· Cidade do Vaticano ·

O Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral por ocasião do Dia mundial

Um turismo justo e respeitador da criação

 Um turismo justo  e respeitador da criação  POR-039
29 setembro 2022

Publicamos a seguir a mensagem do cardeal prefeito do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral (Dsdhi), por ocasião do Dia mundial do turismo, celebrado a 27 de setembro.

“Repensar o turismo”

O Dia Mundial do Turismo de 2022 é dedicado a: “Repensar o turismo”. A crise sanitária, que começou no final de 2019 e ainda não terminou, pôs todos perante problemas que vêm de longe e evidenciou outros novos e inesperados. Apanhou-nos certamente de surpresa. O turismo foi uma das atividades humanas mais severamente atingidas por esta crise, mas, paradoxalmente, agora pode tornar-se um dos motores da reconstrução de um mundo mais justo, sustentável e integral. Por conseguinte, a Igreja também olha para o renascimento e a renovação do turismo com os olhos da esperança.

Um turismo mais justo

O recomeço do turismo pode ter uma referência nos princípios que inspiraram o Código mundial de Ética do Turismo, que entendeu esta atividade, entre outras coisas, como “uma força vital ao serviço da paz e um fator de amizade e compreensão entre os povos do mundo”, “fator de desenvolvimento sustentável”, “meio para utilizar o património cultural da humanidade a fim de contribuir para o seu enriquecimento”, “uma atividade vantajosa para os países e as comunidades de acolhimento”. Trata—se de elementos fundamentais para a construção de fraternidade e amizade social, mas sobretudo para o serviço a um desenvolvimento humano integral.

Isto significa — e nisto é urgente uma mudança de rumo, demonstrando que sabemos sair melhor de uma crise que revelou tantas desigualdades e injustiças — que a atividade turística, como verdadeira indústria económica, deve ser levada a cabo de acordo com princípios de equidade e de transformação social. Isto acontece, por exemplo, quando os direitos laborais dos que trabalham no sector são respeitados — a todos os níveis e em todos os países — e quando o turismo em si, como atividade de lazer e recreativa, é conduzido com pleno respeito pelos direitos fundamentais e dignidade das pessoas.1 Justiça significa também partilhar os lucros de maneira équa, superando uma lógica predatória, especialmente no respeitante às populações e áreas geográficas que são particularmente provadas pelas múltiplas crises que assolam o mundo contemporâneo.2

A este respeito, gostaríamos de expressar a nossa proximidade a todos aqueles que no sector do turismo já agem de acordo com uma consciência justa e construíram não só o seu profissionalismo, mas também as próprias vidas em torno do acolhimento. Não faltam empresários atentos aos mais vulneráveis e aos trabalhadoras e trabalhadores expostos à exploração, especialmente o pessoal sazonal que desempenha as tarefas mais humildes ao serviço dos turistas. Mais uma vez, porém, deve ser denunciado que «muitos trabalham em condições precárias e por vezes ilegais, com salários desiguais, forçados a um trabalho cansativo, muitas vezes longe da família, com elevado risco de stress e submetidos às regras de uma competitividade agressiva».3 Aos cristãos é pedido que façam uma aliança com todas as mulheres e homens de boa vontade, pois isto deve mudar.

Um turismo mais sustentável

Reiniciar significa também não esquecer que o impacto que o turismo tem no meio ambiente é muito relevante. O paradigma dominante de maximização dos consumos pode até deturpá-lo rápida e ferozmente.4 Com a pandemia e a atual crise energética, tornou-se mais evidente como é bom concentrar-se antes de mais no turismo de proximidade: saber olhar em volta, reconhecer e apreciar os tesouros do património, gastronomia, folclore, e até a espiritualidade que as regiões próximas têm a partilhar. Atualmente, as políticas locais podem ser profundamente repensadas em termos de hospitalidade e de qualidade de vida para os habitantes históricos, os recém-chegados, e os vizinhos imediatos.

Além disso, em escala planetária, o fluxo de mercadorias, o movimento de pessoas para fins turísticos e os ritmos de consumo devem certamente ser recalibrados no sentido de uma relação correta entre seres humanos e criação. Com efeito, a sustentabilidade do turismo mede-se não só em termos de poluição, mas também no impacto sobre a biodiversidade dos ecossistemas naturais e sociais: é necessária uma sensibilidade que alargue a tutela dos ecossistemas de modo concreto, para assegurar uma passagem harmoniosa dos turistas nos ambientes que não lhes pertencem, nem a uma única geração. As alterações climáticas, por outro lado, numa perspetiva de médio prazo, podem incidir negativamente sobre a atratividade de numerosas metas tradicionais, com o risco de penalizar ulteriormente, também sob este ponto de vista, regiões já economicamente frágeis. Portanto, tutela da biodiversidade e assombro perante as maravilhas da criação devem coexistir num turismo “repensado”.

