Publicamos o discurso improvisado pelo Santo Padre, durante a audiência — realizada a 10 de novembro — aos 130 participantes no curso para reitores e formadores de seminários da América Latina, que está a ter lugar de 7 a 18 de novembro em Roma por iniciativa do Dicastério para o Clero, em particular a secção Seminários, em colaboração com a fundação Ajuda à Igreja que sofre.
Agradeço ao cardeal pela sua apresentação, agradeço aos membros do Dicastério, ao secretário, ao subsecretário e a toda a comitiva por terem vindo aqui. Agora ler-vos-ei um discurso de 12 páginas, que é um campeonato... Vejamos depois da terceira página quem se lembra do que eu disse. Mas para evitar este risco, vou entregá-lo ao secretário, para que ele o possa dar a conhecer, sai hoje em «L’Osservatore Romano». É o que eu acho sobre a formação sacerdotal, mas é uma coisa pesada, depois lede-o com tranquilidade. Em vez disso, aqui direi três ou quatro coisas que tenho no coração, que vos quero dizer de perto, para a vossa vida sacerdotal e especialmente para a vida dos formadores dos seminários.
Porque não é fácil, pois não? No meu tempo colocavam-nos a todos na série, e a formação era por série. “Hoje cabe isto, isto e isto…”. E aqueles que suportavam até ao fim eram ordenados, os outros ficavam pelo caminho ou abandonavam-no. Naquela época, saíam excelentes sacerdotes assim, excelentes. Hoje já não funciona, porque é outra época, outra carne, outra matéria-prima. Outros jovens, outras preocupações; pois bem, devemos formar estes jovens.
E uma das tentações mais graves que a Igreja está a viver hoje, sabeis melhor do que eu, é quando vos apresentam esquemas rígidos de formação. Não é? Só rigidez... Nasceram congregações religiosas que são um desastre, e tiveram de ser lentamente fechadas, congregações de uma rigidez incrível... E no fundo, por detrás desta rigidez, escondia-se uma verdadeira podridão. Por isso é importante discernir bem, no curso da formação, como acompanhar os rapazes. E a palavra discernir, creio eu, é uma palavra-chave. Se um formador não tem a capacidade de discernir, que diga ao seu bispo: “olha, envia-me para fazer outra coisa, não sou feito para isto”. Pois o discernimento pressupõe o silêncio, pressupõe a oração, pressupõe que se reze, pressupõe o acompanhamento, pressupõe a capacidade de sofrer, pressupõe não ter a resposta pronta. As respostas feitas hoje em dia não têm qualquer utilidade para os jovens, pelo contrário, é preciso acompanhá-los, com doutrina clara, isto sim, mas acompanhá-los nas diversas situações.
Neste trabalho que desempenhais, o secretário ali tem as coisas necessárias, vereis tudo escrito, há isto que deve ser feito. Porque há o problema do número de seminaristas, não pode haver um seminário com quatro pessoas, não. “Não temos outros”: então uni-vos. Ponto.
E há uma mania que eu tenho, que é falar de proximidade, porque acredito que devemos ir à fonte do que é o nosso Deus. O nosso Deus, o estilo de Deus é a proximidade. Isto é Ele que o diz, não sou eu. No Deuteronómio Ele diz ao Povo de Deus: “Dizei-me, qual povo tem os seus deuses tão próximos como vós tendes a mim?” Proximidade. E isto deve contagiar-nos, ou seja, o sacerdote, o seminarista, o sacerdote deve estar “perto”. Perto de quem? Das jovens da paróquia? Alguns sim, estão próximos, depois casam-se, tudo bem. É o movimento da família cristã que age ali... Mas perto de quem? Próximos de que modo? E há dois adjetivos desta proximidade de Deus: Deus está próximo com misericórdia e com ternura. E deveis obter dos jovens estas três coisas. Que sejam sacerdotes, boas pessoas, misericordiosos, mas com ternura. Não podemos ter sacerdotes dirigentes empresariais de uma paróquia que lideram gritando, que massificam tudo, que simplesmente vivem de três ou quatro coisas e não sabem dialogar, ou que são incapazes de acariciar uma criança, de beijar um idoso, ou que simplesmente não vão “perder tempo” a falar com os doentes, que é perder tempo, mas que estão nos planos paroquiais e coisas semelhantes. Não, isto não está bem. Proximidade, misericórdia e ternura.
