«Uma experiência de alegria interior, que permite ver a presença de Deus em tudo; ela revigora a fé e a esperança, assim como a capacidade de praticar o bem»: eis a «consolação espiritual», sobre a qual o Papa Francisco falou na audiência geral de quarta-feira, 23 de novembro na praça de São Pedro, prosseguindo as suas catequeses dedicadas ao discernimento.
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Continuemos as catequeses sobre o discernimento do espírito: como discernir o que acontece no nosso coração, na nossa alma. E depois de ter considerado alguns aspetos da desolação — aquela escuridão da alma — falemos hoje sobre a consolação, que seria a luz da alma, e que é outro elemento importante para o discernimento, e que não se deve dar por certo, pois pode prestar-se a equívocos. Devemos compreender o que é a consolação, como procurámos entender bem o que é a desolação.
O que é a consolação espiritual? É uma experiência de alegria interior, que permite ver a presença de Deus em tudo; ela revigora a fé e a esperança, assim como a capacidade de fazer o bem. A pessoa que vive a consolação não se rende diante das dificuldades, pois experimenta uma paz mais forte do que a provação. Portanto, trata-se de um grande dom para a vida espiritual e para a vida no seu conjunto. E viver esta alegria interior.
A consolação é um movimento íntimo, que toca o fundo de nós próprios. Não é vistosa, mas suave, delicada, como uma gota de água sobre uma esponja (cf. Santo Inácio de Loyola , Exercícios espirituais, 335): a pessoa sente-se abraçada pela presença de Deus, de uma maneira sempre respeitosa da própria liberdade. Nunca é algo desafinado, que procura forçar a nossa vontade, mas também não é uma euforia passageira: pelo contrário, como vimos, até a dor — por exemplo, por causa dos próprios pecados — pode tornar-se motivo de consolação.
Pensemos na experiência de Santo Agostinho, quando fala com a mãe Mónica sobre a beleza da vida eterna; ou na perfeita alegria de São Francisco — de resto associada a situações muito difíceis de suportar; e pensemos em tantos santos e santas que souberam fazer maravilhas, não porque se julgavam hábeis e capazes, mas porque foram conquistados pela docilidade pacificadora do amor de Deus. Trata-se da paz, que Santo Inácio sentia em si com admiração quando lia a vida dos santos. Ser consolado é estar em paz com Deus, sentir que tudo está arrumado em paz, tudo é harmónico dentro de nós. Trata-se da paz que Edith Stein experimenta após a conversão; um ano depois de ter recebido o Batismo, escreve — assim diz Edith Stein: «Na medida em que me abandono a este sentimento, pouco a pouco uma nova vida começa a preencher-me e — sem tensão alguma da minha vontade — a impelir-me rumo a novas realizações. Este fluxo vital parece brotar de uma atividade e de uma força que não são minhas e que, sem fazer qualquer violência às minhas, se tornam ativas em mim» (Psicologia e scienze dello spirito, Città Nuova, 1996, 116). Ou seja, uma paz genuína, uma paz que faz brotar os bons sentimentos em nós.
A consolação refere-se, acima de tudo, à esperança, propende para o futuro, põe a caminho, permite tomar iniciativas até àquele momento adiadas, ou nem sequer imaginadas, como o Batismo para Edith Stein.
