Após uma longa doença, o cardeal brasileiro Cláudio Hummes, religioso da ordem dos Frades menores e prefeito emérito do Dicastério para o clero, faleceu em 4 de julho, na sua casa em São Paulo. Tinha 87 anos. Nasceu em Montenegro, Rio Grande do Sul, a 8 de agosto de 1934, foi ordenado sacerdote no dia 3 de agosto de 1958. Eleito bispo titular de Carcabia a 22 de março de 1975 e nomeado coadjutor, com direito de sucessão, da diocese de Santo André e recebeu a ordenação episcopal em 25 de maio. A 29 de maio de 1996 foi promovido a arcebispo metropolitano de Fortaleza e em 15 de abril de 1998 tornou-se arcebispo metropolitano de São Paulo. No Consistório de 21 de fevereiro de 2001, foi criado e publicado cardeal do título de Santo António de Pádua na Via Merulana. A 31 de outubro de 2006 renunciou ao governo pastoral da arquidiocese de São Paulo e foi nomeado prefeito da então Congregação (agora Dicastério) para o clero, cargo ao qual renunciou a 7 de outubro de 2010. De 2015 a 2020 foi presidente da Rede eclesial pan-amazônica (Repam) e, de 29 de junho de 2020 a 27 de março de 2022, presidente da Conferência eclesial da Amazónia. O funeral foi celebrado pelo arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Pedro Scherer, a 6 de julho, na catedral da cidade, em cuja cripta foi sepultado o corpo do saudoso purpurado.
«N
a eleição, tinha ao meu lado o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e também prefeito emérito da Congregação para o clero: um grande amigo, um grande amigo! Quando o caso começava a tornar-se um pouco “perigoso”, ele animava-me. E quando os votos atingiram dois terços, surgiu o habitual aplauso, porque foi eleito o Papa. Ele abraçou-me… e disse-me: “Não te esqueças dos pobres!”… Logo depois, em relação aos pobres, pensei em Francisco de Assis». As palavras do Papa Francisco — na sua narração sobre a eleição e a escolha do nome que fez, aos representantes dos meios de comunicação recebidos em audiência na Sala Paulo vi , a 16 de março de 2013 — delineiam a figura e o testemunho do cardeal Cláudio Hummes, revelando a relação de consonância fraterna que o unia humana e pastoralmente a Jorge Mario Bergoglio.
Um homem que viveu o carisma franciscano num estilo de missão, filósofo e apaixonado pela formação dos sacerdotes, Cláudio Hummes dedicou-se generosamente à causa dos pobres e dos últimos. Com uma preocupação especial pelas populações indígenas da Amazónia, às quais dedicou todas as suas forças até ao fim.
A sua voz de denúncia ressoou sempre firme e límpida, longe de estéreis reivindicações ou contraposições ideológicas, movida apenas pela consciência de que «quando uma pessoa adere a Jesus Cristo, a consequência imediata é a preocupação pelos irmãos: Jesus Cristo ensina-nos a fraternidade, que nos leva necessariamente a combater o individualismo, o egoísmo e a avidez», como afirmou em maio de 1988, na véspera da tomada de posse da arquidiocese de São Paulo.
Não gostava de se subtrair ao diálogo e ao confronto, convencido da responsabilidade pessoal de cada cristão na construção do Reino de Deus: «Convertamo-nos nós em primeiro lugar», era a sua resposta eloquente aos que se lamentavam das crises eclesiais ou da progressiva erosão do número de fiéis brasileiros, cada vez mais orientados para a busca de conforto espiritual nas seitas.
Tendo crescido numa família de imigrantes alemães com 14 filhos, nasceu em Montenegro, no Estado do Rio Grande do Sul, de Pedro Adão e Maria Frank Hummes. Batizado com o nome Auri Afonso (escolheria mais tarde o nome Cláudio, no momento da sua profissão religiosa), completou os estudos básicos na sua cidade natal e os secundários no seminário dos Frades menores de Taquari, no Rio Grande do Sul. Entrou na ordem franciscana a 1 de fevereiro de 1952 e fez a profissão solene em 2 de fevereiro de 1956.
Estudou Filosofia em Garibaldi e Teologia em Divinópolis, no Estado de Minas Gerais. E precisamente ali foi ordenado sacerdote, em 1958, por D. João Batista Resende Costa, arcebispo coadjutor de Belo Horizonte.
De 1959 a 1963 estudou em Roma onde, na Pontifícia universidade Antonianum, obteve a licenciatura em Filosofia, com uma tese sobre a «Renovação das provas tradicionais da existência de Deus em L’Action de Maurice Blondel (1893)», publicada em Braga em 1964.
