Na viagem apostólica à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul (31 de janeiro — 5 de fevereiro) «disse duas palavras: a primeira é negativa: “Basta!”, basta de exploração da África! A segunda é positiva: juntos, com dignidade, todos juntos, e com respeito recíproco, juntos em nome de Cristo, nossa esperança, ir em frente. Não explorar e seguir em frente juntos», recordou o Papa Francisco durante a audiência geral — na manhã de quarta-feira, 8 de fevereiro, na Sala Paulo vi — voltando a percorrer os passos e revivendo os encontros da peregrinação em solo africano.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia!
Na semana passada visitei dois países africanos: a República Democrática do Congo e o Sudão do Sul. Dou graças a Deus que me permitiu fazer esta viagem, há muito desejada. Dois “sonhos”: visitar o povo congolês, guardião de um imenso país, pulmão verde da África: juntamente com a Amazónia, são os dois pulmões do mundo. Terra rica em recursos e ensanguentada por uma guerra que nunca acaba, porque há sempre quem alimenta o fogo. E visitar o povo sul-sudanês, numa peregrinação de paz com o Arcebispo de Canterbury Justin Welby e o Moderador-geral da Igreja da Escócia, Iain Greenshields: fomos juntos para testemunhar que é possível e necessário colaborar na diversidade, especialmente quando se partilha a fé em Jesus Cristo.
Nos primeiros três dias estive em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Renovo a minha gratidão ao Presidente e às demais Autoridades do país pelo acolhimento que me reservaram. Imediatamente após a minha chegada, no Palácio presidencial, pude dirigir a mensagem à Nação: o Congo é como um diamante, pela sua natureza, pelos seus recursos e sobretudo pelo seu povo; mas este diamante tornou-se motivo de disputa, de violências e, paradoxalmente, de empobrecimento do povo. Trata-se de uma dinâmica que se encontra também noutras regiões africanas, e que é válida para aquele continente em geral: um continente colonizado, explorado e saqueado. Diante de tudo isto, eu disse duas palavras: a primeira é negativa: “basta!”, parem de explorar a África! Disse outras vezes que no inconsciente coletivo prevalece “a África deve ser explorada”: basta com isto! Disse eu. A segunda é positiva: juntos, com dignidade todos juntos, com respeito mútuo, juntos em nome de Cristo, nossa esperança, ir em frente. Não explorar e ir em frente juntos!
E reunimo-nos em nome de Cristo na solene Celebração eucarística.
Depois, os vários encontros tiveram lugar ainda em Kinshasa: com as vítimas da violência no leste do país, a região que há anos é dilacerada pela guerra entre grupos armados, manobrados por interesses económicos e políticos. Não pude ir a Goma. O povo vive no medo e na insegurança, sacrificado no altar de negócios ilícitos. Ouvi os testemunhos chocantes de algumas vítimas, especialmente mulheres, que depuseram aos pés da Cruz armas e outros instrumentos de morte. Com elas eu disse “não” à violência, “não” à resignação, “sim” à reconciliação e à esperança. Sofreram muito e continuam a sofrer.
Em seguida, encontrei-me com os representantes de várias obras de caridade presentes no país, para lhes agradecer e incentivar. O seu trabalho com os pobres e pelos pobres não faz barulho, mas dia após dia faz crescer o bem comum. E sobretudo com a promoção: as iniciativas caritativas devem ser sempre em primeiro lugar para a promoção, não só para a assistência, mas para a promoção. Assistência sim, mas também promoção.
Um momento entusiasmante foi com os jovens e os catequistas congoleses no estádio. Foi como uma imersão no presente, projetado para o futuro. Pensemos na força de renovação que pode trazer aquela nova geração de cristãos, formados e animados pela alegria do Evangelho! Indiquei-lhes, aos jovens, cinco caminhos: a oração, a comunidade, a honestidade, o perdão e o serviço. Aos jovens do Congo disse: a vossa estrada é esta: oração, vida comunitária, honestidade, perdão e serviço. O Senhor ouça o seu clamor, que invoca paz e justiça!
Depois, na Catedral de Kinshasa, encontrei-me com os sacerdotes, diáconos, consagrados, consagradas e seminaristas. São muitos e são jovens, pois as vocações são numerosas: é uma graça de Deus. Exortei-os a ser servos do povo, como testemunhas do amor de Cristo, superando três tentações: a mediocridade espiritual, o conforto mundano e a superficialidade. Que são tentações — diria — universais, para os seminaristas e para os sacerdotes. Certamente, a mediocridade espiritual, quando um sacerdote cai na mediocridade, é triste; a comodidade mundana, isto é a mundanidade, que é um dos piores males que possam acontecer à Igreja; e a superficialidade. Por fim, com os Bispos congoleses, partilhei a alegria e a dificuldade do serviço pastoral. Convidei-os a deixar-se consolar pela proximidade de Deus e a ser profetas para o povo, com a força da Palavra de Deus, ser sinais de como é o Senhor, da atitude que o Senhor tem connosco: a compaixão, a proximidade e a ternura. São três modos de agir do Senhor para connosco: faz-se próximo — a proximidade — com compaixão e com ternura. Foi o que pedi aos sacerdotes e aos bispos.
