«Centrar-se de novo na Palavra e ser mulheres “que amam sem medida”», foi a recomendação confiada pelo Papa às religiosas participantes no capítulo geral das Filhas da Caridade canossianas, recebidas em audiência na manhã de 26 de agosto, na Sala do Consistório.
Estimadas irmãs
bom dia e bem-vindas!
Agradeço à Superiora-Geral a sua saudação e a apresentação deste Capítulo. E agradeço à irmã que vai embora, após oito anos, e regressa ao seu país. Gostaria de partilhar convosco algumas reflexões sugeridas pelo tema que orienta o vosso trabalho.
Antes de mais, mulheres da Palavra. Como Maria. Porque as mulheres falam sempre, mas é preciso falar como Maria, o que é diferente. Ela é a mulher da Palavra, é a discípula. Olhando para ela, e também dialogando com ela em oração, podeis aprender sempre novamente o que significa ser “mulheres da Palavra”. O que nada tem a ver com “mulheres da tagarelice”! Por favor não confundais isto, que não haja tagarelices entre vós! As idosas podem testemunhar às jovens uma maravilha que não diminui, uma apreciação que cresce com a idade, um acolhimento da Palavra que se torna mais plena, mais concreta, mais encarnada na vida. E as jovens podem testemunhar às anciãs o entusiasmo das descobertas, os impulsos do coração que, em silêncio, aprende a ressoar com a Palavra, a deixar-se surpreender, até a pôr-se em questão, para crescer na escola do Mestre. E aquelas de meia-idade, o que fazem? Correm mais riscos – estai atentas! — porque é uma idade de passagem, com certas ciladas — as crises dos 40, 45, conhecei-las — mas sobretudo porque é a fase de maiores responsabilidades e é fácil cair no ativismo, mesmo sem o perceber. Então já não são mulheres da Palavra, mas mulheres do computador, mulheres do telefone, mulheres da agenda, e assim por diante. Portanto, bem-vindo este lema para todas! Para se pôr novamente na escola de Maria, voltar a centrar-se na Palavra e ser mulheres “que amam sem medida”. A Palavra no centro, não o ativismo.
Este é o segundo elemento do tema: amar sem medida. Há um ditado que diz que “a medida do amor é amar sem medida”. É uma capacidade que vem do Espírito Santo; não vem de nós, do nosso esforço; vem de Deus, que ama sempre sem medida. E está sempre à nossa espera. A paciência de Deus para connosco comove-me. Vede como é paciente este Pai que temos! Esta qualidade de ser sem medida é própria do amor de Deus; contudo, este amor — diz São Paulo — «foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido» (Rm 5, 5). Então é possível amar sem medida dando espaço ao Espírito e à sua ação na nossa vida. Esta é a santidade. Mulheres do Espírito, como Maria. Deixar que seja o Espírito a levar-te em frente. Corações abertos ao Espírito.
De facto, o tema do vosso Capítulo fala de “reconfiguração para uma vida de santidade” — reconfiguração: a palavra é bela, gosto dela — e acrescenta: “na e para a missão, hoje”. Santidade e missão são dimensões constitutivas da vida cristã e são inseparáveis entre elas. Podemos dizer sinteticamente assim: cada santo, cada santa é uma missão (cf. Exort. ap. Gaudete et exsultate, 19).
Demonstra-o bem o testemunho de Madalena de Canossa. Ela sentia-se chamada a entregar-se inteiramente a Deus, mas ao mesmo tempo sentia também que devia estar próxima dos pobres. No seu coração de jovem havia esta dupla exigência, esta dupla pertença: a Deus e aos pobres, que no seu caso eram as pessoas das zonas periféricas de Verona. Atenção: é o Espírito que a guia, através de situações concretas, e ela deixa-se guiar; procura o próprio caminho, mas mantendo-se sempre dócil. Docilidade: nada a ver com capricho, ou teimosia: quero fazer isto... Não, docilidade ao Espírito. Este é o segredo! E assim a caridade de Cristo plasma o seu coração, molda a sua vida; no modelo da Virgem Maria, que disse “sim” desde o início, plenamente, e depois fez a sua peregrinação na fé seguindo o Filho e tornou-se plenamente mãe debaixo da Cruz. A vida de Madalena foi “configurada” à santidade de Cristo, segundo o modelo de Maria, na forma missionária concreta ditada pela realidade em que ela vivia. E este seu “sim”, dito não com a palavra, mas com os factos, foi generativo: o Senhor enviou-lhe algumas companheiras com quem partilhar o caminho da santidade e da missão. E assim chegastes a este momento.
Gostei do número de noviças que tendes: isto indica fecundidade, fecundidade da congregação. É um número de fecundidade. Pena que aqui na Europa haja poucas pessoas, mas é o inverno demográfico europeu: em vez de filhos preferem ter cães, gatos, o que é um pouco como o afeto programado: eu programo o afeto, eles dão-me afeto sem problemas. E se houver dor? Bem, há o veterinário que intervém, ponto final. E isto é uma coisa negativa. Por favor, ajudai as famílias a ter filhos. Trata-se de um problema humano, e também de um problema patriótico.
