Com o pensamento dirigido «aos numerosos conflitos em curso no mundo» — visto que «estamos na terceira guerra mundial!» — e «às consequentes pobrezas, aos sofrimentos, às vítimas inocentes, ao futuro negado às crianças», o Papa Francisco exortou quantos se reuniram em Verona para a 12ª edição do Festival da doutrina social da Igreja, a «uma obra restauradora» da paz construída “artesanalmente”, com «confiança e paixão». Lê-se na numa mensagem lida no final da tarde de 24 de novembro, na abertura dos trabalhos.
Aos participantes
no Festival da Doutrina
Social da Igreja
Saúdo cordialmente todos vós que participais na 12ª edição do Festival da Doutrina Social da Igreja. Trata-se de um encontro que já se tornou um ponto de referência para aqueles que acreditam que o bem comum não é uma simples possibilidade, mas o cimento sobre o qual edificar uma sociedade justa, verdadeira e bela. O tema que escolhestes este ano, “Construir a confiança. A paixão do encontro”, manifesta um percurso necessário como nunca, a percorrer seguindo uma dupla sinalização: confiança e paixão. Vivemos numa época de grandes conflitualidades, que parecem negar a atitude de confiança no próximo, corroborados por um sentimento de segurança e tranquilidade. Pensemos nos numerosos conflitos em curso no mundo inteiro — estamos na terceira guerra mundial! — e nas consequentes pobrezas, no sofrimento, nas vítimas inocentes, no futuro negado às crianças. Um cenário sombrio, que exige uma intervenção decisiva com uma obra restauradora. Neste sentido, o verbo que escolhestes — “construir” — é deveras apropriado. Vem à mente a grande capacidade de projetação, típica dos artesãos, de conseguir ver a beleza já na matéria-prima. Eis, pois, já indicado um compromisso concreto: ser artífices de confiança! No entanto, é preciso tomar muito cuidado: não se constrói casualmente, mas de acordo com um projeto específico.
A planificação representa a capacidade de pôr em ordem ideias, iniciativas, impulsos apaixonados, respeitando o tempo para que tudo seja realizado e os tempos de cada pessoa. Só assim a construção concluída será capaz de resistir às tormentas da história, e o sinal da confiança representará a indicação necessária para manter em pé toda a estrutura. Confiança em si próprio e nos outros! Mas antes ainda, confiança em Deus! Recordareis as palavras do profeta Jeremias: «Bendito o homem que confia no Senhor, e cuja esperança é o Senhor. Assemelha-se a uma árvore plantada na margem de um riacho, que estende as raízes na direção das suas águas; quando vem o calor, ela não teme, e a sua folhagem permanece verdejante; não a inquieta a seca de um ano, e continua a produzir frutos» (Jr 17, 7-8).
Pergunto-me: em quem confia hoje o homem? Jeremias indica o além, que permite não permanecer escravo de interesses partidários, com uma perspetiva que supera limites e contradições. A confiança é um forte apelo à esperança, «que — como vos disse no ano passado — inspira novas ações, orienta as competências, estimula o compromisso, dá vida à vida. Quem espera, sabe que faz parte de uma história construída por outros e recebida como dom, precisamente como na parábola dos talentos. E sabe também que deve fazer frutificar este dom» (Mensagem de vídeo aos participantes no Festival da Doutrina Social da Igreja, 25 de novembro de 2021).
Quer demos quer depositemos confiança, precisamos sempre de alguém. Eis, pois, que a confiança não pode existir sem o outro. Só poderemos confiar nele se estivermos dispostos a conhecê-lo, a encontrar-nos, a ver nele a face de Cristo, a partilhar as suas alegrias e sofrimentos. Portanto, o encontro está na base da confiança e a paixão é aquela centelha que aquece os corações, levando-nos a abrir os braços ao outro. Na encíclica Fratelli tutti, escrevi: «Fomos feitos para o amor; existe em cada um de nós “uma espécie de lei de ‘êxtase’: sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser”. Por isso, “o homem deve conseguir um dia partir de si mesmo”» (Fratelli tutti, n. 88). O encontro deve tornar-se o nosso maior desejo, o nosso objetivo a perseguir com tenacidade, pois «o ser humano foi feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude, “a não ser no sincero dom de si mesmo”» (Fratelli tutti, n. 87). Esta é a dimensão que nos permite transformar egoísmo em fraternidade, indiferença em paixão, espadas em arados e lanças em foices. Esta é a saída para a lógica da guerra, que vê no outro o inimigo, a ameaça, o usurpador, e para traçar possíveis caminhos de paz.
A vós, empresários, profissionais, representantes do mundo institucional, da cooperação, da economia e da cultura, reunidos em Verona, peço-vos que promovais e alimenteis, cada qual no próprio âmbito, uma cultura do encontro e da confiança, seguindo o exemplo do padre Adriano Vincenzi que, com paixão, concebeu e deu início ao caminho deste importante Festival.
Que o Senhor vos abençoe, que Nossa Senhora vos ampare. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!
Franciscus
Vaticano, 13 de novembro de 2022.