«O próximo Centenário franciscano será uma celebração não ritual, se souber declinar em simultâneo a imitação de Cristo e o amor pelos pobres», disse o Papa aos membros da Coordenação eclesial para o viii Centenário franciscano, recebidos em audiência na manhã de 31 de outubro, na sala Clementina.
Prezados irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!
É com prazer que me encontro convosco, já na iminência do viii Centenário franciscano (2023-2026), que se prenuncia como uma peregrinação que, do Vale sagrado de Rieti, passando por La Verna, levará a Assis, onde tudo teve início. Agradeço as palavras proferidas pelo Padre-Geral dos Frades Menores.
Quando escolhi chamar-me Francisco, sabia que me referia a um santo muito popular, mas também muito incompreendido. Com efeito, Francisco é o homem da paz, o homem da pobreza e o homem que ama e celebra a criação; mas qual é a raiz de tudo isto, qual é a fonte? Jesus Cristo. É um apaixonado por Jesus Cristo que, para o seguir, não tem medo de parecer ridículo, mas vai em frente. A fonte de toda a sua experiência é a fé. Francisco recebe-a como dom diante do Crucifixo, e o Senhor Crucificado e Ressuscitado revela-lhe o sentido da vida e do sofrimento humano. E quando Jesus lhe fala na pessoa do leproso, ele experimenta a grandeza da misericórdia de Deus e a própria condição de humildade. Por isso, cheio de gratidão e admiração, o Pobrezinho passava horas com o seu Senhor, dizendo: “Quem és Tu? Quem sou eu?”. Desta fonte, recebe em abundância o Espírito Santo, que o leva a imitar Jesus e a seguir o Evangelho à letra. Francisco viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos pobres de modo inseparável, como os dois lados da mesma moeda (cf. Mensagem para a xxix Jornada mundial da juventude, 21 de janeiro de 2014).
O próximo Centenário franciscano será uma celebração não ritual, se souber declinar em simultâneo a imitação de Cristo e o amor pelos pobres. E isto será possível também graças à atmosfera que emana dos vários “lugares” franciscanos, cada um dos quais possui um caráter peculiar, um dom fecundo que contribui para renovar a face da Igreja.
A primeira etapa deste itinerário franciscano, em ordem cronológica (1223), é Fontecolombo, nos arredores de Rieti. Primeira etapa devido à Regra, com Greccio, lugar do Presépio. Trata-se de um convite poderoso a redescobrir na encarnação de Jesus Cristo o “caminho” de Deus. Esta opção fundamental diz que o homem é o “caminho” de Deus e, por conseguinte, o único “caminho” da Igreja. Descreve-o com palavras memoráveis a Gaudium et spes, onde se lê: «Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente [...] na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (n. 22).
La Verna, com os estigmas (1224), representa «o último sigilo» — como diz Dante (Paraíso, xi , 107) — que torna o Santo assimilado a Cristo crucificado e capaz de penetrar a vicissitude humana, radicalmente marcada pela dor e pelo sofrimento. São Boaventura escreverá que «a carne santíssima» de Francisco, «crucificada com os seus vícios», transformada «em nova criatura, mostrava aos olhos de todos, por um privilégio singular, a efígie da Paixão de Cristo e, mediante um milagre nunca visto, antecipava a imagem da ressurreição» (LegM xv , 1: ff 1246).
E no final Assis (1226), com o Trânsito de Francisco na Porciúncula, revela o cristianismo essencial: a esperança da vida eterna. Não é por acaso que o túmulo do Santo, colocado na Basílica Inferior, se tornou ao longo do tempo o íman, o coração pulsante de Assis: sinal inequívoco da presença daquele cuja «vida admirável / se cantaria melhor na glória do céu» (Paraíso, xi , 95-96).
Contudo, depois de oito séculos, São Francisco permanece um mistério. Assim como resta intacta a pergunta do irmão Masseo: «Por que o mundo inteiro vai atrás de ti, e parece que todos desejam ver-te, ouvir-te e obedecer-te?» (Fioretti, x : ff 1838). Para encontrar uma resposta, é preciso colocar-se na escola do Pobrezinho, encontrando na sua vida evangélica o caminho para seguir os passos de Jesus. Concretamente, significa ouvir, caminhar e anunciar até às periferias.
Em primeiro lugar, ouvir. Diante do Crucifixo, Francisco ouve a voz de Jesus que lhe diz: «Francisco, vai e repara a minha casa!». E o jovem Francisco responde com prontidão e generosidade a este chamamento do Senhor: reparar a sua casa. Mas que casa? Lentamente, dá-se conta de que não se tratava de ser pedreiro e reparar um edifício feito de pedras, mas de dar a sua contribuição para a vida da Igreja; tratava-se de se colocar ao serviço da Igreja, de a amar e de trabalhar para que nela se refletisse cada vez mais a Face de Cristo.
Em segundo lugar, caminhar. Francisco foi um viandante que nunca parou, que atravessou a pé inúmeras vilas e aldeias da Itália, sem nunca deixar faltar a sua proximidade ao povo e anulando a distância entre a Igreja e o povo. Esta mesma capacidade de “ir ao encontro”, em vez de “esperar na encruzilhada”, é o estilo de uma comunidade cristã que sente a urgência de se aproximar, não de se fechar em si mesma. Isto ensina-nos que quantos seguem São Francisco devem aprender a ser firmes e viandantes: firmes na contemplação, na oração, e depois ir em frente, caminhar no testemunho, no testemunho de Cristo.
Por fim, anunciar até às periferias. Todos precisam de justiça, mas também de confiança. Só a fé restitui o sopro do Espírito a um mundo fechado e individualista. Com este suplemento de fôlego poderão ser enfrentados os grandes desafios do presente, como a paz, o cuidado da casa comum e um novo modelo de desenvolvimento, sem se render aos dados concretos, que parecem insuperáveis.
Caros irmãos e irmãs, encorajo-vos a viver plenamente o almejado Centenário franciscano. Desejo sinceramente que este percurso espiritual e cultural possa unir-se ao Jubileu de 2025, na convicção de que São Francisco de Assis ainda hoje impele a Igreja a viver a sua fidelidade a Cristo e a sua missão no nosso tempo. Abençoo todos vós de coração e peço-vos, por favor, que oreis por mim. Obrigado!