Queridas irmãs, desejais “reconfigurar-vos”, hoje, de acordo com esta forma de vida. E o segredo é sempre o mesmo: deixar-se guiar pelo Espírito Santo para amar Deus e os pobres. Mas “hoje”: é o hoje da Igreja, é o hoje da sociedade, melhor, das diversas sociedades nas quais estais presentes. Com aquelas situações de pobreza, com aqueles rostos que pedem proximidade, compaixão e ternura. “Ah, que coisa nova estás a dizer, Padre!”. Não, este é o estilo de Deus. Deus age sempre desta forma, com proximidade, compaixão e ternura. Aproxima-nos, perdoa-nos e acaricia-nos. Sempre. O estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura. Não vos esqueçais disto. É muito importante. Agradeço-vos pela vossa coragem e generosidade. Agradeço-vos pela alegria dos vossos corações e rostos. A alegria é um dos frutos do Espírito e um sinal claro do Evangelho, especialmente quando transparece na partilha com os irmãos e as irmãs em condições de dificuldade e marginalização. É a alegria. E também na partilha com as irmãs de comunidade. Sim, porque pode acontecer que alguém pareça estar cheio de entusiasmo no serviço aos pobres e depois, em casa, esteja por conta própria e não viva a fraternidade... Isto não é um bom sinal, porque reclamam: “Esta superiora...”, aquele outro, aquele problema... Na diocese de antes [Buenos Aires] havia uma religiosa que tinha este hábito de se queixar, e todos a chamavam “irmã rabugenta”. Nenhuma de vós é “irmã rabugenta”, mas a tentação de reclamar, de criticar... isto faz mal ao corpo, faz mal. “Mas, Padre, apetece-me!”. E vai, diz à pessoa: “Tu tens este defeito”; ou, então diz a quem pode resolver. Mas o que ganhas indo ter com as irmãs e dizer: “Mas olha isto, isso, aquilo...!” Isto é mexerico, que faz muito mal e faz morrer a Palavra de Deus. “É difícil, Padre, resolver o problema da tagarelice, porque vem espontâneo o comentário...”. Sim, é como o doce, que se insinua... Mas há um bom remédio, contra a tagarelice, e é muito simples: se tiveres a tentação de tagarelar sobre os outros, morde a tua língua, assim incha bem e não conseguirás falar. Compreendeste? Por favor, nada de mexerico, ele mata a vida da comunidade.
Gostaria de acrescentar duas coisas. A primeira sobre a dimensão comunitária, e tiro-a da Exortação Gaudete et exsultate. «A santificação é um caminho comunitário [...]. Viver e trabalhar com outros é, sem dúvida, um caminho de crescimento espiritual. Partilhar a Palavra e celebrar juntos a Eucaristia torna-nos mais irmãos e vai-nos transformando pouco a pouco em comunidade santa e missionária» (141-142). Não pensemos nas grandes coisas, mas nos detalhes do dia-a-dia. Como na família, é ali que se vê a caridade: «A comunidade, que guarda os pequenos detalhes do amor e na qual os membros cuidam uns dos outros e formam um espaço aberto e evangelizador, é lugar da presença do Ressuscitado que a vai santificando segundo o projeto do Pai» (145). Cuidai disto nas comunidades: uma da outra. E nada de tagarelice.
A segunda ênfase, com a qual concluo, é a importância da oração de adoração. Esquecemos a oração da adoração: sabemos o que é, mas não a praticamos muito. Adorar. Adorar. Em silêncio, perante o Senhor, diante do Santíssimo Sacramento, adorar. Oração de adoração. E também aqui podeis referir-vos ao testemunho da vossa Fundadora, que, tal como outras Santas e Santos da caridade, recebia o ímpeto apostólico especialmente da permanência em adoração na presença do Senhor. Não tenhais medo de adorar: ide lá. “Mas, é chato...”. Ide adorar. Deixai que o Senhor aja. O movimento do espírito que se descentraliza de si para se centrar em Cristo — e isto é adoração: descentralizar-se — é o que torna possível um serviço ao próximo que não é pietismo nem assistencialismo, mas abertura ao outro, proximidade, partilha; numa palavra: caridade. São Paulo diria: «O amor de Cristo nos constrange» (cf. 2 Cor 5, 14).
Caras irmãs, em frente, coragem! Agradeço-vos por esta visita, e especialmente pelo que sois e fazeis na Igreja. Peço ao Espírito Santo que vos conceda luz e força para concluir bem o vosso Capítulo e para o caminho do Instituto. De coração abençoo-vos a vós e a todas as irmãs no mundo inteiro. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim: rezar a favor, não contra!