Trabalho para todos
Criar empregos, especialmente para os jovens, apoiar as famílias e a natalidade, tutelar as mulheres, acolher e integrar os migrantes: foram muitos os “desafios” indicados pelo Papa no discurso que dirigiu aos empresários que participaram na assembleia pública da Confindustria (Confederação geral da indústria italiana), recebidos em audiência na manhã de 12 de setembro, na sala Paulo vi.
Prezados empresários
e empresárias
bom dia e bem-vindos!
Agradeço ao Presidente a saudação e a introdução. Estou feliz por poder encontrar-me convosco e, através de vós, por me dirigir ao mundo dos empresários, que são um componente essencial para construir o bem comum, constituem um motor primordial de desenvolvimento e de prosperidade.
Este tempo não é fácil, para vós e para todos. Também o mundo empresarial sofre muito. A pandemia colocou à dura prova muitas atividades produtivas, todo o sistema económico foi prejudicado. E agora acrescentou-se a guerra na Ucrânia, com a crise energética que dela deriva. Nestas crises, sofre também o bom empresário, que tem a responsabilidade pela sua empresa, pelos empregos, que sente sobre si as incertezas e os riscos. No mercado há empresários “mercenários” e empresários semelhantes ao bom pastor (cf. Jo 10, 11-18), que padecem os mesmos sofrimentos dos seus trabalhadores, que não fogem perante os numerosos lobos que circulam ao redor. As pessoas sabem reconhecer os bons empresários. Vimo-lo até recentemente, na morte de Alberto Balocco: toda a comunidade empresarial e civil sofreu e manifestou estima e gratidão.
Desde os primórdios, a Igreja acolheu no seu seio também os mercadores, precursores dos empresários modernos. Na Bíblia e nos Evangelhos fala-se de trabalho, de comércio, e entre as parábolas há aquelas que falam de moedas, de proprietários de terras, de administradores, da compra de pérolas preciosas. O pai misericordioso, no Evangelho de Lucas (cf. 15, 11-32), é-nos mostrado como um homem rico, um proprietário de terras. O bom samaritano (cf. Lc 10, 30-35) poderia ter sido um mercador: é ele que cuida do homem assaltado e ferido, e que depois o confia a outro empresário, um estalajadeiro. Os “dois denários” que o samaritano dá antecipadamente ao estalajadeiro são muito importantes: no Evangelho, não há apenas as trinta moedas de Judas, não só elas. Com efeito, o mesmo dinheiro pode ser usado, tanto ontem como hoje, para trair e vender um amigo, ou para salvar uma vítima. Vemo-lo todos os dias, quando as moedas de Judas e as do bom samaritano convivem nos mesmos mercados, nas mesmas bolsas de valores, nas mesmas praças. A economia cresce, tornando-se humana quando as moedas dos samaritanos são mais numerosas do que as de Judas.
Mas na Igreja a vida dos empresários nem sempre foi fácil. As palavras duras que Jesus usa em relação aos ricos e às riquezas, ao camelo e ao fundo da agulha (cf. Mt 19, 23-24), foram por vezes estendidas com demasiada pressa a todos os empresários e comerciantes, assimilados aos vendilhões que Jesus expulsou do templo (cf. Mt 21, 12-13). Na realidade, é possível ser um comerciante, empresário, e ser seguidor de Cristo, habitante do seu Reino. Então, a pergunta torna-se: quais são as condições para que um empresário possa entrar no Reino dos Céus? E permito-me indicar algumas delas. Não é fácil...
A primeira é a partilha. A riqueza, por um lado, ajuda muito na vida; mas também é verdade que muitas vezes a complica: não só porque pode tornar-se um ídolo e um senhor impiedoso que, dia após dia, se apodera da vida inteira. Também a complica porque a riqueza exige a responsabilidade: uma vez que possuo bens, tenho a responsabilidade de os fazer frutificar, de não os dispersar, de os usar para o bem comum. Além disso, a riqueza cria ao seu redor inveja, maledicência, não raro violência e maldade. Jesus diz-nos que é muito difícil para um rico entrar no Reino de Deus. Difícil, sim, mas não impossível (cf. Mt 19, 26). Efetivamente, conhecemos pessoas abastadas que faziam parte da primeira comunidade de Jesus, por exemplo Zaqueu de Jericó, José de Arimateia, ou algumas mulheres que ajudavam os apóstolos com os seus bens. Nas primeiras comunidades havia mulheres e homens que não eram pobres; e na Igreja sempre houve pessoas abastadas que seguiram o Evangelho de modo exemplar: entre elas até empresários, banqueiros, economistas, como por exemplo os Beatos Giuseppe Toniolo e Giuseppe Tovini. Para entrar no Reino dos Céus, nem todos são convidados a despojar-se como o comerciante Francisco de Assis; a alguns que possuem riquezas é pedido que as partilhem. A partilha é outro nome da pobreza evangélica. Com efeito, a outra grande imagem económica que encontramos no Novo Testamento é a comunhão dos bens, narrada nos Atos dos Apóstolos: «A multidão dos fiéis tinha um só coração e uma só alma [...] punham tudo em comum [...] Entre eles não havia necessitados» (4, 32-34).
