«A “paz” que Deus estabelece» com os homens «gera realidades novas, criando pontes, destruindo temores e rancores», recordou o Papa Francisco na manhã de 11 de março, recebendo em audiência na Biblioteca particular, a Comissão episcopal espanhola para as missões e a cooperação com as Igrejas e a junta diretiva da ongd Misión América.
Excelência Reverendíssima
Reverendos sacerdotes
Irmãos todos!
Soube que Misión América celebra o trigésimo aniversário da sua fundação, aproximando-se assim daquilo a que a tradição chamava a “idade perfeita”, ou seja, a idade de Cristo no momento da sua Paixão e morte. Nesta importante data, desejastes visitar a Sé de Pedro, para renovardes o vosso compromisso com a Igreja universal, que se concretiza no vosso trabalho em prol das missões na América e África. Felicito-vos e convido-vos a assegurar que os três anos que faltam para atingir a idade perfeita sejam um caminho profundo no qual podeis continuar a progredir na vossa identificação com Cristo. Com aquele Cristo que nos disse: «Como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós» (Jo 20, 21), para que abrais a Igreja à missão. A Igreja deve sair, deve estar na rua. Para mim, aquele texto do Apocalipse no qual Jesus diz: “estou à porta e bato” diz muito. Se a abrirdes, entrarei, permanecerei e cearei convosco (cf. Ap 3, 20).
O problema de hoje é um pouco diferente. Jesus continua a bater à porta, mas muitas vezes a partir de dentro a fim de que lhe abramos a porta e o deixemos sair. Creio que este é o desafio de hoje. A missão. Abrir a Igreja à missão.
É evidente que no vosso trabalho já percorrestes um caminho importante. De facto, propondes quatro palavras que o definem: visibilidade, respeito, voluntariado e colaboração. Faz-nos bem relê-las um pouco à luz deste evangelho da missão.
Efetivamente na cena mencionada há pouco, Jesus mostra-vos antes de mais «as mãos e o lado» (v. 20). Esta imagem é interessante, porque de certa forma resume para nós o “modo” como Jesus foi enviado pelo Pai e agora nos envia, dando visibilidade à realidade da dor, do pecado, da morte, não para condenar alguém — temos usado muito este dedinho para condenar, e não é a melhor coisa. Não para condenar alguém, mas para curar, curar a humanidade, assumindo-a na própria pessoa. Do mesmo modo, ao organizar campanhas de sensibilização para fazer conhecer a realidade da América Latina, o horizonte mais não pode ser do que mostrar a mão estendida de Cristo, que nas suas feridas nos oferece o melhor refúgio.
O texto bíblico, como bem sabeis, continua com o episódio de S. Tomé. É outra ideia atraente — para além do valor teológico da narração — este respeito pelo outro, pelos seus tempos, pelos seus espaços. Jesus está sempre atento à necessidade, mas sobretudo à pessoa na sua totalidade. Jesus respeita as pessoas. A verdadeira igualdade, a verdadeira justiça, não é impor um caminho único e utilitarista para todos, mas ser capazes de acompanhar cada um, na sua liberdade, na sua necessidade, para que todos possam responder à chamada de Deus, ao projeto que Deus tem para cada um de nós, de acordo com os seus tempos, o seu caminho, a sua paciência. Saber esperar.
Além disso, naquela ocasião, segundo o Evangelho de João, Jesus infundiu o Espírito Santo sobre os discípulos, concedendo-lhes com aquele dom a força, a autoridade para cumprir a missão que lhes foi confiada. Os discípulos a partir daquele momento é como se entrassem noutro nível, mais ativo, mais empreendedor, com o poder do Espírito Santo, obviamente. De forma semelhante, e reconhecendo sempre que só em Deus está a nossa força, procurai dar impulso, a começar pela Igreja em Espanha, a esta vocação do voluntariado — é uma das coisas mais belas que as sociedades têm. O trabalho voluntário dos leigos, não é? Voluntariado ativo, que nada mais é do que apoiar com a oração, o trabalho, a solidariedade, aqueles que, movidos pelo mesmo Espírito, caminham pelo mundo. Voluntariado de apoio de qualquer modo.
Por fim, uma palavra crucial para compreender o imenso dom de Jesus ressuscitado: «A paz esteja convosco!» (v. 21), diz o Senhor. A dádiva de Jesus ressuscitado é esta paz que Ele nos dá. Por mais impossível que seja compreender o pleno significado que este conceito tem, vós o traduzis com colaboração. Colaborar em paz, que isto sirva para o crescimento. É algo de belo, significa que a “paz” que Deus estabelece connosco e entre nós transforma a existência, torna-se quotidianidade na caminhada diária, na busca do bem, na difusão do amor e da concórdia. E gera realidades novas, criando pontes, destruindo temores, destruindo rancores, os mesmos que — como evidencia o texto bíblico — mantinham os discípulos fechados.
Que esta imagem de Jesus, que envia a sua Igreja em missão, seja um incentivo para vós, para dar visibilidade às feridas ainda tangíveis no seu Corpo místico; para exigir e exigir de nós respeito por cada homem e pelo seu direito a poder discernir o caminho que Deus traça para ele; para trabalhar e apoiar o trabalho de todos aqueles que foram, como nós, enviados, colaborando, com todos os homens de boa vontade, para a glória que o Senhor preparou para nós, ou seja, que o homem viva, como diz Santo Ireneu (cf. Contra as heresias, 4, 20, 5-7).
Que Jesus vos abençoe. Deveras obrigado pelo que fazeis. Direis: “é pouco, é muito familiar”. Mas as pequenas coisas, as coisas familiares são as que duram mais tempo, enquanto que por vezes as coisas grandiosas não duram.
Que a Santíssima Virgem vos acompanhe e, por favor, não percais o bom humor. Ide em frente e rezai por mim.