A missa por ocasião da festa da Exaltação da Santa Cruz foi presidida pelo Papa Francisco na tarde de 14 de setembro, na praça da Expo de Nur-Sultan. Eis o texto da homilia pronunciada pelo Pontífice.
A cruz é um patíbulo de morte, mas, neste dia de festa, celebramos a exaltação da Cruz de Cristo. Porque, naquele madeiro, Jesus tomou sobre si o nosso pecado e o mal do mundo, e derrotou-os com o seu amor. É por isso que fazemos festa hoje. A Palavra de Deus que escutamos narra-nos isso mesmo, contrapondo, por um lado, as serpentes que mordem e, por outro, a serpente que salva. Detenhamo-nos sobre estas duas imagens.
Em primeiro lugar, as serpentes que mordem. Atacam o povo, que se deixou cair mais uma vez no pecado da murmuração. Murmurar contra Deus não significa apenas falar mal e lamentar-se d’Ele; quer dizer também, e mais profundamente, que, no coração dos israelitas, esmoreceu a confiança n’Ele, na sua promessa. Com efeito, o povo de Deus encontrava-se a caminhar no deserto rumo à Terra Prometida e sente-se dominado pelo cansaço, não suporta a viagem (cf. Nm 21, 4). Então desanima, perde a esperança e, a certa altura, é como se esquecesse a promessa do Senhor: aquelas pessoas já não têm a força de acreditar que é Ele quem guia o seu caminho para uma terra rica e fecunda.
Não é por acaso que o povo, tendo-se esgotado a confiança em Deus, acaba mordido por serpentes que matam. Eles lembram-se da primeira serpente de que fala a Bíblia no livro do Génesis: o tentador que envenena o coração do homem para o fazer duvidar de Deus. De facto, o diabo, precisamente sob a forma de serpente, enfeitiça Adão e Eva, gera neles a desconfiança convencendo-os de que Deus não é bom, antes é invejoso da sua liberdade e felicidade. E agora, no deserto, voltam as serpentes, «serpentes ardentes» (Nm 21, 6); isto é, volta o pecado das origens: os israelitas duvidam de Deus, não se fiam d’Ele, murmuram, rebelam-se contra Aquele que lhes deu a vida e, assim, vão ao encontro da morte. Eis aonde leva a desconfiança do coração!
Queridos irmãos e irmãs, esta primeira parte da narração pede para vermos atentamente os momentos da nossa história pessoal e comunitária nos quais veio a faltar a confiança no Senhor e entre nós. Quantas vezes estiolamos, desanimados e impacientes, nos nossos desertos, perdendo de vista a meta do caminho! Aqui, no Cazaquistão, também existe o deserto que, a par da paisagem esplêndida que nos oferece, fala-nos simultaneamente do cansaço, da aridez que às vezes trazemos no coração: são os momentos de cansaço e de prova, em que já não temos forças para olhar para cima, olhar para Deus; são as situações de vida pessoal, eclesial e social em que somos mordidos pela serpente da desconfiança, injetando em nós os venenos da desilusão e do desconsolo, do pessimismo e da resignação, fechando-nos no nosso eu, apagando o entusiasmo.
Mas, na história desta terra, não faltaram outras mordeduras dolorosas: penso nas serpentes ardentes da violência, da perseguição ateísta, penso naquele caminho por vezes conturbado durante o qual foi ameaçada a liberdade do povo e ferida a sua dignidade. Faz-nos bem guardar a recordação daquilo que sofremos: certas brumas, é preciso não as cancelar da memória; caso contrário, pode-se pensar que sejam água passada e que o caminho do bem esteja delineado para sempre. E não! A paz nunca está conquistada de uma vez por todas; há de ser conquistada cada dia, como também a convivência entre etnias e tradições religiosas diversas, o desenvolvimento integral, a justiça social. E, para que o Cazaquistão cresça ainda mais «na fraternidade, no diálogo e na compreensão (...) para “lançar pontes” de cooperação solidária com os outros povos, nações e culturas» ( São João Paulo II , Discurso na cerimónia de boas-vindas, 22 de setembro de 2001), há necessidade do empenho de todos. E ainda antes há necessidade de um renovado ato de confiança no Senhor: olhar para cima, olhar para Ele, aprender com o seu amor universal e crucificado.
