Dialogar sempre; com paciência e espírito de abertura, mesmo se «é difícil compreender o diálogo com um Estado que iniciou a guerra»: no voo de regresso do Cazaquistão, respondendo como de costume no final das viagens internacionais às perguntas dos jornalistas que o acompanhavam, o Papa Francisco reiterou na tarde de 15 de setembro, a importância do diálogo como “arma” para enfrentar as principais crises em ato no mundo: a partir do conflito na Ucrânia, mas sem esquecer os restantes que fazem menos notícia. No início do colóquio, introduzido pelo diretor da Sala de imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, o Pontífice desejou feliz aniversário a Stefania Falasca, enviada do diário italiano “Avvenire” e depois pediu para servir um bolo a fim de a festejar. A seguir uma síntese das perguntas dirigidas ao bispo de Roma e a transcrição das suas respostas.
[Zhanat Akhmetova, tv Agency Khabar] Santo Padre, muito obrigada pela sua visita ao Cazaquistão. Qual é o fruto da sua visita? Nos seus discursos, referiu-se às origens do nosso povo; o que o inspirou a fazê-lo?
Para mim, foi uma surpresa; porque, verdadeiramente da Ásia Central — excetuada a música de Borodin — eu não conhecia nada. Foi uma surpresa encontrar os representantes destas nações. E o Cazaquistão foi de verdade uma surpresa, porque eu não o esperava assim. Sabia que é um país que se desenvolveu bem, com inteligência. Mas encontrar, depois de trinta anos de independência, um tal desenvolvimento, eu não o esperava. Além disso um país tão extenso, apenas com dezanove ou vinte milhões de habitantes... incrível! Muito disciplinado, e também lindo. Com belezas notáveis: a arquitetura da cidade, bem equilibrada, bem construída. Uma cidade moderna, uma cidade também, quase diria, «futura». E impressionou-me a grande vontade de avançar, não só na indústria, no progresso económico e material, mas também no desenvolvimento cultural. Uma surpresa, que eu não esperava. Depois, o Congresso! O Congresso é um evento muito importante; já está na sétima edição! Isto significa que é um país com visão a longo prazo e que faz dialogar aqueles que habitualmente são descartados. Ora, numa conceção progressista do mundo, a primeira coisa que é descartada são os valores religiosos; aqui, ao contrário, temos um país que se apresenta ao mundo com tal proposta. E já o fez sete vezes… É maravilhoso! Mais adiante, se houver tempo, falarei mais longamente deste encontro inter-religioso. A senhora pode-se orgulhar do país e da pátria que tem!
[Rudiger Kronthaler, da televisão alemã ard ] Santo Padre, obrigado pela sua mensagem de paz. Sou alemão, como se vê pelo sotaque. Quero fazer uma pergunta sobre a paz. Visto que o meu povo é responsável por milhões de mortes, na escola aprendemos que nunca se deve usar armas; nunca usar de violência. A única exceção é a autodefesa. Segundo o Santo Padre, neste momento é preciso dar armas à Ucrânia?
Trata-se de uma decisão política, que pode ser moral — moralmente aceite — se respeitar as condições da Moral, que são muitas, e, em caso afirmativo, pode-se falar na possibilidade. Mas pode também ser imoral, se se fizer com a intenção de provocar mais guerra, ou vender armas ou então descartar armas que já não me servem... É a motivação de tal ato que, em grande parte, qualifica a sua moralidade. Defender-se não só é lícito, mas é também uma expressão de amor à pátria. Quem não se defende, quem não defende uma coisa qualquer, não a ama; ao contrário, quem a defende, ama-a. É preciso também [considerar] outra coisa que deixei dita num dos meus discursos: dever-se-ia refletir ainda mais sobre o conceito de guerra justa, porque, hoje, todos falam de paz; desde há muitos anos — já lá vão setenta anos — as Nações Unidas falam de paz, pronunciam discursos sem conta sobre a paz. Entretanto, neste momento, quantas guerras estão em curso? Ucrânia-Rússia, que o senhor mencionou; agora Azerbaijão e Arménia, que parou um pouco porque a Rússia se interpôs como fiadora (fiadora de paz aqui, e faz a guerra lá!); depois temos a Síria, dez anos de guerra: Que se passa? Porque é que não para? Que interesses se movem por detrás dela? Temos também o Corno de África: a Eritreia que fica ao lado da Etiópia; depois o norte de Moçambique; e ainda Myanmar, com aquele povo sofredor que tanto amo — o povo rohingya — que gira e vagueia como os ciganos e não encontra paz. Mas, por favor… Estamos numa guerra mundial.