Como viver hoje este espírito evangélico de partilha? Há diferentes maneiras, e cada empresário pode encontrar a sua, de acordo com a própria personalidade e criatividade. Uma forma de partilha é a filantropia, ou seja, a doação à comunidade, de vários modos. E aqui quero agradecer-vos o vosso apoio concreto ao povo ucraniano, especialmente às crianças deslocadas, para que possam ir à escola; obrigado! Mas é muito importante a modalidade que no mundo moderno e nas democracias são os impostos e as taxas, uma forma de partilha que muitas vezes não é compreendida. O pacto fiscal é o coração do pacto social. Os impostos constituem também uma forma de partilha da riqueza, de tal modo que se torna bem comum, bem público: escola, saúde, direitos, cuidados, ciência, cultura, legado. Sem dúvida, os impostos devem ser justos, equitativos, fixados de acordo com a capacidade de contribuição de cada pessoa, como determina a Constituição italiana (cf. art. 53). O sistema e a administração fiscal devem ser eficientes, não corruptos. Mas não se deve considerar os impostos como uma usurpação. São uma forma elevada de partilha de bens, são o coração do pacto social.
Outra forma de partilha é a criação de empregos, trabalho para todos, em particular para os jovens. Os jovens precisam da vossa confiança, e vós tendes necessidade dos jovens, porque sem os jovens as empresas perdem inovação, energia, entusiasmo. O trabalho é desde sempre uma forma de partilha de riqueza: contratando pessoas, já distribuís os vossos bens, já criais riqueza compartilhada. Cada novo emprego criado é uma fatia de riqueza dinamicamente partilhada. Também aqui reside a centralidade do trabalho na economia e a sua grande dignidade. Hoje, a técnica corre o risco de nos fazer esquecer esta grande verdade, mas se o novo capitalismo criar riqueza, sem criar empregos, esta grande e boa função da riqueza entrará em crise. E a propósito dos jovens: quando me encontro com os governantes, muitos dizem-me: “O problema no meu país é que os jovens partem, porque não têm oportunidades”. Criar emprego é um desafio e alguns países estão em crise devido a esta carência. Peço-vos este favor: que aqui, neste país, graças à vossa iniciativa, à vossa coragem, haja empregos, que se criem empregos sobretudo para os jovens.
No entanto, o problema do trabalho não pode ser resolvido se permanecer ancorado apenas nos limites do mercado de trabalho: é o modelo de ordem social que deve ser questionado. Que modelo de ordem social? E aqui toca-se a questão da diminuição da natalidade. A diminuição da natalidade, combinada com o rápido envelhecimento da população, agrava a situação para os empresários, mas também para a economia em geral: diminui a oferta de trabalhadores e, para as finanças públicas, aumenta a despesa com as pensões. Há necessidade urgente de apoiar concretamente as famílias e a natalidade. Devemos trabalhar neste sentido, para sair quanto antes do inverno demográfico em que vivem a Itália e outros países. Trata-se de um terrível inverno demográfico, que vai contra nós e nos impede de crescer. Hoje, ter filhos é uma questão, diria, patriótica, também para levar em frente o país.