Passamos assim à segunda imagem: a serpente que salva. Enquanto o povo vai morrendo por causa das serpentes ardentes, Deus escuta a oração de intercessão de Moisés e diz-lhe: «Faz para ti uma serpente abrasadora e coloca-a num poste. Sucederá que todo aquele que tiver sido mordido, se olhar para ela, ficará vivo» (Nm 21, 8). De facto, «quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, vivia» (21, 9). Poderíamos, porém, interrogar-nos: porque é que Deus, em vez de dar estas instruções laboriosas a Moisés, não destruiu simplesmente as serpentes venenosas? Este modo de proceder revela-nos o seu modo de agir perante o mal, o pecado e a difidência da humanidade. Então como agora, na grande batalha espiritual que habita a história até ao fim, Deus não aniquila as baixezas que o homem segue livremente: as serpentes venenosas não desaparecem, continuam a existir; estão à espreita, sempre podem morder. Que mudou então? Que faz Deus?
Jesus explica-o no Evangelho: «Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, a fim de que todo o que n’Ele crê tenha a vida eterna» (Jo 3, 14-15). Eis aqui a viragem! Chegou entre nós a serpente que salva: Jesus, elevado no poste da cruz, não permite às serpentes venenosas, que nos assaltam, não lhes permite levar-nos à morte. Perante as nossas baixezas, Deus aponta-nos uma nova altura: se mantivermos o olhar voltado para Jesus, as mordeduras do mal já não nos podem dominar, porque Ele, na cruz, tomou sobre si o veneno do pecado e da morte, e aniquilou a sua força destruidora. Aqui temos o que fez o Pai perante a propagação do mal no mundo; deu-nos Jesus, que se aproximou de nós como nunca poderíamos ter imaginado: «Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós» (2 Cor 5, 21). Tal é a grandeza infinita da misericórdia divina: Jesus que se “fez pecado” em nosso favor, Jesus que na cruz — poderíamos dizer — “se fez serpente” a fim de que, olhando para Ele, possamos resistir às mordeduras venenosas das serpentes malignas que nos assaltam.
Irmãos e irmãs, esta é a estrada, a estrada da nossa salvação, do nosso renascimento e ressurreição: olhar para Jesus crucificado. Daquela altura, podemos ver de maneira nova a nossa vida e a história dos nossos povos. Porque, a partir da Cruz de Cristo, aprendemos o amor, não o ódio; aprendemos a compaixão, não a indiferença; aprendemos o perdão, não a vingança. Os braços abertos de Jesus são o abraço de ternura com que Deus nos quer acolher. E mostram-nos a fraternidade que somos chamados a viver entre nós e com todos. Indicam-nos o caminho, o caminho cristão: não o da imposição e constrição, da força e da exuberância; nunca o que levanta a cruz de Cristo contra outros irmãos e irmãs por quem Ele deu a vida! É outro o caminho de Jesus, o caminho da salvação: é o caminho do amor humilde, gratuito e universal, sem “se” nem “mas”.
Sim, porque, no madeiro da cruz, Cristo tirou o veneno à serpente do mal, e ser cristão significa viver sem venenos: não nos mordermos entre nós, não murmurar, não acusar, não criticar os outros, não disseminar as obras do mal, não poluir o mundo com o pecado e a desconfiança que vem do Maligno. Irmãos e irmãs, renascemos do lado aberto de Jesus na cruz: não haja em nós qualquer veneno de morte (cf. Sb 1, 14). Pelo contrário, rezemos para que, pela graça de Deus, possamos tornar-nos cada vez mais cristãos: testemunhas alegres de vida nova, de amor, de paz.