Lembro-me de algo pessoal, de quando era criança: tinha nove anos. Recordo que se ouviu soar o alarme do maior jornal de Buenos Aires: naquele tempo para festejar ou para se dar uma má notícia, soava o tal alarme — agora já não soa — e ouvia-se em toda a cidade. A mãe perguntava-se: «Que aconteceu?». Estávamos em guerra: era o ano de 1945. Uma vizinha vem a casa dizer-nos: «Soou o alarme — e chorava — a guerra acabou!» E hoje vejo ainda a mãe e a vizinha que choravam de alegria, porque tinha acabado a guerra. Isto, num país sul-americano… tão distante! Estas pessoas, estas mulheres sabiam que a paz é maior do que todas as guerras e choravam de alegria quando se fez a paz. Não o esqueço. E pergunto-me hoje se temos o coração educado para chorar de alegria quando vemos a paz. Tudo mudou. Se não fazes a guerra, és um inútil! Mais adiante falarei da Alemanha… Depois, há a indústria das armas. É um comércio assassino. Uma pessoa, que se entende de estatística, disse-me que seria suficiente suspender o fabrico das armas durante um ano para acabar com toda a fome no mundo... Não sei se é verdade, ou não. Mas contra a fome, pela educação... não se pode fazer nada, porque se devem construir armas. Em Génova, há três ou quatro anos, chegou um navio carregado de armas, que deviam ser passadas para um navio maior que ia para a África, perto do Sudão, acho que para o Sudão do Sul... Os trabalhadores portuários não quiseram fazê-lo. Custou-lhes, mas [é um facto que] hoje se diz: «Não! Eu não colaboro com isto, com a morte». É um caso, mas faz sentir uma consciência de paz. O senhor falou da sua pátria. Uma das coisas que aprendi dos alemães é a capacidade de se arrepender e pedir perdão pelos erros da guerra. E não só pedir perdão, mas também pagar os erros da guerra: isto é um ponto a vosso favor. É um exemplo que se deveria imitar. A guerra, em si mesma, é um erro. Sim, um erro! E neste momento estamos a respirar este ar: se não há guerra, parece que não há vida. De forma um pouco desordenada, mas disse tudo o que quereria dizer sobre este tema da guerra justa. Quanto ao direito à defesa, sim! Este está bem, mas é preciso usá-lo quando for necessário
[Sylvia Wysocka, da agência de imprensa polaca Pap] O Santo Padre disse que nunca podemos justificar a violência. Tudo o que está a suceder agora na Ucrânia é pura violência, morte, é a destruição total por parte da Rússia. Na Polónia, temos a guerra tão perto das nossas portas, com dois milhões de refugiados. Gostaria de perguntar se, na sua opinião, há uma linha vermelha para além da qual não se deveria dizer: estamos abertos ao diálogo com Moscovo? Porque muitos têm dificuldade em compreender esta disponibilidade. E gostaria também de perguntar se a próxima viagem será a Kiev.
A esta pergunta responderei, mas preferia que se fizessem, primeiro, as perguntas sobre a viagem. Entretanto dou resposta a esta… Respondo, mas, por favor, que as próximas sejam sobre a viagem. E depois, se houver tempo, vemos outros temas.
Penso que é sempre difícil compreender o diálogo com um Estado que iniciou a guerra, e parece que o primeiro passo partiu dele, daquele lado. É difícil, mas não devemos descartá-lo. Há que dar oportunidade de diálogo a todos. Sim, a todos! Pois existe sempre a possibilidade de que, no diálogo, as coisas possam mudar, oferecendo até outro ponto de vista, outro ponto de consideração. Não excluo o diálogo com qualquer uma das potências que estejam em guerra, incluindo com o agressor... Às vezes acontece a possibilidade de fazer o diálogo assim, e deve-se dialogar; repugna o diálogo, mas deve ser feito. Proporcionar sempre um passo mais, uma mão estendida, sempre! Caso contrário, fechamos a única porta razoável para a paz. Às vezes, não aceitam o diálogo: é pena! Mas o diálogo sempre se deve fazer, ao menos oferecê-lo… Isto faz bem mesmo a quem o oferece, faz respirar.
