O sofrimento das populações de Myanmar, Peru e da martirizada Ucrânia, mas também os sinais positivos que chegam dos Camarões — que fazem «esperar num progresso para a resolução do conflito nas regiões anglófonas» do país africano — estiveram no centro da reflexão do Pontífice no Angelus de 22 de janeiro. Falando ao meio-dia da janela do Palácio apostólico do Vaticano, antes da oração mariana com os fiéis presentes na praça de São Pedro, como de costume Francisco comentou o Evangelho do domingo, debruçando-se sobre a chamada dos primeiros discípulos de Jesus.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia!
Hoje o Evangelho da Liturgia (Mt 4, 12-23) narra a chamada dos primeiros discípulos que, no lago da Galileia, deixam tudo para seguir Jesus. Alguns deles já O tinham conhecido, graças a João Batista, e Deus tinha posto neles a semente da fé (cf. Jo 1, 35-39). E eis que agora Jesus volta para os procurar onde vivem e trabalham. O Senhor procura-nos sempre; o Senhor aproxima-se sempre de nós, sempre. E desta vez dirige-lhes uma chamada direta: «Vinde!» (Mt 4, 19). E eles «imediatamente deixaram as redes e seguiram-no» (v. 20). Reflitamos sobre esta cena: é o momento do encontro decisivo com Jesus, aquele que recordarão para o resto da vida e que entra no Evangelho. A partir daí, seguem Jesus e, para o seguir, deixam.
Deixar para seguir. Com Jesus é sempre assim. Pode-se começar de alguma forma a sentir o seu fascínio, talvez graças a outros. Depois o conhecimento pode tornar-se mais pessoal e acender uma luz no coração. Torna-se algo belo para partilhar: “Sabes, aquela passagem do Evangelho comoveu-me, aquela experiência de serviço tocou-me”. Algo que toca o coração. E assim devem ter feito também os primeiros discípulos (cf. Jo 1, 40-42). Contudo mais cedo ou mais tarde chega o momento no qual é necessário deixar para o seguir (cf. Lc 11, 27-28). E há que tomar uma decisão: deixo algumas certezas e parto para uma nova aventura, ou permaneço como sou? É um momento decisivo para cada cristão, porque nisto está em questão o sentido de todo o resto. Se não encontrarmos a coragem de nos pormos a caminho, há o risco de permanecermos espetadores da própria existência e de viver a fé sem convicção.
Por conseguinte, estar com Jesus requer a coragem de deixar, de se pôr a caminho. O que devemos deixar? Certamente os nossos vícios, os nossos pecados, que são como âncoras que nos bloqueiam na margem e impedem de nos fazermos ao largo. Para começar a deixar, é justo que comecemos por pedir perdão: perdão pelas coisas que não eram boas: deixo aquilo e vou em frente. Mas também devemos deixar para trás o que nos impede de viver plenamente, por exemplo, medos, cálculos egoístas, garantias de permanecer em segurança vivendo sem arriscar. E também se deve renunciar ao tempo que se perde em tantas coisas inúteis. Como é belo deixar tudo isto para trás para experimentar, por exemplo, o risco fadigoso, mas gratificante do serviço, ou dedicar tempo à oração, de modo a crescer em amizade com o Senhor. Penso também numa jovem família, que deixa a vida tranquila para se abrir à imprevisível e bela aventura da maternidade e da paternidade. É um sacrifício, mas basta olhar para as crianças para compreender que foi correto deixar certos ritmos e confortos, para ter esta alegria. Penso em certas profissões, por exemplo um médico ou um agente da saúde que renunciou a tanto tempo livre para estudar e preparar-se, e agora fazem o bem dedicando muitas horas do dia e da noite, muita energia física e mental aos doentes. Penso nos trabalhadores que deixam as comodidades, que abandonam o não fazer nada a fim de levar o pão para casa. Em suma, para realizar a vida, é preciso aceitar o desafio de deixar. A isto convida Jesus cada um de nós.
E sobre isto deixo-vos algumas perguntas. Antes de tudo: lembro-me de algum “momento forte” no qual me encontrei com Jesus? Cada um de nós pense na própria história: na minha vida houve algum momento forte em que me encontrei com Jesus? E houve algo belo e significativo que aconteceu na minha vida por ter deixado para trás outras coisas menos importantes? E hoje, há alguma coisa a que Jesus me pede para renunciar? Quais são as coisas materiais, os modos de pensar, os hábitos que preciso deixar para lhe dizer deveras “sim”? Ajude-nos Maria a dizer, como ela, um sim pleno a Deus, a saber deixar algo para trás a fim de o seguir melhor. Não tenhais medo de deixar, se for para seguir Jesus, sempre nos sentiremos melhor e seremos melhores.
No final do Angelus, o Papa recordou o domingo da Palavra de Deus e transmitiu os bons votos aos habitantes do Extremo Oriente e de várias partes do mundo que celebram o Ano Novo Lunar. Por fim, saudou os vários grupos presentes, renovando a oração pela plena unidade de todos os cristãos — na semana que lhe foi dedicada — e pelos ucranianos que sofrem com a guerra.
Prezados irmãos e irmãs!
Este terceiro Domingo do Tempo Comum é dedicado de uma forma especial à Palavra de Deus. Redescubramos com admiração o facto de que Deus nos fala, particularmente através das Sagradas Escrituras. Leiamo-las, estudemo-las, meditemo-las, recitemo-las. Todos os dias leiamos um excerto da Bíblia, especialmente do Evangelho: ali Jesus fala-nos, ilumina-nos, guia-nos. E recordo-vos o que já disse noutras ocasiões: tende um pequeno Evangelho, um Evangelho de bolso, para que o leveis na vossa bolsa, sempre convosco; e quando houver um momento durante o dia, lede algo do Evangelho. É Jesus que nos acompanha. Um pequeno Evangelho de bolso, sempre connosco.
Hoje desejo formular votos de paz e de todo o bem a quantos no Extremo Oriente e em várias partes do mundo celebram o Ano Novo Lunar. Contudo, nesta ocasião jubilosa não posso deixar de expressar a minha proximidade espiritual àqueles que estão a atravessar tempos difíceis causados pela pandemia do coronavírus, na esperança de que as dificuldades atuais sejam superadas em breve. Por fim, espero que a gentileza, a sensibilidade, a solidariedade e a harmonia, que nestes dias se experimentam nas famílias tradicionalmente reunidas, possam sempre permear e caraterizar as nossas relações, familiares e sociais, para que possamos ter uma vida serena e feliz. Bom Ano!
Dirijo com pesar o meu pensamento, em particular a Myanmar, onde a igreja de Nossa Senhora da Assunção na aldeia de Chan Thar, um dos lugares de culto mais antigos e importantes do país, foi incendiada e destruída. Estou próximo da população civil indefesa, que em muitas cidades está submetida a duras provações. Queira Deus que termine depressa este conflito e se abra um novo tempo de perdão, de amor e de paz. Rezemos juntos a Nossa Senhora por Myanmar. [“Ave Maria...”].
Além disso, convido-vos a rezar para que tenham fim as ações de violência no Peru. A violência extingue a esperança de uma solução justa para os problemas. Encorajo todas as partes envolvidas a empreender o caminho do diálogo entre irmãos da mesma nação, com pleno respeito pelos direitos humanos e pelo Estado de direito. Uno-me aos Bispos peruanos para dizer: ¡No a la violencia, venga de donde venga! ¡No más muertes! Há peruanos aqui na praça!
Chegam dos Camarões sinais positivos, que dão esperança de progresso para a resolução do conflito nas regiões anglófonas. Encorajo todas as partes signatárias do Acordo a perseverarem na via do diálogo e da compreensão recíproca, pois só no encontro o futuro pode ser planeado.
Dirijo a minha saudação a todos vós provenientes da Itália e de outros países. Saúdo os peregrinos de Split, Varsóvia — há muitos polacos, vejo as bandeiras — Mérida-Badajoz (Espanha), bem como os de Ascoli Piceno, Montesilvano e Gela, o grupo da Escola “Anjo da Guarda” de Alessandria, o grupo da “Gioventù Ardente Mariana” de Roma e os membros da Associação de Psicologia Católica.
Nestes dias, enquanto rezamos em particular pela plena unidade de todos os cristãos, não nos esqueçamos, por favor, de invocar a paz para a martirizada Ucrânia: o Senhor conforte e sustente aquele povo que tanto sofre! Sofre muito!
Desejo a todos bom domingo. Também aos jovens da Imaculada. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à vista.