Aos participantes no curso para reitores e formadores de seminários latino-americanos
O educador testemunha
Testemunhar com a vida «o que as palavras e os gestos procuram transmitir no diálogo e na interação» com os alunos, recomendou o Papa aos participantes num curso para reitores e formadores de seminários latino-americanos, recebidos em audiência a 10 de novembro, na Sala Clementina.
Estimado senhor Cardeal
Prezados irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio,
Bom dia!
Sinto-me feliz por saudar todos vós, participantes no Curso para Reitores e Formadores dos Seminários Latino-americanos, provenientes de quase todos os países do Continente e do Caribe. Incluo nas minhas saudações os colaboradores do Dicastério para o Clero, que organizou o curso.
Toda a formação sacerdotal, particularmente a dos futuros pastores, está no centro da evangelização, uma vez que nas próximas décadas serão eles, respondendo a uma verdadeira vocação específica, que animam e guiam o Povo santo de Deus, para que seja “em Cristo sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano”. Como é necessária uma formação de qualidade para aqueles que serão a presença sacramental do Senhor no meio do seu rebanho, nutrindo e cuidando dele com a Palavra e os Sacramentos!
Neste sentido, gostaria de salientar que a Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis, “O dom da vocação sacerdotal”, conserva a grande contribuição dada pela Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, da qual este ano se comemora o trigésimo aniversário da publicação por São João Paulo ii , após a viii Assembleia Geral Ordinária dos Bispos, que abordou o tema “A formação dos sacerdotes nas circunstâncias atuais”. Esta exortação oferece explicitamente uma visão antropológica integral, que tem em consideração, de forma simultânea e equilibrada, as quatro dimensões presentes na pessoa do seminarista: humana, intelectual, espiritual e pastoral. Por outro lado, a própria Ratio fundamentalis reafirma a perspetiva do meu estimado antecessor, o Papa Bento xvi , que com o motu proprio Ministrorum institutio salientou que a formação dos seminaristas continua, de forma natural, na formação permanente dos sacerdotes, constituindo ambas uma única realidade.
Gostaria também de salientar que uma das grandes contribuições da atual Ratio fundamentalis é que descreve o processo de formação de sacerdotes, desde os anos de seminário, a partir das quatro notas caraterísticas da formação, que é apresentada como única, integral, comunitária e missionária.
A este propósito, gostaria de sublinhar que a formação sacerdotal «tem um caráter eminentemente comunitário desde a sua origem; a vocação ao sacerdócio, de facto, é um dom que Deus dá à Igreja e ao mundo, uma forma de se santificar e de santificar os outros que não deve ser percorrida de forma individualista, mas tendo sempre como referência uma porção concreta do Povo de Deus» ( rfis , Introdução, n. 3).
Neste contexto, permiti-me salientar que um dos mais importantes desafios que as casas de formação sacerdotal enfrentam atualmente é ser verdadeiras comunidades cristãs, o que implica não só um projeto de formação coerente, mas também um número adequado de seminaristas e formadores para assegurar uma experiência verdadeiramente comunitária em todas as dimensões da formação. Este desafio requer com frequência um compromisso de criar ou consolidar seminários interdiocesanos, provinciais ou regionais. Esta é uma tarefa que os bispos devem realizar sinodalmente, de maneira particular a nível das conferências episcopais regionais ou nacionais, tarefa na qual sois chamados a colaborar com lealdade e proatividade.
Para tal finalidade, caros sacerdotes formadores, é necessário renunciar à inércia e ao protagonismo e começar a sonhar juntos, sem lastimar o passado, não sozinhos, mas unidos e abertos ao que o Senhor deseja hoje como formação para as próximas gerações de sacerdotes inspirados pelas atuais orientações da Igreja.
Fico contente que durante estes dias estejais a refletir sobre vários aspetos da formação inicial, habituando-vos à dimensão humana e à forma como esta se integra com as outras dimensões, ou seja, espiritual, intelectual e pastoral.