[Loup Besmond de Senneville, La Croix] Obrigado, Santidade! Muito obrigado por esta viagem, por estes dias na Ásia central. Durante esta viagem, falou-se muito de valores e de ética. Em particular durante o congresso inter-religioso, foi evocada por alguns líderes religiosos a perdição do Ocidente devido à sua degradação moral. Qual é a sua opinião sobre isto? Considera que o Ocidente esteja num estado de «per dição», ameaçado pela perda dos seus valores? Penso de modo particular no debate que existe nalguns países sobre a eutanásia, sobre o fim da vida, que teve lugar em Itália, mas também em França e na Bélgica.
É verdade que o Ocidente, em geral, neste momento não está no mais alto nível de exemplaridade. Não é — poderíamos dizer — um «menino da primeira comunhão». Verdadeiramente não o é! O Ocidente embocou por caminhos errados. Pensemos, por exemplo, na injustiça social que existe entre nós: há países que se desenvolveram na justiça social, mas penso no meu continente, na América Latina, que é Ocidente. Pensemos também no Mediterrâneo: é Ocidente, constituindo hoje o maior cemitério não só da Europa, mas da humanidade. Que perdeu o Ocidente para se esquecer de acolher, quando, pelo contrário, precisa de gente? Quando se pensa no inverno demográfico que temos… precisamos de gente. Na Espanha — na Espanha sobretudo, mas também na Itália — há povoações vazias: só vinte velhinhas, e depois nada. Mas, por que não fazer uma política do Ocidente tal que os migrantes sejam inseridos, seguindo o princípio de que o migrante deve ser acolhido, acompanhado, promovido e integrado? Isto é muito importante: integrar. Mas não! Há uma lacuna na compreensão dos valores e, todavia, o Ocidente já passou por esta experiência: somos países que migraram. No meu país — penso que sejam 49 milhões neste momento — o número de aborígenes é inferior a um milhão, sendo todos os outros de origem migrante. Todos: espanhóis, italianos, alemães, eslavos, polacos, da Ásia Menor, libaneses, todos... Lá misturou-se o sangue, e esta experiência ajudou-nos imenso. Entretanto, por motivos políticos, as coisas não vão bem nos países latino-americanos, mas penso que, neste momento, a migração deve ser considerada seriamente, porque faz elevar um pouco o valor intelectual e cordial do Ocidente. De contrário, com este inverno demográfico, para onde vamos? O Ocidente está em decadência neste ponto, decaiu um pouco, perdeu... Pensemos na parte económica: faz-se tanto bem, tanto bem, mas pensemos no ardor político e místico de Schuman, Adenauer, De Gasperi: grandes assim, onde estão hoje? Há grandes, mas não conseguem arrastar uma sociedade. O Ocidente precisa de falar, respeitar-se... Depois há o perigo dos populismos. Que sucede num Estado sociopolítico deste género? Nascem os «messias»: os messias dos populismos. Algumas coisas fazem-nos ver como nascem os populismos. Acho que já mencionei algumas vezes o livro Síndrome 1933, de Ginzberg: nele mostra-se exatamente como nasceu um populismo na Alemanha, depois da queda do governo de Weimar. Os populismos nascem assim: quando temos metade sem força, e alguém lhe promete o messias. Concluindo: penso que nós, ocidentais, não estejamos ao mais alto nível para ajudar os outros povos. Mas, estamos um pouco em decadência? Talvez sim, mas devemos retomar os valores, os valores da Europa, os valores dos pais que fundaram a União Europeia, os grandes. Não sei se respondi. Talvez um pouco confuso, mas acho que sim.
E a eutanásia?
Matar não é humano, ponto final. Mesmo se matas com motivos, acabarás por matar sempre mais. Não é humano. Matar: deixemo-lo às feras.