Por vezes sofro quando encontro pessoas que estão a chorar porque se confessaram e lhes foi dito de tudo. Se te fores confessar porque fizeste uma, duas, dez mil coisas estúpidas... agradece ao Senhor e perdoa-lhe! Mas que o outro sinta vergonha e tu insistes, insistes. “Não posso absolver-te, porque estás em pecado mortal, tenho de pedir a autorização ao bispo...”. Isto acontece, por favor! O nosso povo não pode estar nas mãos de delinquentes. E um pároco que age assim é um delinquente, no verdadeiro sentido da palavra. Querendo ou não. Ou seja, pastor próximo com misericórdia e ternura. Está claro? Acho que isto precisa de ser realçado.
E simplesmente repito-me, porque repito sempre isto, mas penso que é importante que vos diga: as quatro proximidades do presbítero. Há quatro proximidades que devem ser, a primeira, a proximidade com Deus. Sabei isto, um sacerdote que não reza acaba no lixo. Talvez persevere até à velhice, mas no caixote do lixo, ou seja, na mediocridade. Não digo em pecado mortal, não, em mediocridade, que é pior do que o pecado mortal. Porque o pecado mortal assusta-te e vais imediatamente confessar-te. A mediocridade é um estilo de vida, nem muito nem pouco. E aproveita de tudo o que pode e por isso persevera até ao fim. Nisto cai o sacerdote que não reza. Por favor, rezai, a sério, e pedi àqueles que vos acompanham espiritualmente que vos ensinem a rezar. Confiai na forma de orar do acompanhador ou da acompanhadora espiritual que tendes. Por favor, nisto, não cedais.
Uma das coisas que costumava perguntar aos sacerdotes em Buenos Aires, quando visitava a paróquia e os via por ali, não a todos, mas aqueles que via muito acelerados no trabalho, dizia: “Como terminas o dia?”. “Exausto!”. “E como vais dormir?”. “Tomo duas ou três coisas e depois vou para a cama. Vejo televisão, relaxo-me um pouco”. “Ok, e não passas primeiro pela capela?”. Não se apercebia que pelo menos devia dar a boa noite ao patrão. Ou seja, a necessidade pastoral leva-te a deixar de rezar. Mas não porque deves rezar, deves sentir a necessidade de rezar. “Olha Senhor, tenho este problema, tenho este problema paroquial, este outro, com o bispo daqui, dali...”. Falar com o Senhor e perder tempo na oração. Quanto mais ocupado está um sacerdote, mais deve perder tempo na oração. Ou seja, proximidade ao Senhor, na oração. Primeira proximidade.
