A oração não é fuga
«A oração não é fuga das nossas tarefas, pelo contrário, é ajuda para realizar o bem que somos chamados a praticar, aqui e agora», frisou o Papa na audiência geral de quarta-feira, 30 de novembro, na praça de São Pedro. Continuando o ciclo de catequeses sobre o discernimento, o Pontífice insistiu sobre o tema da “verdadeira consolação”.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia!
Continuando a nossa reflexão sobre o discernimento, e em particular sobre a experiência espiritual chamada “consolação”, sobre a qual falámos na outra quarta-feira, perguntemo-nos: como reconhecer a verdadeira consolação? É uma pergunta muito importante para um bom discernimento, para não sermos enganados na busca do nosso verdadeiro bem.
Podemos encontrar alguns critérios num trecho dos Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola. «Se nos pensamentos tudo é bom — diz Santo Inácio — o princípio, o meio e o fim, e se tudo está orientado para o bem, este é um sinal do anjo bom. Por outro lado, pode ser que no decurso dos pensamentos se apresente algo mau, ou que distraia, ou menos bom do que aquilo que antes a alma se propusera fazer, ou algo que debilite a alma, que a torne inquieta, que a ponha em agitação e lhe tire a paz, lhe tira a tranquilidade e a calma que antes tinha: então, este é um sinal claro de que tais pensamentos vêm do espírito maligno» (n. 333). Pois é verdade: há uma verdadeira consolação, mas também há algumas consolações que não são verdadeiras. E por isso é preciso compreender bem o percurso da consolação: como vai e onde me leva? Se me levar a algo que não está bem, que não é bom, a consolação não é verdadeira, é “fingida”, digamos assim.
E estas são indicações preciosas, que merecem um breve comentário. O que significa que o princípio está orientado para o bem, como diz Santo Inácio de uma boa consolação? Por exemplo, tenho o pensamento de rezar, e observo que se acompanha ao afeto pelo Senhor e pelo próximo, convida a realizar gestos de generosidade, de caridade: é um bom princípio. No entanto, pode acontecer que aquele pensamento surja para evitar um trabalho ou uma tarefa que me foi confiada: sempre que devo lavar a louça ou limpar a casa, vem-me uma grande vontade de começar a rezar! Acontece isto nos conventos. Mas a oração não é uma fuga dos nossos afazeres; pelo contrário, é uma ajuda para realizar o bem que somos chamados a praticar, aqui e agora. Isto a propósito do princípio.
Em seguida há o meio: Santo Inácio dizia que o princípio, o meio e o fim devem ser bons. O princípio é este: tenho vontade de rezar para não lavar os pratos: vai, lava os pratos e depois vai rezar. Depois há o meio, ou seja, o que vem depois, o que se segue a tal pensamento. Permanecendo no exemplo anterior, se eu começar a rezar e, como faz o fariseu da parábola (cf. Lc 18, 9-14), tendo a agradar a mim mesmo e a desprezar os outros, talvez com um ânimo ressentido e azedo, então estes são sinais de que o espírito maligno utilizou aquele pensamento como chave de acesso para entrar no meu coração e para me transmitir os seus sentimentos. Se eu for rezar e me vier à mente o famoso fariseu — “dou-te graças, Senhor, porque eu rezo, não sou como os outros que não te procuram, não rezam” — aquela oração acaba mal. Aquela consolação de rezar é para se sentir um pavão diante de Deus. E este é o meio que não está bem.
E depois há o fim: o princípio, o meio e o fim. O fim é um aspeto que já encontramos, ou seja: para onde me leva um pensamento? Por exemplo, onde me leva o pensamento de rezar. Ou então, pode acontecer que eu trabalhe arduamente por uma obra boa e meritória, mas isto impele-me a deixar de rezar, porque estou atarefado com muitas coisas, descubro-me cada vez mais agressivo e zangado, considero que tudo depende de mim, a ponto de perder a confiança em Deus. Evidentemente, aqui há a ação do espírito maligno. Ponho-me a rezar, depois na oração sinto-me omnipotente, que tudo deve estar nas minhas mãos pois sou o único, a única que sabe levar em frente as situações: evidentemente nisto não há o bom espírito. É preciso examinar bem o percurso dos nossos sentimentos e o percurso dos bons sentimentos, da consolação, no momento em que quero fazer alguma coisa. Como é o princípio, como é o meio e como é o fim.
O estilo do inimigo — quando falamos do inimigo, falamos do diabo, pois o demónio existe, está presente! — o seu estilo, sabemo-lo, consiste em apresentar-se de maneira sorrateira e disfarçada: começa a partir daquilo que nos é mais querido e depois, pouco a pouco, atrai-nos a si: o mal entra secretamente, sem que a pessoa se aperceba. E, com o passar do tempo, a suavidade torna-se dureza: aquele pensamento revela-se pelo que realmente é.
Eis a importância deste paciente, mas indispensável exame sobre a origem e a verdade dos próprios pensamentos; é um convite a aprender com as experiências, com o que nos acontece, para não continuar a repetir os mesmos erros. Quanto mais nos conhecemos, mais sentimos por onde entra o espírito maligno, as suas “passwords”, as portas de entrada do nosso coração, que são os pontos onde somos mais sensíveis, de modo a prestar-lhes atenção no futuro. Cada um de nós tem os pontos mais sensíveis, os pontos mais débeis da própria personalidade: e por ali entra o espírito mau e leva-nos para a estrada não reta, ou tira-nos da verdadeira estrada certa. Vou rezar, mas tira-me da oração.
Os exemplos poderiam multiplicar-se à vontade, refletindo sobre os nossos dias. Por isso é tão importante o exame de consciência diário: antes de acabar o dia, paremos um pouco. O que aconteceu? Não nos jornais, não na vida: o que aconteceu no meu coração? O meu coração prestou atenção? Cresceu? Foi uma estrada que passou por cima tudo, sem o meu conhecimento? O que aconteceu no meu coração? E este exame é importante, trata-se do precioso esforço de reler a experiência sob um ponto de vista particular. É importante compreender o que acontece, é sinal de que a graça de Deus age em nós, ajudando-nos a crescer em liberdade e consciência. Não estamos sozinhos: é o Espírito Santo que está connosco. Vejamos como correram as coisas.
A consolação autêntica é uma espécie de confirmação de que estamos a cumprir o que Deus quer de nós, que percorremos os seus caminhos, ou seja, as veredas da vida, da alegria, da paz. Com efeito, o discernimento não é simplesmente sobre o bem, nem sobre o máximo bem possível, mas sobre o que é um bem para mim aqui e agora: é nisto que sou chamado a crescer, colocando limites a outras propostas, atraentes, mas irreais, para não ser enganado na busca do verdadeiro bem.
Irmãos e irmãs, é preciso entender, ir em frente na compreensão do que acontece no meu coração. E por isso é necessário o exame de consciência, para ver o que aconteceu hoje. “Hoje zanguei-me ali, não fiz aquilo…”: mas porquê? Ir além do porquê é procurar a raiz destes erros. “Mas, hoje fui feliz, porém estava aborrecido porque devia ajudar aquelas pessoas, mas no final senti-me satisfeito, satisfeita com aquela ajuda”: e há o Espírito Santo. Aprender a ler no livro do nosso coração o que aconteceu durante o dia. Fazei isto, apenas dois minutos, far-vos-á bem, vo-lo garanto!