«Sinto-me membro
Na manhã de sexta-feira, 29 de julho, último dia da sua estadia no Canadá, o Pontífice encontrou-se num salão do arcebispado do Québec com uma delegação de povos indígenas presentes na província, aos quais dirigiu as seguintes palavras.
Queridos irmãos e irmãs
bom dia!
Saúdo-vos cordialmente e agradeço por vos terdes deslocado até aqui, vindos de vários lugares. A vastidão desta terra faz pensar na imensidade do caminho de cura e reconciliação, que estamos a percorrer juntos. De facto, a frase que nos acompanha desde março, desde quando me foram visitar a Roma os delegados indígenas, e que carateriza os momentos da minha visita aqui é Caminhar Juntos: Walking Together / Marcher Ensemble.
Vim ao Canadá como amigo para vos encontrar, para ver, ouvir, aprender, apreciar como vivem as populações indígenas deste país. Não vim como turista, vim como irmão, para descobrir pessoalmente os frutos bons e maus produzidos pelos membros da família católica local, no decurso dos anos. Vim com espírito penitencial, para vos manifestar o pesar que sentimos no coração, enquanto Igreja, pelo mal que não poucos católicos vos causaram apoiando políticas opressivas e injustas aplicadas a vós. Vim como peregrino, com as minhas limitadas possibilidades físicas, para propiciar mais passos em frente convosco e a vosso favor: para que se prossiga na busca da verdade, para que se progrida na promoção de percursos de cura e reconciliação, para que se continue para diante semeando esperança para as futuras gerações de indígenas e não indígenas que desejam viver juntos, fraternalmente, em harmonia.
Mas, já próximo da conclusão desta intensa peregrinação, quero dizer-vos que, se já vinha animado por estes desejos, volto para casa muito mais enriquecido, porque levo no coração o tesouro incomparável feito de pessoas e populações que me marcaram; tesouro de rostos, sorrisos e palavras que permanecem no meu íntimo; de histórias e lugares que não poderei esquecer; de sons, cores e emoções que vibram intensamente dentro de mim. Verdadeiramente posso afirmar que, enquanto vos visitava, as vossas realidades, as realidades indígenas desta terra, visitaram o meu íntimo: entraram em mim e sempre me acompanharão. Ouso dizer — se mo permitis — que de certo modo, agora, também eu me sinto parte da vossa família e disso me sinto honrado. A recordação da festa de Santa Ana, vivida juntamente com diferentes gerações e tantas famílias indígenas, permanecerá indelével no meu coração. Num mundo que muitas vezes, infelizmente, é individualista, quão precioso é este sentido de família e comunidade tão genuíno entre vós! E como é importante cultivar bem o vínculo entre os jovens e os idosos, e manter uma relação sadia e harmoniosa com toda a criação!
Queridos amigos, desejo confiar ao Senhor tudo o que vivemos nestes dias e a prossecução do caminho que nos espera; o que entrego também à cuidadosa solicitude de quem sabe guardar o que conta na vida: penso nas mulheres, particularmente em três delas. Primeiro, em Santa Ana, cuja ternura e proteção pude sentir ao venerá-la juntamente com um povo de Deus que reconhece e honra as avós. Segundo, penso na Santa Mãe de Deus: nenhuma criatura merece mais do que Ela ser definida peregrina, porque sempre — também hoje, mesmo agora — está a caminho: a caminho entre Céu e terra, para cuidar de nós por conta de Deus e para nos conduzir pela mão ao seu Filho. Finalmente, com frequência nestes dias, a minha oração e o meu pensamento detiveram-se numa terceira mulher que nos acompanhou com a sua suave presença e cujos restos mortais se conservam não muito longe daqui: refiro-me a Santa Catarina Tekakwitha. Veneramo-la pela sua vida santa, mas não poderemos pensar que a sua santidade de vida, caraterizada por uma dedicação exemplar à oração e ao trabalho, bem como pela capacidade de suportar com paciência e mansidão tantas provações, tenha sido possível também por certos traços nobres e virtuosos herdados da sua comunidade e do ambiente indígena onde cresceu?
Estas mulheres podem ajudar a compor, voltar a tecer uma reconciliação que garanta os direitos dos mais vulneráveis e saiba olhar a história sem rancores nem cancelamentos. Duas delas, a Santíssima Virgem Maria e Santa Catarina, receberam de Deus um projeto de vida e, sem interpelar homem algum, disseram “sim” com coragem. Estas mulheres teriam podido responder mal a todos aqueles que se opunham àquele projeto, ou então permanecer submissas às normas patriarcais de então e resignar-se, sem lutar pelos sonhos que o próprio Deus imprimira nas suas almas.
Não seguiram esta opção, mas abriram o caminho com mansidão e firmeza, com palavras proféticas e gestos decisivos, e cumpriram aquilo para que foram chamadas. Que Elas abençoem o nosso caminho comum, intercedam por nós, por esta grande obra de cura e reconciliação tão agradável a Deus. De coração vos abençoo. E peço-vos, por favor, que continueis a rezar por mim.