[Iacopo Scaramuzzi, La Repubblica] Boa noite, Santo Padre. Continuo na linha desta última pergunta. Nos seus discursos, salientou a ligação entre valores, valores religiosos, e a vivacidade da democracia. Segundo o Santo Padre, que falta ao nosso continente, à Europa? Que deveria ela aprender doutras experiências? E, se me permite, acrescentaria: já que na Itália, dentro dalguns dias, há um exercício democrático — vota-se — e haverá um novo governo, quando o Santo Padre encontrar o próximo ou a próxima Primeiro-ministro, que lhe aconselhará? Na sua opinião, quais são as prioridades para a Itália, as suas preocupações, os riscos a evitar?
Acho que já respondi a isto na viagem passada. Conheci dois presidentes italianos, de altíssimo nível: Napolitano e o atual. Grandes. Os outros políticos, não os conheço. Na última viagem, referi a pergunta que fiz a um dos meus secretários: Quantos governos teve a Itália neste século? — Vinte. Não sei como explicar isso! Não condeno, nem critico: simplesmente não sei explicar. Se os governos mudam assim, há muitas perguntas a fazer. Porque, hoje, ser político é um caminho difícil. Falo de ser um grande político: um político que se bate pelos valores da pátria, os grandes valores, e não por interesses, isto é, pela poltrona, pelo seu bem-estar... Os países, e entre eles a Itália, devem procurar os grandes políticos, aqueles que tenham a capacidade de fazer política, que é uma arte. A política é uma nobre vocação. Um dos Papas, não sei se Pio xii ou São Paulo vi , disse que a política é uma das mais altas formas de caridade. Devemos lutar para ajudar os nossos políticos a manter o nível da alta política, não a política de baixo nível que não ajuda em nada, antes pelo contrário, deita abaixo o Estado e empobrece-o. Hoje, nestes países da Europa, a política deveria assumir, por exemplo, os problemas do inverno demográfico, do progresso industrial, do desenvolvimento natural, o problema dos migrantes... A política deveria debruçar-se a sério sobre os problemas, para se progredir. Falo da política em geral. A política italiana, não a entendo: basta pensar naquela cifra de vinte governos em vinte anos… um pouco estranho! Mas — sabes? — cada um tem o seu jeito de dançar o tango; pode-se dançar de um modo ou de outro, e a política dança-se de um modo ou de outro.
A Europa deve receber experiências doutras partes: algumas ajudarão a melhorar, outras não servirão. Mas deve estar aberta, cada continente deve estar aberto à experiência dos outros.
[Elise Harris Allen, Crux] Viva, Santo Padre! Obrigada por estar connosco nesta noite. Ontem, no Congresso, Vossa Santidade falou sobre a importância da liberdade religiosa. Como sabe, no mesmo dia chegou à cidade também o Presidente da China, país onde, há muito tempo, existem grandes preocupações a propósito disto, sobretudo agora com o julgamento que se está a realizar precisamente nestes dias contra o cardeal Zen. O Santo Padre considera o julgamento contra ele uma violação da liberdade religiosa?
Para compreender a China é preciso um século, e nós não vivemos um século. A mentalidade chinesa é uma mentalidade rica e, quando adoece um pouco, perde a riqueza, é capaz de cometer erros. Para compreender, nós escolhemos a via do diálogo, estamos abertos ao diálogo. Há uma comissão bilateral Vaticano-China, que está a funcionar, lentamente porque o ritmo chinês é lento; eles têm uma eternidade para avançar: é um povo de infinita paciência. Mas, pelas experiências que tivemos antes (penso nos missionários italianos que foram para lá sendo respeitados como cientistas; penso, mesmo atualmente, em muitos sacerdotes ou pessoas crentes que foram chamados pela universidade chinesa, porque valorizam a cultura), não é fácil entender a mentalidade chinesa, mas deve ser respeitada. Eu sempre a respeito. E aqui no Vaticano há uma comissão de diálogo que funciona bem. É presidida pelo cardeal Parolin, sendo ele, neste momento, o homem que mais conhece acerca da China e do diálogo chinês. É uma coisa lenta, mas sempre se dão passos em frente. Não me apetece qualificar a China como antidemocrática, porque é um país tão complexo, com os seus ritmos próprios... É verdade que há coisas que, a nossos olhos, parecem não ser democráticas. Isto é verdade! O cardeal Zen, idoso, será julgado nestes dias, creio eu. Ele diz o que sente, e vê-se que lá existem limitações. Mais do que qualificações — porque é difícil, e não me apetece qualificar — são impressões; mais do que qualificar, procuro apoiar a via do diálogo. Depois, no diálogo, esclarecem-se muitas coisas; e não só da Igreja, mas também doutros setores. Por exemplo, a extensão da China: os governadores das províncias são todos diversos, há culturas diferentes dentro da China. É um gigante! Compreender a China é uma coisa gigantesca. É preciso não perder a paciência! Esta serve, e muito… Devemos continuar com o diálogo. Procuro abster-me de a qualificar, porque talvez seja verdade, mas continuemos em frente.
