Cada mulher vítima
Um apelo a fim de que cada mulher vítima de violência seja acompanhada e protegida pelo Estado e «possa obter rapidamente justiça» foi feito pelo Papa Francisco durante a audiência aos membros da Direção central anticrime da Polícia de Estado italiana, recebidos a 26 de novembro, na Sala Clementina.
Ilustres Senhoras e Senhores
bom dia e bem-vindos!
Agradeço ao Senhor Chefe da Polícia as palavras introdutórias — muito obrigado, foram incisivas — e saúdo todos vós, que formais a Direção Central Anticrime. Sinto-me feliz por me encontrar convosco precisamente na manhã seguinte ao Dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres, promovido pelas Nações Unidas. O tema deste ano é um apelo a unir-se na luta para libertar as mulheres e as meninas das diversas formas de violência, que infelizmente é permanente, difundida e transversal em relação ao corpo social.
Gostaria de vos agradecer, quer pelo trabalho que realizais com empenho profissional e humano, quer porque, ao pedir para vos encontrardes comigo nesta ocasião, chamais a atenção de todos para a exigência de unir forças para este objetivo de dignidade e de civilização.
Antes de mais, obrigado pelo serviço que prestais à sociedade italiana todos os dias. Infelizmente, os jornais trazem-nos continuamente notícias de violência contra mulheres e meninas. E sois um ponto de referência institucional para contrastar esta dolorosa realidade. Há muitas mulheres entre vós, e este é um grande recurso: mulheres que ajudam outras mulheres, que podem compreendê-las melhor, escutá-las, apoiá-las. Imagino como deve ser difícil para vós, como mulheres, suportar interiormente o fardo das situações que encontrais, e que vos concernem no plano humano. Penso quão valiosa é para este trabalho uma específica preparação psicológica. E, permito-me acrescentar, também espiritual, porque só a um nível profundo se pode encontrar e acalentar uma serenidade e calma que permitam transmitir confiança a quem é presa de violências brutais. Aquela força interior que Jesus Cristo nos mostra na sua Paixão, e que comunicou a tantas mulheres cristãs, algumas das quais veneramos como mártires: de Águeda e Lúcia a Maria Goretti e à irmã Maria Laura Mainetti.
A propósito da vossa responsabilidade institucional, devo abordar outro aspeto importante. Infelizmente, as mulheres com muita frequência não só se encontram sozinhas a enfrentar certas situações de violência, mas depois, quando o caso é denunciado, não obtêm justiça, ou os tempos da justiça são demasiado longos, intermináveis. Sobre isto é necessário vigiar e melhorar, sem cair no justicialismo. O Estado deve garantir que o caso seja acompanhado em todas as fases e que a vítima possa obter rapidamente justiça. É também necessário assegurar que as mulheres sejam “postas a salvo”, ou seja, é preciso fazer de modo que elas estejam em segurança contra as atuais ameaças e também as reincidências, que infelizmente são frequentes inclusive após uma eventual pena.
Caros amigos, como vos dizia, estou-vos grato porque o nosso encontro chama a atenção para o Dia Internacional deste ano, que nos convoca a unirmo-nos para combater juntos todas as formas de violência contra as mulheres. De facto, para vencer esta batalha, não é suficiente um organismo especializado, por mais eficiente que seja; não bastam a obra de contraste e as necessárias ações repressivas. É preciso unir-se, colaborar, trabalhar em rede: e não apenas uma rede defensiva, mas sobretudo uma rede preventiva! Isto é sempre decisivo quando se procura eliminar um flagelo social que também está ligado a atitudes culturais, mentalidades e preconceitos enraizados.
Por conseguinte, vós, com a vossa presença, que por vezes pode tornar-se um testemunho, agis também como estímulo no corpo social: um estímulo a reagir, a não se resignar, a agir. Trata-se de uma ação — dizíamos — antes de tudo de prevenção. Pensemos nas famílias. Vimos que a pandemia, com o isolamento forçado, infelizmente exasperou certas dinâmicas dentro das paredes domésticas. Exasperou-as, não as criou: de facto, trata-se de tensões frequentemente latentes, que se podem resolver preventivamente a nível educativo. Esta, diria, é a palavra-chave: educação. E aqui a família não pode ser deixada sozinha. Se a maioria dos efeitos da crise económica e social recaem sobre as famílias, e se estas não forem adequadamente apoiadas, não podemos surpreender-nos que, no ambiente doméstico, fechado, com tantos problemas, certas tensões explodam. E neste ponto a prevenção é necessária.
Outro aspeto decisivo: se nos meios de comunicação social são constantemente propostas mensagens que alimentam uma cultura hedonista e consumista, onde os modelos, tanto masculinos como femininos, obedecem a critérios de sucesso, autoafirmação, competição, poder de atrair outros e dominá-los, também aqui, depois não podemos, hipocritamente, rasgar as vestes diante de certos factos de crónica.
Este tipo de condicionamento cultural é contrastado por uma ação educativa que coloque a pessoa, com a sua dignidade, no centro. Vem-me à mente uma Santa dos nossos tempos: Santa Josefina Bakhita. Sabeis que a ela é intitulada a obra eclesial que trabalha ao lado das mulheres vítimas do tráfico de pessoas. A irmã Josefina Bakhita sofreu violências brutais na sua infância e juventude; redimiu-se totalmente aceitando o Evangelho do amor de Deus e tornou-se testemunha do seu poder libertador e curativo. Mas ela não é a única: há muitas mulheres, algumas são “santas da porta ao lado”, que foram curadas pela misericórdia, pela ternura de Cristo, e com a sua vida testemunham que não nos devemos resignar, que o amor, a proximidade, a solidariedade das irmãs e dos irmãos podem salvar da escravidão. Por isso digo: às jovens e aos jovens de hoje, proponhamos estes testemunhos. Nas escolas, nos grupos desportivos, nos oratórios, nas associações, apresentemos histórias verdadeiras de libertação e cura, histórias de mulheres que saíram do túnel da violência e podem ajudar a abrir os olhos para as armadilhas, as insídias, os perigos escondidos atrás de falsos modelos de sucesso.
Prezados amigos, acompanho o meu duplo “obrigado” com a oração por vós e pelo vosso trabalho. Que a Virgem Maria e Santa Bakhita intercedam por vós. De coração, vos abençoo a todos e às vossas famílias. E peço-vos por favor que rezeis por mim. Obrigado.