De facto, dentro da comunidade cristã, o Senhor chama alguns dos seus discípulos a serem sacerdotes, ou seja, escolhe algumas ovelhas do seu rebanho e convida-as a serem pastores dos seus irmãos e irmãs. Não devemos esquecer que nós, sacerdotes, fomos «escolhidos entre os homens… constituídos a favor dos homens como mediadores nas coisas que dizem respeito a Deus» (cf. Hb 5, 1). Somos “co-discípulos” dos outros fiéis cristãos e, precisamente por isso, partilhamos as mesmas necessidades humanas e espirituais, e ao mesmo tempo estamos sujeitos às mesmas fragilidades, limitações e erros.
Nos seminaristas, como em cada um de nós, interagem e coexistem dois aspetos que se devem integrar reciprocamente: os dons da graça e os traços da natureza ferida; o serviço que deveis prestar é precisamente unir ambas as realidades num caminho de fé e de maturação integral (cf. rfis , n. 28).
É necessário prestar atenção, pois a vossa missão não é formar “super-homens”, que pretendem saber e controlar tudo e ser autossuficientes; pelo contrário, é formar homens que com humildade seguem o processo escolhido pelo Filho de Deus, que é o caminho da encarnação.
Sim, em virtude da Encarnação do Filho de Deus, encontramos no nosso Mestre, Deus e verdadeiro homem, não apenas exemplos de humanidade renovada a imitar, mas também a possibilidade de entrar numa comunhão vital com Ele, da qual a nossa existência é curada e elevada a uma nova humanidade. O Senhor torna possível que o imitemos e sigamos os seus passos, ao comunicar-nos o dom da sua graça, capaz de transformar tudo o que somos: «alma, corpo e espírito» (cf. 1 Ts 5, 23), segundo o seu plano de plenitude para cada um de nós.
Por conseguinte, a dimensão humana da formação sacerdotal não é uma mera escola de virtude, de crescimento da personalidade ou desenvolvimento pessoal, mas implica também e sobretudo uma maturação integral da pessoa fortalecida pela graça de Deus que, tendo em conta os condicionamentos biológicos, psicológicos e sociais de cada pessoa, é capaz de os transformar e elevar, especialmente quando a pessoa e a comunidade se esforçam por colaborar com ela de forma transparente e verdadeira. Em última análise, as motivações profissionais autênticas, isto é, o seguimento do Senhor e o estabelecimento do Reino de Deus, estão na base de um processo que é tanto humano como espiritual.
Neste sentido, uma das tarefas mais importantes no processo de formação de um presbítero é a leitura gradual e crente da própria história. Esta visão providencial do próprio caminho é o tema principal do discernimento pessoal e eclesial da vocação. De facto, cada seminarista primeiro, e cada sacerdote depois, com intensidades e matizes diferentes, deve atualizá-la continuamente, sobretudo nas circunstâncias mais significativas do próprio caminho sacerdotal (cf. rfis , nn. 59 e 69). O confronto com aqueles que o acompanham neste processo, tanto no foro íntimo como externo, permitir-lhe-á superar qualquer tentação de auto-engano subjetivista e consentirá a avaliação de perspetivas muito mais amplas e objetivas.
Devemos estar cientes também do impacto formativo que a vida e o ministério dos formadores têm nos seminaristas. Os formadores educam com a sua vida, mais do que com as suas palavras.
Naturalmente, uma saudável maturação humana coerente com a consolidação da própria vocação e missão, que inclui a normal superação de dificuldades e períodos de crise, permite que o sacerdote formador renove constantemente a base sobre a qual assenta a sua configuração com Cristo, Servo e Bom Pastor, e dá-lhe os instrumentos mais eficazes para o exercício do seu serviço no seminário, tanto com os candidatos relativamente ao seu processo de discernimento, como com os outros formadores do grupo de formação e demais agentes de formação. De facto, a harmonia humana e espiritual dos formadores, particularmente do reitor do seminário, é uma das mediações mais importantes no acompanhamento formativo.
