«Os numerosos conflitos armados em curso preocupam seriamente. Eu disse que se trata de uma terceira guerra mundial “em pedaços”; hoje talvez possamos dizer “total”, e os riscos para as pessoas e para o planeta são cada vez maiores»: eis o grito de alarme lançado pelo Papa Francisco na manhã de 10 de setembro, por ocasião da audiência aos participantes na sessão plenária da Pontifícia Academia das ciências. Recebendo-os na Sala Clementina na conclusão dos trabalhos — iniciados no dia 8 na Casina Pio iv nos Jardins do Vaticano — o bispo de Roma exortou os cientistas presentes a «mobilizar todos os conhecimentos... para superar a miséria, a pobreza, as novas formas de escravidão, e evitar as guerras».
Senhor Cardeal
caros Irmãos Bispos
ilustres Senhoras e Senhores!
Dou-vos as boas-vindas por ocasião da Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências. Agradeço ao Presidente, Prof. Joachim von Braun, as suas amáveis palavras. Expresso a minha gratidão a D. Marcelo Sánchez Sorondo, que muito trabalhou como Chanceler ao serviço desta Academia e da Academia das Ciências Sociais. Que o Senhor o recompense e o encha de bênçãos; e formulamos-lhe os melhores votos pelo seu 80º aniversário e por um feliz tempo de reforma! E deixemos que os outros governem. Em frente, coragem! E demos as boas-vindas ao novo Chanceler, Cardeal Peter Turkson: obrigado por ter aceite, Eminência!
O tema da vossa Sessão Plenária é “Ciência de base para o desenvolvimento humano, a paz e a saúde planetária”. Uma perspetiva que tem presentes as questões-chave que a humanidade enfrenta neste momento da história.
Mas em primeiro lugar, gostaria de responder a uma pergunta que não poucas pessoas fazem: por que os Papas, a partir de 1603, quiseram ter uma Academia das Ciências? Nenhuma outra instituição religiosa que eu conheça tem uma Academia como esta, e muitos líderes religiosos interessaram-se por criar uma semelhante. Deixando a outros as reconstruções históricas, apraz-me interpretar esta escolha hoje, no horizonte do amor e do cuidado pela casa comum em que Deus nos colocou para viver. A Igreja partilha e promove a paixão pela investigação científica como expressão do amor pela verdade, pelo conhecimento do mundo, do macrocosmo e do microcosmo, da vida na maravilhosa sinfonia das suas formas. S. Tomás afirma que «o fim de todo o universo é a verdade» (Summa c.G., i , 1). Fazemos parte deste universo, e somo-lo com uma responsabilidade única, que nos deriva do facto de, diante da realidade, sermos capazes de maravilha e de nos perguntarmos “porquê?”. Portanto, na base há uma atitude contemplativa; e, complementarmente a ela, a tarefa de cuidar da criação. Nesta ótica, caros amigos, insere-se também o tema desta vossa Sessão Plenária.
Olhando para os anos recentes, recordo com gratidão as declarações da pas perante várias emergências, quer devido à crise alimentar e à luta contra a fome — em colaboração com o Food Summit das Nações Unidas — quer devido à saúde dos oceanos e mares, ou para reforçar a resiliência dos pobres em caso de choques climáticos. Também foram importantes os esforços para ajudar a reconstruir bairros pobres de modo sustentável, aplicando a bioeconomia; bem como a ação orientada para a equidade, a fim de enfrentar os problemas de saúde causados pela pandemia de Covid. Não menos relevante é o trabalho para a instituição de padrões internacionais sobre doação e transplante de órgãos na luta contra o tráfico de seres humanos; e também para a promoção de uma nova ciência da reabilitação médica dos idosos e dos pobres. Além disso, aprecio particularmente o esforço para envolver a ciência e a política para prevenir a guerra nuclear e os crimes de guerra contra as populações civis. Felicito-me com todos aqueles que participaram ativamente, especialmente com o Professor Von Braun, pela sabedoria e dedicação com que trouxe novidade à vida da Academia. Viu nos desafios atuais oportunidades científicas específicas, para os enfrentar, trabalhando com cientistas que possam ajudar a resolver os problemas.
