Chamados a ser homens
Ser homens e mulheres capazes de ouvir, pediu o Papa Francisco através de uma mensagem aos participantes no Fórum internacional da Ação católica (Fiac), realizado em Roma e online de 26 a 27 de novembro, sobre o tema «Durante o Sínodo — num mundo ferido — com todos e por todos».
Prezados irmãos do Fiac!
Depois da eleição das novas autoridades do Fórum Internacional da Ação Católica, felicito quantos aceitaram o compromisso de assumir a direção para o próximo período, que segue o caminho iniciado há mais de trinta anos. Naquela altura, o Venerável Cardeal Eduardo Pironio intuiu a necessidade de criar este fórum, a fim de que a vida da Ação Católica contribuísse para o desafio da nova evangelização, enriquecida com a peculiaridade de cada lugar e cultura. Muitos de vós acompanharam firmemente aquela intuição, dedicando a este serviço as vossas capacidades e o desejo de anunciar o Evangelho, não obstante as dificuldades daquela época, pois não havia os meios de comunicação e aproximação entre os países que existem hoje.
Certamente, o contexto mundial que acompanha a nova etapa não é o mesmo de há trinta anos, nem o é o da direção anterior. As consequências sociais da pandemia, bem como as pessoais, continuam a marcar o ânimo e o olhar face à vida e ao futuro de muitos. Em certos âmbitos, reavivou-se o individualismo de uma salvação sob medida; sem mencionar o flagelo da violência entre países e irmãos, que mina o desejo de fraternidade universal. Contudo, as épocas difíceis podem representar um desafio e tornar-se tempos de esperança. Como dizia o Cardeal Pironio, homem de esperança: «Como é importante ser sinal na vida! Mas não um sinal vazio nem morto, mas um sinal de luz, comunicador de esperança. A esperança é capaz de superar as dificuldades, as desavenças, as cruzes que surgem na vida de todos os dias».
Ao mesmo tempo, como Igreja passamos por um momento em que é preciso que o espírito sinodal crie raízes no nosso modo de ser Igreja; isto significa o exercício de caminhar juntos na mesma direção. Estou convencido de que é isto que Deus espera da Igreja do terceiro milénio. Para que retome consciência de que é um povo a caminho e que o deve fazer unido. Por isso, gostaria de vos pedir que animeis com este espírito os grupos da Ação católica nas várias Igrejas locais. Num espírito sinodal, devemos aprender a ouvir-nos uns aos outros, a reaprender a arte de falar com o próximo sem barreiras nem preconceitos, também e de modo especial com quem está fora, nas margens, a procurar a proximidade, que é o estilo de Deus (cf. Vídeo do Papa para uma Igreja aberta a todos, outubro de 2022).
Nesta ótica, exorto a nova diretoria a ser homens e mulheres de escuta. Espero que não sejam “executivos” de escrivaninha, de papéis e de Zoom, e que não caiam na tentação do estruturalismo institucional que programa e organiza a partir de estatutos, regulamentos e propostas herdadas, que a seu tempo eram boas e úteis, mas talvez hoje já não tenham significado. Por favor, peço-vos que escuteis!
Primeiro: escutai os homens, mulheres, idosos, jovens e crianças reais, nas suas realidades, nos seus gritos silenciosos expressos nos seus olhares e nos seus gemidos profundos. Prestai atenção de modo a não dar respostas a perguntas que ninguém faz, a não dizer palavras que não interessam a ninguém, nem são úteis. Escutai com os ouvidos abertos à novidade e com um coração samaritano.
Segundo: escutai o ritmo dos sinais dos tempos, a Igreja não pode permanecer à margem da história, enredada nas próprias vicissitudes, mantendo insuflada a sua bolha. A Igreja é chamada a ouvir e a ver os sinais dos tempos, a fazer da história, com as suas complexidades e contradições, uma história de salvação. Precisamos de uma Igreja que seja vitalmente profética, começando pelos sinais e gestos, que mostrem que existe outra possibilidade de convivência, de relações humanas, de trabalho, de amor, de poder e de serviço.
E por último, para que isto seja possível, devemos ouvir a voz do Espírito. Em qualquer época, o Espírito abre-nos à sua novidade; «ensina sempre à Igreja a necessidade vital de sair, a necessidade fisiológica de anunciar, de não permanecer fechada em si mesma» (Homilia do Domingo de Pentecostes, 5 de junho de 2022). Enquanto o espírito mundano nos impele a concentrar-nos somente nos nossos próprios problemas e interesses, na necessidade de ser importantes, na defesa tenaz dos nossos bens e do grupo, o Espírito liberta-nos da obsessão pelas urgências, convidando-nos a trilhar caminhos antigos e sempre novos: do testemunho, da pobreza e da missão, para nos libertar de nós mesmos, enviando-nos para o mundo.
Talvez sintais que a proposta de ouvir é insuficiente, mas não se ouve passivamente: é a escuta ativa que dá ritmo ao nosso trabalho; é a inalação necessária para ser uma Igreja que respira de modo missionário. Foi o que a Santíssima Virgem fez, pois ouviu, levantou-se e saiu para ir servir.
Rezo para que possais fazer deste período um tempo de graça, com a audácia de saber ouvir, a serenidade de poder discernir e a coragem para anunciar com a vida e a partir da vida. Obrigado por aceitardes este desafio! Rezo a Deus por cada um de vós. Por favor, não deixeis de rezar por mim!
Que Jesus vos abençoe e a Santíssima Virgem vos proteja!
Fraternalmente,
Francisco
Cidade do Vaticano
27 de novembro de 2022