Memória, reconciliação, cura: estes foram os três «passos» da viagem que marcou a peregrinação do Papa ao Canadá de 24 a 30 de julho. Francisco quis repercorrer as suas principais etapas na manhã de quarta-feira, 3 de agosto, durante a audiência geral realizada na sala Paulo vi , realçando o significado «penitencial» da viagem e reiterando a sua proximidade aos povos indígenas, vítimas das políticas de assimilação para as quais também muitos cristãos contribuíram.
Prezados irmãos e irmãs
bom dia!
Hoje gostaria de partilhar convosco algumas reflexões sobre a viagem apostólica que fiz ao Canadá durante os últimos dias. Foi uma viagem diferente de qualquer outra. Com efeito, a principal motivação era encontrar os povos originais para lhes expressar a minha proximidade e tristeza, e pedir perdão — pedir perdão — pelo mal que lhes foi causado por aqueles cristãos, incluindo muitos católicos, que no passado colaboraram nas políticas de assimilação forçada e de resgate dos governos daquela época.
Neste sentido, foi empreendida uma viagem ao Canadá para escrever uma nova página do caminho que a Igreja percorre com os povos indígenas desde há algum tempo. E efetivamente o lema da viagem, “Caminhar juntos” explica um pouco isto. Um caminho de reconciliação e cura, que pressupõe conhecimento histórico, escuta dos sobreviventes, consciência e sobretudo conversão e mudança de mentalidade. Este estudo aprofundado mostra que, por um lado, alguns homens e mulheres da Igreja foram entre os mais resolutos e corajosos defensores da dignidade dos povos indígenas, protegendo-os e contribuindo para o conhecimento das suas línguas e culturas; mas, por outro lado, infelizmente, não faltaram cristãos, ou seja, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que participaram em programas que hoje compreendemos que são inaceitáveis e inclusive contrários ao Evangelho. E por isso fui pedir perdão em nome da Igreja.
Portanto, foi uma peregrinação penitencial. Houve muitos momentos de alegria, mas o sentido e o tom geral foram reflexão, arrependimento e reconciliação. Há quatro meses recebi no Vaticano, em grupos separados, representantes dos povos indígenas: no total houve seis reuniões, para preparar um pouco este encontro.
As grandes etapas da peregrinação foram três: a primeira, em Edmonton, na parte ocidental do país. A segunda, Québec, na parte oriental. E a terceira no norte, em Iqaluit, talvez a 3000 km do círculo polar ártico. O primeiro encontro teve lugar em Masqwacis, que significa “A colina do urso” — onde líderes e membros dos principais grupos indígenas — First Nations, Métis e Inuits — vieram de todo o país. Juntos fizemos memória: a boa memória da história milenar destes povos, em harmonia com a sua terra: esta é uma das coisas mais bonitas sobre os povos originais, a harmonia com a terra. Nunca maltratam a criação, nunca! Em harmonia com a terra. E também colhemos a dolorosa memória dos abusos que sofreram, até nas escolas residenciais, por causa das políticas de assimilação cultural.
Depois da memória, o segundo passo no nosso caminho foi o da reconciliação. Não um compromisso entre nós — isso seria uma ilusão, uma encenação — mas um deixar-nos reconciliar por Cristo, que é a nossa paz (cf. Ef 2,14). Fizemo-lo tomando como referência a figura da árvore, central na vida e na simbologia dos povos indígenas.
Memória, reconciliação e depois cura. Demos este terceiro passo do caminho nas margens do lago de Santa Ana, precisamente no dia da festa de Santos Joaquim e Ana. Todos nós podemos haurir de Cristo, fonte de água viva, e ali, em Jesus, vimos a proximidade do Pai, que nos oferece a cura das feridas e também o perdão dos pecados.
Deste percurso de memória, reconciliação e cura nasce a esperança para a Igreja, no Canadá e em toda a parte. E ali, a figura dos discípulos de Emaús que, depois de ter caminhado com Jesus ressuscitado, com Ele e graças a Ele passaram do fracasso à esperança (cf. Lc 24, 13-35).
Como disse no início, o caminho com os povos indígenas foi a espinha dorsal desta viagem apostólica. Nela se inserem os dois encontros com a Igreja local e com as Autoridades do país, e às Autoridades gostaria de renovar a minha sincera gratidão pela grande disponibilidade e pela hospitalidade cordial que me reservaram, a mim e aos meus colaboradores. Igualmente aos Bispos. Perante os Governantes, os Líderes indígenas e o Corpo diplomático, reafirmei a vontade ativa da Santa Sé e das Comunidades católicas locais de promover as culturas originais, com caminhos espirituais apropriados e com atenção aos costumes e línguas dos povos. Ao mesmo tempo, observei que a mentalidade colonizadora está hoje presente sob várias formas de colonização ideológica, ameaçando as tradições, a história e os laços religiosos dos povos, nivelando as diferenças, concentrando-se apenas no presente e negligenciando frequentemente os deveres para com os mais débeis e frágeis. Portanto, trata-se de recuperar um equilíbrio saudável, recuperar a harmonia, que é mais do que um equilíbrio, é algo diferente, recuperar a harmonia entre modernidade e culturas ancestrais, entre a secularização e os valores espirituais. E isto desafia diretamente a missão da Igreja, enviada em todo o mundo para testemunhar e “semear” uma fraternidade universal que respeita e promove a dimensão local com as suas múltiplas riquezas (cf. Enc. Fratelli tutti, 142-153). Já manifestei, mas gostaria de reiterar o meu agradecimento às Autoridades civis, à Senhora Governadora-Geral, ao Primeiro-Ministro, às Autoridades locais dos lugares que visitei: agradeço muito o modo como favoreceram a realização dos propósitos e dos gestos que mencionei. E desejo agradecer sobretudo aos Bispos pela unidade do episcopado: a realização dos objetivos da Viagem foi possível porque os Bispos estavam unidos, e onde há unidade é possível progredir. Por isso, gostaria de realçar isto e agradecer aos Bispos do Canadá por esta unidade.
E, no sinal de esperança, foi o último encontro, na terra dos Inuits, com jovens e idosos. E asseguro-vos que nestes encontros, especialmente no último, senti como uma bofetada a dor daquelas pessoas: os idosos que perderam os filhos e não sabiam onde estavam, por causa da política de assimilação. Foi um momento muito doloroso, mas era necessário encará-lo: devemos encarar os nossos erros, os nossos pecados. Até no Canadá este é um binómio-chave, jovens e idosos, um sinal dos tempos: jovens e idosos em diálogo para caminhar juntos na história entre memória e profecia, que estão de acordo. Que a fortaleza e a ação pacífica dos povos indígenas do Canadá sejam um exemplo a fim de que todos os povos nativos não se fechem, mas ofereçam a sua indispensável contribuição para uma humanidade mais fraterna, que saiba amar a criação e o Criador, em harmonia com a criação, em harmonia entre todos vós.