Nesta Sessão Plenária, realçais a “ciência de base”, que nos oferece muitos novos conhecimentos sobre a Terra, o universo e, nele, o lugar dos seres humanos. Congratulo-me convosco porque mantendes o objetivo de unir a ciência básica à resolução dos desafios atuais; unir a astronomia, a física, a matemática, a bioquímica e a ciência climática à filosofia, ao serviço do desenvolvimento humano, da paz e da saúde do planeta. Esta abordagem unitiva é muito importante pois, na medida em que as conquistas das ciências aumentam a nossa admiração perante a beleza e a complexidade da natureza, sentimos a necessidade crescente de estudos interdisciplinares, ligados à reflexão filosófica, que levem a novas sínteses. Esta visão interdisciplinar, se tiver em conta também a Revelação e a teologia, poderá contribuir para dar respostas às últimas questões da humanidade, que são levantadas também pelas novas gerações, às vezes desorientadas.
Com efeito, as conquistas científicas deste século devem ser sempre guiadas pelas exigências da fraternidade, da justiça e da paz, contribuindo para resolver os grandes desafios que a humanidade e o seu habitat enfrentam. Também neste sentido, a Pontifícia Academia das Ciências é única na sua estrutura, composição e objetivos, que visam sempre a partilha dos benefícios da ciência e da tecnologia com o maior número de pessoas, sobretudo as mais necessitadas e desfavorecidas; e assim, ela visa também a libertação das várias formas de escravidão, como o trabalho forçado, a prostituição e o tráfico de órgãos. Estes crimes contra a humanidade, que andam de braços dados com a pobreza, também ocorrem nos países desenvolvidos, nas nossas cidades. O corpo humano nunca pode ser, nem em parte nem na sua integridade, objeto de comércio! Alegro-me que a pas está ativamente comprometida em apoiar estes objetivos e gostaria que continuasse a fazê-lo com uma intensidade compatível com a crescente necessidade.
Em síntese, os resultados positivos da ciência neste século xxi dependerão, em grande medida, da capacidade que os cientistas tiverem de procurar a verdade e de aplicar as descobertas de modo que estejam em sintonia com a pesquisa do que é certo, nobre, bom e belo. Aguardo com interesse os resultados dos vossos trabalhos; serão também importantes para as instituições educacionais e para as jovens gerações.
Estimados Membros da Academia, neste momento da história, peço-vos que promovais conhecimentos que visem a construção da paz. Após as duas trágicas guerras mundiais, parecia que gradualmente o mundo tinha aprendido a progredir no sentido do respeito pelos direitos humanos, pelo direito internacional e pelas várias formas de cooperação. Mas infelizmente, a história mostra sinais de regressão. Não só se intensificam conflitos anacrónicos, mas também renascem nacionalismos fechados, exasperados e agressivos (cf. Enc. Fratelli tutti, 11), bem como novas guerras de domínio, que atingem civis, idosos, crianças e doentes, causando destruição em toda a parte. Os numerosos conflitos armados em curso preocupam seriamente. Eu disse que se tratava de uma terceira guerra mundial “em pedaços”; hoje talvez possamos dizer “total”, e os riscos para as pessoas e para o planeta são cada vez maiores. São João Paulo ii deu graças a Deus porque, por intercessão de Maria, o mundo tinha sido preservado da guerra atómica. Infelizmente, devemos continuar a rezar para evitar este perigo, que há muito tempo já devia ter sido evitado.
É necessário mobilizar todos os conhecimentos baseados na ciência e na experiência para superar a miséria, a pobreza, as novas formas de escravidão, e para evitar guerras. Rejeitando certas investigações, inevitavelmente destinadas, em circunstâncias históricas concretas, a fins de morte, os cientistas do mundo podem unir-se numa comum disponibilidade a desarmar a ciência e formar uma força de paz. Em nome de Deus, que criou todos os seres humanos para um destino comum de felicidade, hoje somos chamados a dar testemunho da nossa essência fraterna de liberdade, justiça, diálogo, encontro mútuo, amor e paz, evitando de alimentar ódio, ressentimento, divisão, violência e guerra. Em nome de Deus que nos deu o planeta para o salvaguardar e desenvolver, hoje somos chamados à conversão ecológica para salvar a casa comum e a nossa vida, bem como a das gerações futuras, em vez de aumentar as desigualdades, a exploração e a destruição.
Prezados Académicos, caros amigos, encorajo-vos a continuar a trabalhar pela verdade, liberdade, diálogo, justiça e paz. Hoje como nunca, a Igreja católica é aliada dos cientistas que seguem esta inspiração, e isto também graças a vós! Asseguro-vos as minhas orações e, respeitando as vossas convicções, invoco sobre cada um de vós a bênção de Deus. E também vós, por favor, à vossa maneira, orai por mim. Obrigado!