O desporto «deve ser pensado e promovido» como «bem educativo, bem social», evitando «o risco de cair na “máquina” do business, do lucro, de uma espetacularidade consumista, que produz “personagens”», disse o Papa Francisco recebendo em audiência na tarde de 30 de setembro, na sala Paulo vi , os participantes no congresso internacional «Sport for all. Cohesive, Accessible and Tailored to each person».
Senhores Cardeais
Ilustres Senhoras e Senhores
Boa tarde!
Tenho o prazer de me encontrar convosco e de dar as boas-vindas a todos vós, atletas, dirigentes desportivos e autoridades que participais neste Congresso internacional sobre o desporto. Saúdo o Cardeal Kevin Farrell — e agradeço-lhe as palavras de introdução — o Cardeal José Tolentino de Mendonça e o Cardeal Ravasi, que é um pioneiro da cultura, inclusive da cultura desportiva.
Viestes de muitas partes do mundo, em representação das mais diversificadas organizações desportivas e instituições civis e religiosas. Anima-vos uma nobre motivação: a do compromisso na promoção de um desporto que seja para todos, que seja “coeso”, “acessível” e “à medida de cada pessoa”. Um grande compromisso, sem dúvida, um desafio que ninguém é capaz de enfrentar sozinho. Mas sabeis muito bem que para atingir objetivos elevados, árduos e difíceis — altius, citius, fortius — é preciso jogar em grupo, é necessário unir-se, communiter. Altius, citius, fortius — communiter.
A Igreja está próxima do desporto, pois acredita no jogo e na atividade desportiva como lugar de encontro entre as pessoas, de formação para os valores e de fraternidade. Por isso, o desporto é familiar na Igreja, especialmente nas escolas e nos oratórios ou centros juvenis.
Quando o desporto é praticado colocando as pessoas no centro valorizando o prazer de jogar juntos, faz aumentar em cada um o sentido de participação, de partilha, e faz com que todos se sintam parte de um grupo. Com efeito, gosto de lembrar aos atletas, até aos profissionais, que não percam o gosto pelo jogo e saibam viver o desporto preservando sempre um espírito “amador”. Isto é importante! A dimensão do jogo é fundamental, sobretudo para os mais jovens: dá alegria, cria sociabilidade, faz nascer amizades e, ao mesmo tempo, é formativo. Relações fortes e duradouras podem estabelecer-se graças ao desporto. O desporto é um gerador de comunidades.
Como os membros formam o corpo, assim os jogadores formam um grupo e as pessoas formam uma comunidade. O desporto pode ser símbolo de unidade para uma sociedade, uma experiência de integração, um exemplo de coesão e uma mensagem de concórdia e de paz. Hoje temos muita necessidade de uma pedagogia da paz, de fomentar uma cultura de paz, a partir dos relacionamentos interpessoais diários, para chegar às relações entre os povos e as nações. Se o mundo do desporto transmitir unidade e coesão, pode tornar-se um formidável aliado na edificação da paz.
Gostaria de dirigir uma palavra em particular a vós, atletas, que sois um ponto de referência para os mais jovens. Nas nossas sociedades, infelizmente, existe a cultura do descarte, que trata homens e mulheres como produtos, para usar e depois descartar. O “usa e deita fora” é comum, como cultura. Como desportistas, podeis ajudar a combater esta cultura do descarte, com sentido de responsabilidade educativa e social. Quantas pessoas, que se encontram em condições de marginalização, superaram os perigos do isolamento e da exclusão precisamente através do desporto! Praticar um desporto pode tornar-se um caminho de resgate pessoal e social, uma via para recuperar a dignidade!
Por isso, o desporto deve ser pensado e promovido na lógica da generatividade, pois se for bem orientado, contribui para gerar personalidades maduras e bem-sucedidas, constituindo uma dimensão da educação e da socialidade. Fora desta lógica, corre o risco de cair na “máquina” do business, do lucro, de uma espetacularidade consumista, que produz “personagens” cuja imagem pode ser explorada. Mas isto deixa de ser desporto. O desporto é um bem educativo, um bem social, e assim deve permanecer!
É por isso que temos a responsabilidade de fazer com que que o desporto se torne acessível a todos. É preciso remover as barreiras físicas, sociais, culturais e económicas que impedem ou dificultam o acesso ao desporto. O compromisso é que todos tenham a oportunidade de praticar desporto, de cultivar — poder-se-ia dizer de “treinar” — os valores do desporto, transformando-os em virtudes.
No entanto, não é suficiente que o desporto seja acessível. Além da acessibilidade, deve haver inclusive o acolhimento: é importante que eu encontre a porta aberta, mas também que alguém me receba. Alguém que mantenha a porta do coração aberta a todos e, por conseguinte, ajude a superar preconceitos, receios e às vezes simplesmente a ignorância. Acolher significa permitir que todos, através da prática desportiva, possam colocar-se em jogo, medir-se com os seus limites e desenvolver as próprias potencialidades.
É assim que se promove um desporto à medida de cada um, e cada pessoa pode desenvolver os seus talentos, a partir da própria condição, até de fragilidade ou deficiência. É uma aventura que vós, atletas, conheceis bem, pois nenhum de vós é super-homem ou supermulher: tendes os vossos limites e procurais dar o melhor de vós mesmos. Esta aventura tem o perfume da ascese, da busca do que nos aperfeiçoa e nos faz a ir além. No fundo, na raiz desta busca há a tensão para aquela beleza e plenitude de vida que Deus deseja para cada uma das suas criaturas.
E antes de concluir, encorajo-vos a esforçar-vos a fim de que o desporto seja uma casa aberta e hospitaleira para todos. Nesta casa nunca se perca a atmosfera familiar: que também no mundo do desporto se possam encontrar irmãos e irmãs, amigos e amigas. Estou próximo de vós nesta missão, e a Igreja apoia-vos no compromisso educativo e social. Abençoo-vos de coração, bem como as vossas famílias. E peço-vos que rezeis por mim. Obrigado!