Um turismo integral

O turismo oferece ao espírito humano e ao Espírito de Deus enormes oportunidades de interagir, ativando um encontro entre as diversidades.5 Certamente não faltam resistências e elementos opostos. Nota-se, por exemplo, como culturalmente o espaço para incluir diferentes formas de pensar e viver está a diminuir. O sistema de produção, inclusive no sector do turismo industrial, está a avançar rapidamente para a padronização dos conteúdos, sobretudo através do cálculo do tempo — de visita, de viagem, de estadia —, o que desenvolve uma experiência mais individualista e menos coletiva. Um turismo que recomeça precisa de ter em mente a “visão integral da pessoa”, que, como sublinha o Papa Francisco, não é uma teoria, mas «um modo de viver e de agir; esta visão não se encontra antes de tudo num manual, mas em pessoas que vivem segundo este estilo: com os olhos abertos para o mundo, de mãos dadas com outras pessoas, com o coração sensível às fragilidades dos irmãos».6 Só assim se pode encontrar uma cultura diferente, perguntar sobre a sua história, descobrir os valores profundos que ela conserva. Em suma, também o turismo é chamado a abraçar a perspetiva da ecologia integral.7 Com efeito, pode apoiar a capacidade de “regeneração” de uma comunidade, favorecendo o diálogo entre as linguagens culturais locais e estilos de vida dos visitantes. O acolhimento turístico, então, torna-se uma forma de transformar os espaços civis, o ambiente social e urbano, na valorização das identidades no justo equilíbrio entre conservação das raízes e oferta de serviços.

Um turismo
para cultivar a esperança

A Igreja católica está muito interessada em promover esta visão renovada do turismo a partir da perspetiva do desenvolvimento humano integral. O processo sinodal, que ela está a viver em todo o mundo, desde as comunidades mais periféricas aos mais importantes centros de decisão, representa um método de escuta e participação, que também pode trazer à sociedade civil e às organizações económicas uma maior aptidão para a resolução de interesses e pontos de vista contrastantes. A arte do discernimento e a capacidade coletiva de chegar a novas sínteses representam desafios epocais, dos quais depende um futuro à medida de homem para todos. Estas perspetivas serão objeto de ulterior reflexão durante os trabalhos do viii Congresso Mundial da Pastoral do Turismo, que terá lugar em Santiago de Compostela, de 5 a 8 de outubro de 2022. O evento, inserido na moldura do Ano Santo Compostelano, terá como tema: “Turismo e peregrinação: caminhos de esperança”. De facto, olhamos com esperança para a vivacidade do sector, para todas as pessoas concernidas e para aqueles que têm responsabilidade por ele. Retomando as palavras do Papa Francisco, encorajamos todos a «manter acesa a chama da esperança» e «fazer todo o possível para que cada um recupere a força e a certeza de olhar para o futuro com espírito aberto, coração confiante e mente clarividente».8

Cardeal Michael Czerny s.j.

Prefeito

1 Cf. Mensagem de vídeo do Santo Padre Francisco por ocasião da 109ª Conferência Internacional do Trabalho, 17 de junho de 2021.

2 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé/Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Oeconomicae et Pecuniariae Quaestiones. Considerações para um discernimento ético acerca de alguns aspetos do atual sistema económico e financeiro, 6 de janeiro de 2018, nn. 4, 8.

3 Cf. Mensagem do Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, por ocasião do Dia Mundial do Turismo de 2019: “O turismo e o trabalho: um futuro melhor para todos”, 24 de julho de 2019.

4 Cf. Carta enc. Laudato si’, nn. 18; 203.

5 Cf. Carta enc. Fratelli tutti, n. 215.

6 Cf. Discurso aos Sócios do Centro Turístico Juvenil, 22 de março de 2019.

7 Cf. Carta enc. Laudato si’, cap. iv.

8 Cf. Carta do Santo Padre Francisco a D. Rino Fisichella para o Jubileu de 2025, 11 de fevereiro de 2022.