Segunda proximidade: proximidade com o bispo. Nisto nunca negocieis. E transmiti bem a doutrina aos rapazes. Não há Igreja sem bispo. “Mas ele é um desgraçado”. Também tu és um desgraçado. Isto é, entre desgraçados, compreender-vos-eis. Mas é o teu pai. E se não tiveres coragem para lhe dizer as coisas na cara, não as digas a outro, guarda-as para ti. Ou vais como um homem ter com o teu bispo ou pedes ao Senhor que encontre uma solução. Mas proximidade com ele, procurai-o. E o bispo deve estar próximo dos sacerdotes, isso é certo. Mas procurai-o, estai próximos não para o adulardes para que vos dê aquela paróquia que vos agrada ou outra que vos agrada mais. Não. Para ouvirdes o pai, para discernirdes com o pai. E ao dizer “proximidade” digo respeito. Uma das coisas que nunca deveis permitir é fazer o que os dois filhos de Noé fizeram: morrer de rir em frente do seu pai bêbado. Fazei como o terceiro fez: ide e cobri-o. É verdade que por vezes há bispos, que Deus nos livre deles! O que podes fazer, filho... Há de tudo na vinha do Senhor. Cobre-o, é o teu pai. Sê corajoso, fala com ele, mas não uses a carne ferida e pecaminosa daquele bispo para te divertires com comentários com outros ou para justificares as tuas próprias faltas. Ele é o teu pai. A proximidade com Deus primeiro. A proximidade com o bispo em segundo lugar. E procurá-lo, não para o adular, mas para estar perto dele ou, pelo menos, respeitá-lo. Mas com o bispo não se brinca, porque ele é Cristo para vós.
Terceiro, a proximidade entre os sacerdotes. Vede, um dos piores vícios que temos, a raça clerical, é a tagarelice: quando passamos em revista, olha para aquele... Falamos mal dos companheiros. Eles são os teus irmãos! Se não tiveres calças para lhes dizer coisas na cara, engole-as. Mas não vás contá-las a outra pessoa como uma velha bisbilhoteira! E, por vezes, os mexericos dos sacerdotes, depois das reuniões do colégio presbiteral, por exemplo, saem e “já viste aquele, já viste aquele outro...”. Ele é teu irmão, sim é um desgraçado... mas tu também. E por favor sede homens, virilidade nisto, não sejais velhas alcoviteiras, por favor. Digo-vos isto para que o ensineis aos rapazes. Se virdes um seminarista que tenha língua comprida, mandai-o sair por algum tempo para que possa experimentar o trabalho árduo, para que compreenda quão árduo é o trabalho, e depois vede se o deveis ou não receber de volta. Mas há demasiados mexericos na Igreja, há demasiados em toda a parte. Não formemos mais alcoviteiros, que isto arruína a vida.
E a quarta proximidade é com o povo de Deus. Lamento verdadeiramente quando vejo presbíteros que se apresentam muito bem, mas que se esqueceram do povo do qual provêm. O que diz Paulo a Timóteo, não é? “Lembra-te da tua mãe e da tua avó”. Ou seja, lembra-te de onde vens, que saíste do rebanho. Não te esqueças do teu povo. E ensina aos jovens a sentir amor pelo seu povo, de onde provêm. Não se devem emproar como se fossem extraterrestres porque estão a estudar filosofia, teologia, ou seja o que for, porque se tornarão sacerdotes, separados. Que não se esqueçam do cheiro do povo de Deus, que é o motivo pelo qual estão ali.
Vós, como formadores, deveis treinar os rapazes nestas quatro proximidades: proximidade com Deus na oração, proximidade com o bispo, não se negocia com o bispo. Em terceiro lugar, a proximidade no colégio presbiteral, formá-los para que sejam bons irmãos. E em quarto lugar, a proximidade com o povo de Deus, para que não percam o cheiro da pertença da qual provêm.
Bem, era isto que eu vos queria dizer em vez de ler estas, quantas eram, doze páginas? São muito bonitas, claro, porque passaram por várias mãos, e foram bem pensadas. Ser-vos-ão úteis. Mas é isto que tenho no coração, e formai-os desta forma, por favor. Que não saiam sacerdotes raquíticos, espiritual nem humanamente, ou pessoas que permanecem no seminário porque não sabem o que fazer com a sua vida lá fora.
Pois bem, rezai por mim, rezai entre vós, ajudai-vos, não percais o espírito de camaradagem entre vós. Falai sobre coisas sérias juntos, ri juntos, ide comer pizza juntos. Qualquer coisa que seja fraternidade para que vos ajude a seguir em frente. Agora concedo-vos a bênção e depois saúdo-vos um por um.