A paz é responsabilidade
«A paz é responsabilidade de todos e de cada um», reiterou o Pontífice no discurso preparado e entregue aos participantes na assembleia da União dos superiores-gerais, recebidos em audiência na manhã de 26 de novembro, na sala do Sínodo.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!
Tenho o prazer de dar as boas-vindas a todos vós, membros da União dos Superiores-gerais, com o Arcebispo Secretário do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Agradeço ao Padre Arturo Sosa as palavras de cortesia.
Na vossa Assembleia, com base na Encíclica Fratelli tutti, abordastes o tema Chamados a ser artífices de paz. Trata-se de um apelo urgente que diz respeito a todos, especialmente às pessoas consagradas: ser artífices de paz, daquela paz que o Senhor nos concedeu e que nos faz sentir todos irmãos: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá» (Jo 14, 27).
Qual é a paz que Jesus nos dá, e no que se diferencia da paz que o mundo dá? Nestes tempos, ouvindo a palavra “paz”, pensamos sobretudo numa situação de não-guerra ou de fim-de-guerra, num estado de tranquilidade e de bem-estar. Isto — sabemo-lo — não corresponde plenamente ao significado da palavra hebraica shalom que, no contexto bíblico, tem um significado mais rico.
A paz de Jesus é antes de mais o seu dom, fruto da caridade, nunca é uma conquista do homem; e, a partir deste dom, é o conjunto harmonioso das relações com Deus, consigo próprio, com os outros e com a criação. A paz é também a experiência da misericórdia, do perdão e da benevolência de Deus que, por sua vez, nos torna capazes de exercer misericórdia e perdão, rejeitando todas as formas de violência e de opressão. Eis por que a paz de Deus como dádiva é inseparável do ser construtor e testemunha de paz; como diz Fratelli tutti, «artífices de paz dispostos a iniciar processos de cura e de encontro renovado, com engenhosidade e audácia» (n. 225).
Como São Paulo nos recorda, Jesus derrubou o muro de separação da inimizade entre os homens, reconciliando-os com Deus (cf. Ef 2, 14-16). Esta reconciliação define as modalidades de ser «pacificador» (Mt 5, 9), porque ela — como dizíamos — não é simplesmente ausência de guerra, nem sequer um equilíbrio entre forças adversárias (cf. Gaudium et spes, 78). Pelo contrário, funda-se no reconhecimento da dignidade da pessoa humana e exige uma ordem para a qual concorrem inseparavelmente a justiça, a misericórdia e a verdade (cf. Fratelli tutti, 227).
Portanto, “fazer a paz” é um trabalho artesanal, a realizar com paixão, paciência, experiência, tenacidade, pois é um processo que perdura ao longo do tempo (cf. ibid., 226). A paz não é um produto industrial, mas uma obra artesanal. Não se realiza mecanicamente, mas precisa da sábia intervenção do homem. Não se edifica em série, apenas com o desenvolvimento tecnológico, mas requer o desenvolvimento humano. Por isso, os processos de paz não se podem delegar aos diplomatas nem aos militares: a paz é da responsabilidade de todos e de cada um.
«Bem-aventurados os pacificadores» (Mt 5, 9). Bem-aventurados seremos nós, consagrados, se nos esforçarmos por semear a paz com as nossas ações diárias, com atitudes e gestos de serviço, de fraternidade, de diálogo e de misericórdia; e se na oração invocarmos incessantemente o dom da paz de Jesus Cristo «nossa paz» (Ef 2, 14). Assim, a vida consagrada pode tornar-se uma profecia deste dom, se os consagrados aprenderem a ser seus artífices, começando pelas próprias comunidades, construindo pontes e não muros dentro da comunidade e fora dela. Quando cada um contribui, cumprindo o próprio dever com caridade, há paz na comunidade. O mundo precisa de nós, consagrados, também como artesãos de paz!
Irmãos e irmãs, esta reflexão sobre a paz, leva-me a considerar outro aspeto caraterístico da vida consagrada: a sinodalidade, este processo no qual todos somos chamados a entrar como membros do santo povo de Deus. Além disso, como consagrados, somos especialmente chamados a participar nela, uma vez que a vida consagrada é por sua natureza sinodal. Ela dispõe também de muitas estruturas que podem fomentar a sinodalidade: penso nos capítulos — gerais, provinciais ou regionais e locais — nas visitas fraternas e canónicas, assembleias, comissões e outras estruturas próprias de cada instituto.
Agradeço a quantos ofereceram e continuam a oferecer a sua contribuição para este percurso, nos vários níveis e nos diferentes âmbitos de participação. Obrigado por fazerdes ouvir a vossa voz de consagrados. Mas, como bem sabemos, não basta dispor de estruturas sinodais: é necessário “revisitá-las”, perguntando-nos sobretudo: como são estas estruturas preparadas e utilizadas?
Neste contexto, é preciso ver e talvez rever também o modo de exercer o serviço da autoridade. Com efeito, é necessário vigiar sobre o perigo de que ele possa degenerar em formas autoritárias, às vezes despóticas, com abusos de consciência ou espirituais que são também terreno fértil para os abusos sexuais, porque se deixa de respeitar a pessoa e os seus direitos. Além disso, há ainda o risco de que a autoridade seja exercida como privilégio, para quem a detém ou para quem a defende, portanto também como forma de cumplicidade entre as partes, a fim de que cada um faça o que quiser, favorecendo assim paradoxalmente uma espécie de anarquia, que causa tantos danos à comunidade.
Desejo que o serviço da autoridade seja exercido sempre em estilo sinodal, respeitando o direito próprio e as mediações que ele prevê, para evitar o autoritarismo, os privilégios e o “deixar que se faça”; favorecendo um clima de escuta, de respeito pelo próximo, de diálogo, participação e partilha. Com o seu testemunho, os consagrados podem oferecer muito à Igreja neste processo de sinodalidade que vivemos. Contanto que vós sejais os primeiros a vivê-la: a caminhar juntos, a ouvir uns aos outros, a valorizar a variedade dos dons, a ser comunidades acolhedoras.
Nesta perspetiva inserem-se também os caminhos de avaliação da idoneidade e atitude, para que se possa realizar da melhor maneira possível uma renovação geracional na chefia dos institutos. Sem improvisações. Com efeito, a compreensão dos problemas atuais, frequentemente inéditos e complexos, exige uma formação adequada, caso contrário não se sabe bem para onde ir e “navega-se à vista”. Além disso, uma reorganização ou reconfiguração do instituto deve ser feita sempre em vista da salvaguarda da comunhão, para não reduzir tudo a fusões de circunscrições, que depois podem ser dificilmente administráveis ou motivo de conflitos. A tal respeito, é importante que os superiores procurem evitar que algumas pessoas não estejam bem ocupadas, porque isto não só prejudica os sujeitos, mas também gera tensões no seio da comunidade.
Caros irmãos e irmãs, obrigado por este encontro! Faço votos de que continueis o vosso serviço com serenidade e fecundidade, e que sejais artífices de paz. Que Nossa Senhora vos acompanhe. Abençoo todos vós de coração. E peço-vos, por favor, que oreis por mim!