A consolação é uma paz deste como esta mas não para permanecer sentados ali, gozando-a, não; ela dá-te a paz e atrai-te para o Senhor e põe-te a caminho para realizar, fazer coisas boas. Em tempo de consolação, quando estamos consolados, vem-nos vontade de praticar tanto bem, sempre. Ao contrário, quando há um momento de desolação, vem-nos vontade de nos fecharmos em nós mesmos e de não fazer nada. A consolação impele-nos para a frente, para o serviço aos outros, da sociedade, das pessoas. A consolação espiritual não é “pilotável” — não podes dizer agora que venha a consolação, não, não é pilotável — não é programável a bel-prazer, é uma dádiva do Espírito Santo: permite uma familiaridade com Deus, que parece anular as distâncias. Santa Teresa do Menino Jesus, visitando com 14 anos a basílica de Santa Cruz de Jerusalém, em Roma, procura tocar o prego ali venerado, um daqueles com que Jesus foi crucificado. Teresa sente esta sua ousadia como um transporte de amor e de confidência. E em seguida escreve: «Fui verdadeiramente demasiado audaz. Mas o Senhor vê o fundo do coração, sabe que a minha intenção era pura [...]. Agi com Ele como uma criança, que acredita que tudo lhe é permitido, e considera os tesouros do Pai como seus» (Manuscrito autobiográfico, 183). A consolação é espontânea, leva-te a fazer tudo espontaneamente, como se fôssemos crianças. As crianças são espontâneas, e a consolação leva-te a ser espontâneo com uma doçura, com uma paz muito grande. Uma jovem de 14 anos oferece-nos uma maravilhosa descrição da consolação espiritual: temos uma sensação de ternura em relação a Deus, que nos torna audazes no desejo de participar na sua própria vida, de fazer o que lhe agrada, porque nos familiares d’Ele, sentimos que a sua casa é a nossa, sentimo-nos acolhidos, amados, restabelecidos. Com esta consolação, não nos rendemos diante das dificuldades: com efeito, com a mesma audácia, Teresa pedirá ao Papa a autorização para entrar no Carmelo, não obstante fosse demasiado jovem, e será atendida. O que significa isto? Quer dizer que a consolação nos torna audazes: quando vivemos tempos obscuros, de desolação, e pensamos: “Não sou capaz de fazer isto”. A desolação põe-te abaixo, faz-te ver tudo escuro: “Não, não posso fazer, não o farei”. Ao contrário, em tempo de consolação, vês as mesmas coisas de maneira diferente e dizes: “Não, vou em frente, consigo”. “mas, tens a certeza”. “Sinto a força de Deus e vou em frente”. E assim a consolação impele-te a ir em frente e a fazer coisas que em tempo de desolação não serias capaz; impele-te a dar o primeiro passo. Este é o aspeto bonito da consolação.
Mas, estejamos atentos. Devemos distinguir bem a consolação que vem de Deus das falsas consolações. Na vida espiritual ocorre algo semelhante ao que acontece nas produções humanas: há originais e há imitações. Se a consolação autêntica for como uma gota sobre uma esponja, será suave e íntima; as suas imitações serão mais barulhentas e vistosas, são mero entusiasmo, são fogos de palha, sem consistência, levam a fechar-se em si mesmas, e a não se preocupar com os outros. No final, a falsa consolação deixa-nos vazios, distantes do centro da nossa existência. Por isso, quando nos sentimos felizes, em paz, somos capazes de fazer qualquer coisa. Mas não confundamos aquela paz com um entusiasmo passageiro, pois há o entusiasmo hoje, depois diminui e deixa de haver.
Por isso, é necessário fazer discernimento, até quando nos sentimos consolados. Pois a falsa consolação pode tornar-se um perigo, se a procurarmos como um fim em si mesma, de modo obsessivo, e esquecermos o Senhor. Como diria São Bernardo, procuram-se as consolações de Deus, não se procura o Deus das consolações. Devemos procurar o Senhor e, com a sua presença, o Senhor consola-nos, faz-nos ir em frente. E não procurar Deus que nos traga consolações: não; não está bem, não devemos estar interessados nisto. É a dinâmica da criança de que falamos na última vez, que só procura os pais para obter algo deles, mas não por eles próprios: vão por interesse. “Pai, mãe”. E as crianças sabem fazer isto, sabem jogar e quando a família é dividida, e têm este hábito de procurar aqui e ali, isto não faz bem, não é consolação, é interesse. Também nós corremos o risco de viver a relação com Deus de maneira infantil, procurando o nosso interesse, procurando reduzir Deus a um objeto para nosso uso e consumo, perdendo o dom mais belo, que é Ele próprio. Assim, vamos em frente na nossa vida, que procede entre as consolações de Deus e as desolações do pecado do mundo, mas sabendo distinguir quando é uma consolação de Deus, que te dá paz até ao fundo da alma, de quando é um entusiasmo passageiro que não é negativo, mas não é a consolação de Deus.