Nunca negociar
O convite a nunca negociar a pastoralidade foi dirigido pelo Santo Padre à comunidade do Pontifício Colégio Pio Latino-Americano, recebida em audiência na manhã de 28 de novembro na sala Clementina. Publicamos a seguir as palavras proferidas pelo Papa Francisco.
Prezados irmãos e irmãs, estou feliz por me encontrar hoje com todos vós, membros da família do Colégio Pio Latino-Americano. Gostei que me recebestes cantando. Não pude responder cantando, porque sou desafinado como uma cana rachada, pelo que teria sido um desastre. Estes anos que passais em Roma são um tempo de graça que o Senhor vos concede para aprofundar a formação, não apenas a nível intelectual e académico, e para experimentar a riqueza e diversidade da Igreja universal. Talvez seja o aspeto mais bonito, não é verdade? Esta riqueza e diversidade! Esta riqueza e diversidade caraterizam também os vossos povos da América Latina, para onde voltareis, a fim de continuar a ser Pastores do rebanho que a Igreja vos confiar. Pastores do povo, não clérigos de Estado, entendido? Isto é um pouco o que a vocação vos dá.
Até os primeiros cristãos vinham de diferentes povos e culturas. E foi o Espírito Santo que desceu sobre eles, para que tivessem «um só coração e uma só alma» (At 4, 32), que falassem a mesma língua — a língua do amor — e que fossem discípulos e missionários de Jesus até aos confins da terra (cf. Mt 28, 19). Pensando no Apóstolo André, cuja festa celebraremos na quarta-feira, gostaria de meditar sobre estes dois termos: discípulos e missionários.
No Evangelho de João, vemos que André foi um dos primeiros discípulos de Jesus. Perante a sua ansiedade de saber quem era o Mestre, e o seu convite: «Vinde ver!» (Jo 1, 39), foi, viu onde vivia e nesse dia permaneceu com Ele. E foi aí que mudou radicalmente a sua vida. Por isso, queridos irmãos, renovemos sempre, far-nos-á bem, renovemos este encontro com o Senhor todos os dias, partilhemos a sua Palavra, permaneçamos em silêncio diante d’Ele, para ver o que nos diz, o que faz, como ouve, como fica em silêncio, como ama. Deixemos que seja o “Verbo” na nossa vida e, permiti-me a imagem, deixemo-lo “conjugar-se” em nós e através de nós; que seja o Senhor. Não o impeçamos de agir no nosso ministério em primeira Pessoa. Que Jesus tenha voz ativa em cada uma das nossas decisões! Somos seus ministros, pertencemos a Ele e Ele chamou-nos para “permanecer com Ele”. Isto significa ser discípulo.
O encontro de André com Jesus não o deixou tranquilo e de braços cruzados, mas transformou-o, já não era o mesmo de antes e não podia deixar de anunciar o que tinha vivido. E o primeiro que encontrou para lho dizer foi o seu próprio irmão, Simão Pedro: «Encontramos o Messias» (Jo 1, 41), e levou-o para onde Jesus estava. Mas desta forma “exercitou-se” como missionário. E também nós somos esperados pelos nossos irmãos e irmãs, especialmente por aqueles que ainda não experimentaram o amor e a misericórdia do Senhor, a fim de que lhes anunciemos a Boa Nova de Jesus e os conduzamos a Ele. Sair, mover-se, levar a alegria do Evangelho. Isto significa ser missionário.
No seu Evangelho, Marcos resume a chamada de Jesus a ser discípulos e missionários. No capítulo 3 lemos que chamou os apóstolos para «permanecer com Ele e também para os enviar a pregar» (v. 14). Permanecer com Jesus e sair para o anunciar. Dois verbos: “permanecer” e “sair”. Eis o sentido da nossa vida! Trata-se de um caminho de “ida e volta”, que tem Jesus como ponto de partida e de chegada. Não esqueçamos que “permanecer” com Jesus e “sair” para o anunciar é também permanecer com os pobres, os migrantes, os doentes, os prisioneiros, os mais pequeninos, os mais esquecidos da sociedade e partilhar a vida com eles para lhes anunciar o amor incondicional de Deus. Porque Jesus está presente naqueles irmãos e irmãs mais vulneráveis, é ali que Ele nos espera de modo especial (cf. Mt 25, 34-40).
E não vos esqueçais de ir ter com Ele, todas as noites depois de um longo dia, mas atenção, com Ele, não com o ecrã de um telemóvel. Entristece-me muito quando vejo que um sacerdote bom e trabalhador se cansa e se esquece de passar diante do Tabernáculo, e vai dormir porque está cansado. Tem razão, deve dormir, mas primeiro cumprimenta-o! Não sejas mal-educado! E quantas vezes vos refugiais no ecrã de um telemóvel? O ecrã do telemóvel enche-nos de estímulos. Por favor, não vos vicieis neste mundo de fuga. Não vos vicieis! São vários passos que lentamente vos tiram a força. Viciai-vos no encontro com Jesus, pois Ele sabe do que precisamos e tem uma palavra a dizer-nos em todas as ocasiões.
Há uma coisa que eu disse antes de passagem, ou seja, que voltais para ser Pastores do Povo de Deus. Por favor, nunca negocieis a pastoralidade! Pastores do Povo de Deus, não clérigos de Estado. Não caiais no clericalismo, que é uma das piores perversões. Tomai muito cuidado, o clericalismo é uma forma de mundanidade espiritual. O clericalismo é deformador, é corrupto e leva-te a uma corrupção, a uma corrupção “engomada” com o nariz para cima, que te separa do povo, fazendo-te esquecer o povo do qual saíste. Timóteo disse-o, perdão... Paulo disse-o a Timóteo: lembra-te da tua mãe e da tua avó, ou seja, volta às raízes, não te esqueças da tua mãe e da tua avó. Digo-o a cada um de vós. Voltai para o rebanho de onde vos tiraram: “Tirei-te do fim do rebanho”.
Por favor, cada vez que vos tornardes mais “requintados”, no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, mais distantes do povo, cada vez que fizerdes isto, afastais-vos da graça de Deus e caís no flagelo do clericalismo. Pastores do povo, não clérigos de Estado. Pedi a graça de saber estar sempre à frente, no meio e atrás do povo, imersos no povo do qual Jesus vos tirou.
E peçamos a Nossa Senhora de Guadalupe que nos ajude no caminho do “discipulado-apostolado”, que gradualmente nos configura com o seu Filho, que nos acompanhe ao longo deste percurso vital de “ida e volta”, que parte de Jesus rumo aos nossos irmãos, para voltarmos com os irmãos ao encontro de Jesus. Supliquemos ao Apóstolo Santo André que interceda por nós!
E, mais uma vez, obrigado por esta visita. Desejo-vos um bom caminho romano, aproveitai todas as coisas boas que puderdes encontrar em Roma, as outras não, deixai-as em Roma, que se encarregarão delas aqui e, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!