Ainda a propósito da natalidade: às vezes uma mulher que trabalha aqui ou ali tem medo de ficar grávida, porque existe uma realidade — não digo entre vós — mas existe uma realidade que, assim que se começa a ver a barriga, despedem-na. “Não, não! Não podes ficar grávida!”. Por favor, este é um problema para as mulheres que trabalham: estudai-o, vede o que fazer para que uma mulher grávida possa ir em frente, quer com o filho no ventre quer com o trabalho. E ainda a propósito do trabalho, há outra questão a evidenciar. A Itália tem uma forte vocação comunitária e territorial: o trabalho foi sempre considerado no âmbito de um pacto social mais amplo, em que a empresa constitui uma parte integrante da comunidade. O território vive da empresa e a empresa haure linfa dos recursos de proximidade, contribuindo substancialmente para o bem-estar dos lugares onde está inserida. A tal respeito, há que realçar o papel positivo que as empresas desempenham na realidade da imigração, promovendo uma integração construtiva e valorizando capacidades indispensáveis para a sobrevivência das empresas no contexto atual. Ao mesmo tempo, é necessário reiterar com força o “não” a qualquer forma de exploração das pessoas e de negligência da sua segurança. O problema dos migrantes: o migrante deve ser acolhido, acompanhado, apoiado e integrado, e a maneira de os integrar é mediante o trabalho. Mas se o migrante for rejeitado ou simplesmente utilizado como operário sem direitos, isto é uma grande injustiça e também prejudica o próprio país.
Também gosto de recordar que o próprio empresário é um trabalhador. E isto é bom, não é verdade! Não vive de rendimento; o verdadeiro empresário vive de trabalho, vive empregado e permanece empresário enquanto trabalha. O bom empresário conhece os trabalhadores porque conhece o trabalho. Muitos de vós sois empresários artesãos, que partilham a mesma labuta e beleza diária dos empregados. Uma das graves crises do nosso tempo é a perda de contacto dos empresários com o trabalho: na medida em que crescem, que envelhecem, passam a vida em escritórios, reuniões, viagens, congressos, e deixam de frequentar as oficinas e as fábricas. Esquecem-se do “cheiro” do trabalho. É terrível! É como acontece connosco, sacerdotes e bispos, quando nos esquecemos do cheiro das ovelhas, deixamos de ser pastores, somos funcionários. Esquecemos o cheiro do trabalho, já não reconhecemos os produtos de olhos fechados, tocando-os; e quando um empresário já não toca os seus produtos, perde contacto com a vida da sua empresa, e muitas vezes começa também o seu declínio económico. Contacto, proximidade, eis o estilo de Deus: estar perto.
Além disso, criar empregos gera uma certa igualdade nas vossas empresas e na sociedade. É verdade que nas empresas existe hierarquia, é verdade que existem diferentes funções e salários, mas os salários não devem ser demasiado diferentes. Hoje em dia, a parte de valor destinada ao trabalho é demasiado pequena, especialmente se a compararmos com a destinada às rendas financeiras e aos salários dos top managers. Se a diferença entre os salários mais altos e mais baixos se tornar demasiado grande, a comunidade empresarial adoece, e depressa a sociedade adoece. Adriano Olivetti, um grande colega vosso do século passado, tinha estabelecido um limite para a diferença entre os salários mais altos e mais baixos, porque sabia que quando os salários e as remunerações são demasiado diferentes, se perde na comunidade empresarial o sentido de pertença a um destino comum, não se cria empatia e solidariedade entre todos; e assim, perante uma crise, a comunidade de trabalho não responde como poderia, com graves consequências para todos. O valor que criais depende de todos e de cada um: depende também da vossa criatividade, do talento e da inovação, depende ainda da cooperação de todos, do trabalho diário de todos. Pois se é verdade que cada trabalhador depende dos seus empresários e dirigentes, é igualmente verdade que o empresário depende dos seus trabalhadores, da sua criatividade, do seu coração e alma: podemos dizer que depende do seu “capital” espiritual, dos trabalhadores.
Caros amigos, os grandes desafios da nossa sociedade não poderão ser enfrentados sem bons empresários, e isto é verdade! Encorajo-vos a sentir a urgência do nosso tempo, a ser protagonistas desta mudança de época. Com a vossa criatividade e inovação podeis dar vida a um sistema económico diferente, onde a salvaguarda do meio ambiente seja um objetivo direto e imediato da vossa ação na economia. Sem novos empresários, a terra não resistirá ao impacto do capitalismo, e deixaremos às gerações vindouras um planeta excessivamente ferido, talvez inviável. O que fizemos até agora não é suficiente: por favor, ajudemo-nos a fazer mais em conjunto.
E agradeço-vos por terdes vindo e desejo-vos o melhor, para vós e para o vosso trabalho. Abençoo-vos de coração, bem como às vossas famílias. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!