dentro. Quando “os requintados” não quiseram ir ao banquete, pediu que fossem às encruzilhadas para chamar todos, bons, maus, velhos, jovens, crianças, todos. Todos. A Igreja é para todos. E cada um resolve a sua posição perante o Senhor com a força que tiver. Esta é uma Igreja de pecadores». «Não sei onde está a Igreja dos santos, aqui somos todos pecadores», reiterou o Pontífice, e como na primeira viagem ao Rio de Janeiro, em 2013, repetiu: «Quem sou eu para julgar uma pessoa, se ela tiver boa vontade, certo? Se for mais semelhante a um do bando do diabo, bem, defendamo-lo um pouco. Mas hoje dedica-se muita atenção a este problema. Jesus chama todos e cada um resolve a sua relação com Deus como pode ou como quer, às vezes quer e às vezes não pode, mas o Senhor espera sempre».
Na mesma linha, falando dos sacramentos aos divorciados recasados — tema central no duplo Sínodo sobre a família de 2014-2015 — o Papa recordou «a consciência do bispo», sugerindo aos casais separados «que procurem o seu bispo e lhe apresentem a própria situação».
E sobre as mulheres, frisou que agora é maior o número daquelas que trabalham na Igreja: um necessário passo em frente, porque «o machismo é negativo», afirmou. «Às vezes o celibato pode levar-te ao machismo. A um sacerdote que não sabe trabalhar com mulheres falta algo, não é maduro. O Vaticano era muito machista, mas isto faz parte da cultura, não é culpa de ninguém. Sempre se fez assim». Mas agora as coisas começaram a mudar: «As mulheres têm outra metodologia. Têm uma sensação do tempo, da espera, da paciência, diferente dos homens. Isto não diminui o homem, são diferentes. E devem completar-se uns aos outros».
Precisamente sobre o celibato na Igreja ocidental, o Papa Francisco explicou: «É uma prescrição temporária... Não é eterna, como a ordenação sacerdotal... O celibato, ao contrário, é uma disciplina». «Então, poderia ser revisto?», perguntou o entrevistador. «Sim», respondeu o Papa.
Depois, Hadad citou o cardeal Julián Herranz, de 92 anos, quando disse que dos seis Papas com quem trabalhou, «talvez o diabo tenha trabalhado com dois, Paulo vi e Francisco, sempre para dividir a Igreja e impedir a difusão do Evangelho». «Não posso julgar se é verdade ou não», respondeu. «Mas às vezes há resistência negativa. Não positiva. Porque a boa resistência é que se eu fizer um bom projeto, vejamos um pouco, vamos discutir sobre isto. A má resistência é aquela que se debate aqui e depois se procura a traição por detrás. Mas ou sou ingénuo ou não a ouço». Tais coisas, na Igreja, «existem, estão presentes, num canto, escondidas. À beira do cisma, e isto é mau, comentou o Papa. Por exemplo, o caso de um bispo americano, muito conhecido, que foi núncio. Não se sabe se este homem é católico ou não, está na margem. Estas resistências mal geridas. Na Igreja, houve resistências desde o princípio». «Quando me criticam de cabeça baixa, aprecio, acrescentou. Às vezes não gosto, mas aprecio».
Depois, uma menção ao voto feito há 33 anos à Virgem do Carmo, de não ver televisão. Era o dia 15 de julho de 1990 e, enquanto estava com a comunidade, na televisão «transmitiam coisas que não fazem bem ao coração. Não coisas pecaminosas, mas aqueles relativismos que debilitam o coração». No dia seguinte, na Missa da Virgem do Carmo, Francisco sentiu «que não deveria vê-la, sem qualquer problema». Então disse «chega», com a exceção de algumas breves concessões.
Salvatore Cernuzio