E Xi Jinping?
Realizava lá uma visita de Estado, mas eu não o vi.
[Maria Angeles Conde Mir, Rome Reports] Na Declaração que assinaram, todos os líderes sublinham um apelo aos governos e às organizações internacionais para que sejam protegidas as pessoas perseguidas por causa da própria etnia ou religião. Isto, infelizmente, é o que está a acontecer na Nicarágua. Sabemos que o Santo Padre falou disto, durante o Angelus, a 21 de agosto passado; mas pode porventura acrescentar algo mais para o povo católico sobretudo da Nicarágua? Outra coisa ainda: Vimos Vossa Santidade bem nesta viagem. Gostaríamos de saber se poderá retomar aquela viagem à África, que teve de adiar, e se haverá outras viagens, se há alguma programada.
A propósito da Nicarágua, todas as notícias são claras. Há diálogo; neste momento, há diálogo. Falou-se com o governo, há diálogo. Isto não significa que se aprove tudo o que o governo faz ou que se desaprove tudo. Não. Há diálogo e, quando há diálogo, é porque há necessidade de resolver problemas. Neste momento, há problemas. Pelo menos espero que voltem as Irmãs de Madre Teresa de Calcutá. Estas mulheres são boas revolucionárias, mas do Evangelho! Não fazem a guerra a ninguém. Antes, todos precisamos destas mulheres. Este é um gesto que não se compreende! Esperamos, porém, que se resolva a situação e voltem. Entretanto há que continuar com o diálogo. Nunca, nunca cessar o diálogo. Há coisas que não se compreendem! Colocar na fronteira um Núncio é uma coisa grave diplomaticamente, até por que o Núncio é uma boa pessoa que agora foi nomeada para outro lugar. Estas coisas são difíceis de compreender e até mesmo de engolir. Mas não é o único caso. Na América Latina, existem aqui e além situações deste tipo.
Quanto às viagens, é custoso. O joelho ainda não sarou, mas a próxima fá-la-ei. No outro dia, falei com o bispo D. Welby e vimos, em fevereiro, uma possibilidade para ir ao Sudão do Sul. E, se for ao Sudão do Sul, vou ao Congo. Estamos a tentar se é possível, porque devemos ir juntos os três: o Chefe da Igreja Presbiteriana da Escócia, D. Welby e eu. No outro dia, tivemos um encontro via zoom para ajustar estas coisas.
[Alexey Gotovskiy, Ewtn (vive e trabalha em Roma mas é originário do Cazaquistão] Obrigado, Santo Padre, por ter visitado o nosso país! Gostaria de lhe perguntar: os católicos que vivem no Cazaquistão, onde o contexto é predominantemente muçulmano, como podem realizar a evangelização num contexto assim? Há qualquer coisa que lhe inspirou a vista dos católicos no Cazaquistão?
Quanto à segunda: terem inspirado, não sei! Mas hoje, na Catedral, fiquei feliz ao ver os católicos tão entusiasmados, felizes, alegres! Esta é a impressão que levo dos católicos cazaques.
Depois, a convivência com os muçulmanos: é um ponto sobre o qual se trabalha bastante e estamos adiantados... e não só no Cazaquistão. Pense em algum país do norte da África: existe uma bela convivência, por exemplo, em Marrocos. Lá existe um diálogo bastante bom.