Um dos indicadores da maturidade humana e espiritual é o desenvolvimento e consolidação da capacidade de ouvir e da arte do diálogo, que estão naturalmente ancorados numa vida de oração, na qual o sacerdote entra diariamente em diálogo com o Senhor, inclusive em momentos de aridez e confusão. No serviço que um sacerdote presta aos seus irmãos e irmãs, particularmente no trabalho de um formador, a disposição para ouvir e empatizar com os outros, mais do que um instrumento de evangelização, é precisamente o âmbito no qual esta germina, floresce e dá frutos.
Em suma, a vida do formador, o seu constante crescimento humano e espiritual como discípulo-missionário de Cristo e como sacerdote, sustentado e promovido pela graça de Deus, é sem dúvida o fator fundamental à sua disposição para dar eficácia ao seu serviço aos seminaristas e outros sacerdotes na configuração com Cristo, Servo e Bom Pastor. Na verdade, a sua vida testemunha o que as suas palavras e gestos procuram transmitir no diálogo e na interação com os seus interlocutores na formação.
Caros sacerdotes, estou consciente de que o serviço que prestais à Igreja não é simples e não raro desafia a vossa humanidade, porque o formador tem um coração cem por cento humano e às vezes pode experimentar frustração, cansaço, raiva e impotência; por isso é importante recorrer todos os dias a Jesus, ajoelhar-se e na sua presença aprender com Ele que é manso e humilde de coração, para que pouco a pouco o nosso coração aprenda a bater no ritmo do coração do Mestre.
As páginas do Evangelho, especialmente as que nos oferecem pinceladas da vida de Jesus com os seus discípulos, permitem-nos ver como Jesus sabia fazer-se presente ou ausente, sabia qual era o momento de corrigir ou o momento de elogiar, o momento de acompanhar ou a ocasião de enviar e deixar que os apóstolos enfrentassem o desafio missionário. Foi no meio daquelas que poderíamos definir “intervenções formativas” de Cristo, que Pedro, André, Tiago, João e os demais chamados se tornaram verdadeiros discípulos e gradualmente configuraram o seu coração com o do Senhor.
Anteriormente sublinhei o papel formativo do reitor do seminário em relação aos seus irmãos no grupo de formação e na corresponsabilidade de todos na própria formação sacerdotal. O reitor deve mostrar uma preocupação constante por cada um dos formadores, mantendo um diálogo aberto e sincero no respeitante à sua vida e serviço, sem negligenciar o eco daqueles aspetos mais pessoais dos quais depende frequentemente a superação dos problemas que possam surgir dentro do grupo formativo. Tende presente que os formadores são para o reitor do seminário os seus irmãos mais próximos, aos quais o exercício da caridade pastoral deve ser dirigido de uma forma privilegiada.
Por outro lado, a formação sacerdotal tem como instrumento privilegiado o acompanhamento formativo e espiritual de cada um dos formadores do seminário em relação a todos e a cada um dos seminaristas, de modo a assegurar-lhes um apoio amplo e variado da comunidade de formadores, sem exclusivismos nem particularismos, podendo ser apoiados por sacerdotes de diferentes idades e sensibilidades, de acordo com as competências específicas de cada um, para que cada futuro pastor possa discernir e consolidar não só uma verdadeira vocação ao sacerdócio, mas também o modo pessoal e irrepetível que o Senhor traçou para o viverem e exercerem.
Outras pessoas que ajudam os seminaristas no seu crescimento humano e espiritual contribuem com o acompanhamento formativo. Os agentes responsáveis pelas experiências pastorais durante a formação inicial, especialmente os párocos, devem ser lembrados, assim como os peritos que são chamados a colaborar quando necessário (cf. rfis , nn. 145-147).
Queridos formadores, uma vez mais expresso a gratidão da Igreja a vós por dedicardes a vossa vida e o vosso ministério aos futuros pastores, que serão vossos irmãos no presbitério e que, unidos e sob a orientação do bispo, lançarão as redes do Evangelho como autênticos pescadores de homens. Que Maria Santíssima, Mãe dos sacerdotes, vos encoraje e vos ampare na vossa missão.
Boa tarde e peço-vos, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado.