Advento, tempo para tirar
«Na quinta-feira celebraremos a solenidade da Imaculada», a cuja «intercessão confiamos a nossa oração pela paz, especialmente pelo martirizado povo ucraniano», disse o Papa no final do Angelus de domingo, 4 de dezembro. Falando ao meio-dia da janela do Palácio apostólico do Vaticano, antes de recitar a oração mariana com os fiéis presentes na praça de São Pedro e com quantos o acompanhavam através dos meios de comunicação, Francisco comentou o Evangelho dominical. E, refletindo sobre a figura de João Batista, «homem alérgico à duplicidade», exortou a viver o Advento como tempo de graça «para tirar as máscaras e pôr-se na fila com os humildes».
Estimados irmãos e irmãs
bom dia, feliz domingo!
Hoje, segundo domingo do Advento, o Evangelho da Liturgia apresenta-nos a figura de João Batista. O texto diz que «trazia um traje de pelos de camelo», que se «alimentava de gafanhotos e mel silvestre» (Mt 3, 4) e que convidava todos à conversão: «Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus» (v. 2). Ele pregou a proximidade do Reino. Em suma, um homem austero e radical, que à primeira vista pode parecer um pouco duro e incutir algum temor. Mas, então perguntemo-nos: por que a Igreja o propõe todos os anos como o principal companheiro de viagem durante este tempo de Advento? O que está por detrás da sua severidade, por detrás da sua aparente dureza? Qual é o segredo de João? Qual é a mensagem que a Igreja nos transmite hoje com João?
Na realidade, o Batista, mais do que um homem duro, é um homem alérgico à duplicidade. Por exemplo, quando fariseus e saduceus, conhecidos pela sua hipocrisia, se aproximam dele, a sua “reação alérgica” é muito forte! De facto, alguns deles, provavelmente vieram ter com ele por curiosidade ou oportunismo, pois João tinha-se tornado muito popular. Aqueles fariseus e saduceus sentiam-se justos e, perante o apelo do Batista, argumentavam dizendo: «Temos por pai a Abraão» (v. 9). Assim, entre duplicidades e presunção, não aproveitaram a ocasião de graça, a oportunidade de começar uma vida nova; estavam fechados na presunção de serem justos. Por isso João diz-lhes: «Produzi frutos dignos de arrependimento!», (v. 8). É um grito de amor, como o de um pai que vê o filho arruinado e lhe diz: “Não deites fora a tua vida!”. Com efeito, prezados irmãos e irmãs, a hipocrisia é o maior perigo, porque pode arruinar também as realidades mais sagradas. A hipocrisia é um grave perigo! É por isso que o Batista — como depois também Jesus — é duro com os hipócritas. Podemos ler, por exemplo, o capítulo 23 de Mateus, onde Jesus fala tão energicamente aos hipócritas da época! E por que fazem isto o Batista e também Jesus? Para os despertar. Mas, aqueles que se sentiam pecadores «iam ter com ele e eram por ele batizados» (v. 5). É assim: para acolher Deus, não importa a habilidade, mas a humildade. Esta é a maneira de acolher Deus, não a bravura: “somos fortes, somos um grande povo...”, não, a humildade: “sou um pecador”; mas não em abstrato, não, “por isto, isso e aquilo”, cada um de nós deve confessar, antes de mais a si mesmo, os próprios pecados, as próprias falhas, as próprias hipocrisias; devemos descer do pedestal e mergulhar na água do arrependimento.
Estimados irmãos e irmãs, João, com as suas “reações alérgicas”, faz-nos refletir. Não somos por vezes também um pouco como aqueles fariseus? Talvez olhemos para os outros de cima para baixo, pensando que somos melhores do que eles, que temos a nossa vida nas mãos, que não precisamos todos os dias de Deus, da Igreja, dos irmãos. Esquecemos que existe apenas um caso em que é lícito olhar para o outro de cima para baixo: quando é necessário ajudá-lo a levantar-se; o único caso, os outros não são lícitos. O Advento é um tempo de graça para tirar as nossas máscaras — cada um de nós as tem — e pôr-se na fila com os humildes; para nos libertarmos da presunção de acreditarmos que somos autossuficientes, para irmos confessar os nossos pecados, os escondidos, e receber o perdão de Deus, para pedirmos desculpa a quantos ofendemos. Começa assim uma nova vida. E o caminho é apenas um, o da humildade: purificar-nos do sentido de superioridade, do formalismo e da hipocrisia, para ver os outros como irmãos e irmãs, pecadores como nós, e ver em Jesus o Salvador que vem por nós — não pelos outros, por nós — como somos, com as nossas pobrezas, misérias e defeitos, sobretudo com a nossa necessidade de sermos levantados, perdoados e salvos.
E lembremo-nos de mais uma coisa: com Jesus há sempre uma oportunidade de recomeçar: nunca é tarde demais, há sempre a possibilidade de recomeçar. Tende coragem, Ele está próximo de nós e este é um tempo de conversão. Cada um pode pensar: “Tenho esta situação aqui dentro, este problema que me faz envergonhar...”. Mas Jesus está ao teu lado, recomeça, há sempre a possibilidade de dar um passo a mais. Ele espera por nós e nunca se cansa de nós. Nunca se cansa! E nós somos tediosos, mas Ele nunca se cansa. Ouçamos o apelo de João Batista para voltarmos a Deus, e não deixemos passar este Advento como os dias do calendário, pois este é um tempo de graça, de graça também para nós, agora, aqui! Que Maria, a humilde serva do Senhor, nos ajude a encontrar a Ele e aos irmãos no caminho da humildade, que é a única que nos fará ir em frente.
No final, o Pontífice saudou os grupos presentes, agradecendo aos polacos que apoiam a angariação de fundos para a Igreja na Europa oriental; depois, recordando a próxima festa mariana a 8 de dezembro, relançou o apelo a favor da paz para a Ucrânia.
Prezados irmãos e irmãs!
Saúdo com afeto todos vós provenientes da Itália e de vários países: famílias, paróquias, associações e fiéis. Vejo também bandeiras espanholas, polacas, argentinas..., muitas. Bem-vindos a todos! Em particular, saúdo os peregrinos espanhóis de Madrid, Salamanca, Bolaños de Calatrava e La Solana. Ao saudar os polacos, gostaria de agradecer a quantos apoiam o Dia de Oração e angariação de fundos para a Igreja na Europa oriental.
Desejo a todos bom domingo e boa continuação do caminho de Advento. Na próxima quinta-feira celebraremos a solenidade da Imaculada. À sua intercessão confiemos a nossa oração pela paz, especialmente pelo martirizado povo ucraniano.
Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à vista!