E detenho-me sobre o encontro inter-religioso: alguém criticava-o dizendo-me: «Mas isto é fomentar, fazer crescer o relativismo». Não houve nada de relativismo! Cada um disse a sua, todos respeitavam a posição do outro, mas dialoga-se como irmãos. Porque, se não houver diálogo, há ignorância ou guerra. É melhor viver como irmãos: temos algo em comum, somos todos humanos. Vivamos como humanos, bem educados: tu que pensas, eu que penso? Ponhamo-nos de acordo em conversar um pouco: conheçamo-nos. Frequentemente estas mal-entendidas guerras «de religião» originam-se por falta de conhecimento. E isto não é relativismo! Não renuncio à minha fé, se dialogar com a fé de outro. Antes pelo contrário, honro a minha fé porque outro a escuta e eu escuto a dele. Muito me maravilhou que um país tão jovem, com tantos problemas — o clima, por exemplo — tenha sido capaz de realizar sete edições de tal Encontro Inter-religioso: um encontro mundial, com judeus, cristãos, muçulmanos, religiões orientais... À mesa, via-se que todos falavam e se ouviam uns aos outros com respeito. Esta é uma das coisas boas que fez o teu país. Um país assim, um pouco — digamos — na esquina do mundo, pôde fazer uma convocação deste género. Esta é a impressão que me deu. Depois a cidade — como já disse — é de uma beleza arquitetónica de primeira categoria. E também as preocupações do governo: muito me impressionaram as preocupações culturais do Presidente do Senado: tinha a seu cargo a realização deste Encontro, mas ainda encontrou tempo para me apresentar um jovem cantor: «O Santo Padre deve conhecer este jovem aberto à cultura». Isto, eu não o esperava; e fiquei feliz por vos conhecer.
[Rudolf Gehrig, Ewtn] Santo Padre, muitas Igrejas na Europa, como a alemã, sofrem perdas graves de crentes: os jovens já não parecem intencionados a ir à Missa ao domingo. Quão preocupado está com esta tendência e que deseja fazer?
Em parte, é verdade; mas, em parte, é relativo. É verdade que o espírito de secularização, de relativismo põe em discussão estas coisas. Isto é verdade. E o que se deve fazer é, antes de tudo, ser coerente com a própria fé. Pensemos! Se és um bispo ou um padre que não é coerente, os jovens têm «faro» e… adeus, foram-se! Quando uma Igreja, seja ela qual for, nalgum país ou num dos seus setores, pensa mais no dinheiro, no crescimento, nos planos pastorais e não na pastoral, e para isso se encaminha, isto não atrai as pessoas. Há três anos, quando escrevi aquela carta ao povo alemão, houve alguns pastores que a publicaram… Depende da pessoa, isto é, quando o pastor se sente perto do povo, diz para si mesmo «o povo deve conhecer o que pensa o Papa». Acho que os pastores devem seguir em frente, mas se os pastores perderam o odor das ovelhas e as ovelhas perderam o odor do pastore, não se avança.
Às vezes (falo de todos, em geral; não da Alemanha, mas de todos) pensa-se no modo como renovar, como tornar mais moderna a pastoral: isto está bem, contanto que esteja nas mãos de um pastor. Mas, se a pastoral estiver nas mãos dos «cientistas» da pastoral, que opinam aqui e o que se deve fazer lá, não resulta. Jesus fez a Igreja com pastores, não com guias políticos. Fez a Igreja com gente ignorante: os Doze eram todos ignorantes, um mais do que o outro, e todavia a Igreja singrou, porquê? Pelo «faro»: o «faro» do rebanho para com o pastor e do pastor com o rebanho. Esta é relação maior que vou verificar quando há crise num lugar, numa província, sei lá… em qualquer coisa. Pergunto-me: o pastor está em contacto, está perto do rebanho? Este rebanho… tem um pastor ou não? O problema são os pastores. Sobre isto, gostaria de te sugerir que lesses o comentário de Santo Agostinho [a Ezequiel 34] sobre os pastores: lê-se numa hora, mas é das coisas mais sábias que foram escritas para pastores. E com aquilo podes qualificar este ou aquele pastor. Não se trata de modernizar. Sim! Deve manter-se atualizado com os métodos — isto, sim — mas, se falta o coração do pastor, nenhuma pastoral funciona. Nenhuma.