Depois, a segunda parte da Viagem teve lugar em Juba, capital do Sudão do Sul, Estado que nasceu em 2011. Esta visita teve uma fisionomia deveras especial, expressa pelo lema que retomava as palavras de Jesus: «Rezo para que todos sejam um só!» (cf. Jo 17, 21). Com efeito, tratou-se de uma peregrinação ecuménica de paz, realizada em conjunto, com os chefes de duas Igrejas historicamente presentes naquela terra: a Comunhão anglicana e a Igreja da Escócia. Era o ponto de chegada de um caminho iniciado há alguns anos, que nos tinha visto reunidos em Roma, em 2019, com as Autoridades sul-sudanesas, para assumir o compromisso de superar o conflito e construir a paz. Em 2019 foi feito um retiro espiritual aqui, na Cúria, de dois dias, com todos estes políticos, com todas as pessoas que aspiravam aos postos, alguns inimigos entre eles, mas estavam todos no retiro. E isto deu força para ir em frente. Infelizmente, o processo de reconciliação não avançou muito e o recém-nascido Sudão do Sul é vítima da antiga lógica do poder, da rivalidade, que produz guerra, violências, refugiados e deslocados internos. Agradeço muito ao senhor presidente o acolhimento que nos deu e como está a procurar gerir esta estrada nada fácil, a dizer “não” à corrupção e ao tráfico de armas, e “sim” ao encontro e ao diálogo. E isto é vergonhoso: muitos países que se dizem civilizados oferecem ajuda ao Sudão do Sul, e a ajuda consiste em armas, armas, armas, para fomentar a guerra. Isto é uma vergonha. E sim, ir em frente dizendo “não” à corrupção e aos tráficos de armas e “sim” ao encontro e ao diálogo. Só assim poderá haver desenvolvimento, as pessoas poderão trabalhar em paz, os doentes curar-se, as crianças ir à escola.
O caráter ecuménico da visita ao Sudão do Sul manifestou-se em particular no momento de oração celebrado com os irmãos Anglicanos e da Igreja da Escócia. Juntos, ouvimos a Palavra de Deus; juntos, dirigimos preces de louvor, de súplica e de intercessão. Numa realidade altamente conflituosa, como a sul-sudanesa, este sinal é fundamental, e não é um dado adquirido, pois infelizmente há quem abuse do nome de Deus para justificar violências e abusos.
Irmãos e irmãs, o Sudão do Sul é um país com cerca de 11 milhões de habitantes — pequenino! — dos quais, devido aos conflitos armados, dois milhões são deslocados internos e outros dois milhões fugiram para os países fronteiriços. Por isso, eu quis encontrar-me com um grande grupo de deslocados internos, ouvi-los e fazer-lhes sentir a proximidade da Igreja. Com efeito, as Igrejas e organizações de inspiração cristã estão na vanguarda, ao lado daquelas pessoas desafortunadas, que há anos vivem em campos para deslocados. Em particular, dirigi-me às mulheres — há ali muitas mulheres excelentes — que são a força que pode transformar o país; e encorajei todos a ser sementes de um novo Sudão do Sul, sem violência, reconciliado e pacificado.
Depois, no encontro com os Pastores e os consagrados daquela Igreja local, olhamos para Moisés como modelo de docilidade a Deus e de perseverança na intercessão.
E na Celebração eucarística, último ato da visita ao Sudão do Sul e também de toda a Viagem, fiz-me eco do Evangelho, encorajando os cristãos a ser “sal e luz” naquela terra tão atribulada. Deus deposita a sua esperança não nos grandes e nos poderosos, mas nos pequeninos e nos humildes. E este é o modo de agir de Deus.
Agradeço às autoridades do Sudão do Sul, ao senhor presidente, aos organizadores das viagens e a quantos dedicaram o próprio esforço, o seu trabalho a fim de que a visita pudesse correr bem. Agradeço aos meus irmãos, Justin Welby e Iain Greenshields, por me terem acompanhado nesta viagem ecuménica.
Oremos a fim de que, na República Democrática do Congo e no Sudão do Sul, bem como em toda a África, germinem as sementes do seu Reino de amor, de justiça e de paz!