Em Roma, como franciscano, estudou no Antonianum, levando uma vida conventual. Como relatava, teve a oportunidade de viver «o início do Concílio Vaticano ii , recém-convocado». Deveria ter-se dedicado à Sagrada Escritura e ao Direito canónico, mas o seu superior provincial orientou-o para a Filosofia: do pensamento de Santo Agostinho à «filosofia moderna, sobretudo contemporânea: Marx, Heidegger, os existencialistas franceses e a neoescolástica, particularmente aquela iluminada pela reflexão transcendental de Kant».
Aquela «mudança de rumo», recordou o cardeal, seria providencial para uma melhor compreensão das profundas transformações introduzidas pelo Concílio também no âmbito da reflexão teológica. A experiência em Roma, com uma paixão pela Cidade eterna, sugeriu-lhe também uma atenção particular ao tema do ecumenismo.
E assim, reforçado pelos seus estudos, ao regressar à pátria foi professor de Filosofia no seminário franciscano de Garibaldi, colaborando na vida pastoral de uma paróquia (1963-1968). Durante aquele período, de 1965 a 1968, foi consultor para o ecumenismo na Conferência nacional dos bispos do Brasil ( cnbb ). E em 1968 a cnbb enviou-o para a Europa a fim de se especializar, sempre em questões ecuménicas, no Instituto Bossey, na Suíça.
De 1969 a 1972 foi professor e reitor da faculdade de Filosofia em Viamão. Ao mesmo tempo, em Porto Alegre, foi professor da mesma matéria na Pontifícia universidade católica e formador de jovens clérigos franciscanos. De 1972 a 1975, foi superior provincial da ordem no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
A formação dos sacerdotes foi uma das prioridades para a qual orientou toda a sua vida. E já no dia seguinte ao seu regresso de Roma, iniciou este serviço, no clima pós-conciliar e também com a crise de alguns seminários. Um trabalho que sempre realizou, até como bispo nas várias dioceses, com uma cuidadosa pastoral vocacional, sem negligenciar os aspetos mais práticos e concretos desta missão: entre eles, a construção de edifícios adequados ao iter formativo dos candidatos ao sacerdócio. O ponto básico era simples: os jovens devem ter alguém em quem possam confiar para falar sobre a sua vocação e receber a orientação apropriada.
Em 1975, foi eleito bispo titular de Carcabia e nomeado coadjutor, com direito de sucessão, de Santo André, cidade com um clima social “quente”, no principal polo industrial de São Paulo, com 250.000 metalúrgicos, sedes de multinacionais e empresas automobilísticas como a Volkswagen. Pouco tempo depois recebeu a ordenação episcopal na catedral de Porto Alegre do seu professor — considerou-se sempre um seu discípulo — Aloísio Lorscheider, cardeal arcebispo de Aparecida. Foram também consagrantes os bispos Urbano José Allgayer, então auxiliar de Porto Alegre, e Mauro Morelli, então auxiliar de São Paulo. Omnes vos fratres foi o lema episcopal escolhido.
Com o cardeal Aloísio Lorscheider, e também com D. Luciano Mendes de Almeida, teve uma especial relação de fraternidade. Lorscheider recebeu-o no Antonianum porque em 1959 ensinava Teologia dogmática. Eis a sua recordação: «Sabia dar à teologia, além do seu caráter doutrinal, um alcance espiritual e pastoral... Trabalhou tenazmente pelos pobres».
Tomou posse de São André como coadjutor a 29 de junho e seis meses depois tornou-se o bispo da diocese, onde o ilustre professor de filosofia entrou imediatamente em contacto com a escaldante questão social, começando pelas lutas dos metalúrgicos que explodiram no final dos anos 70 do século passado, também como desafio político ao regime militar. O líder daqueles trabalhadores era o futuro presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que sempre reconheceu o papel decisivo de Cláudio Hummes na solução daquela complicada disputa. Com efeito, o bispo chegara a ponto de abrir as portas das igrejas para permitir reuniões de sindicalistas, aos quais o governo tinha fechado as sedes, e em várias ocasiões atuou como mediador entre a polícia e os manifestantes para evitar degenerações violentas. Mas nunca foi aquilo que se chama um “sacerdote operário” nem “operaísta”.
Repetia sempre que a sua ação se baseava no Evangelho e que o seu objetivo era a evangelização, não a luta social como finalidade em si mesma, que nunca pode substituir a experiência de fé. Por conseguinte, a justiça social como aplicação do Evangelho.
Para ele foram anos apaixonantes, tornando-o ainda mais consciente da realidade dos pobres e oprimidos. A experiência entre os trabalhadores, repetia, foi-lhe de grande ajuda para o desempenho dos seus cargos sucessivos.
Em 1980 participou na v assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, dedicada à família. Depois, em 1992, na quarta conferência geral do episcopado latino-americano em Santo Domingo.
No âmbito da Conferência episcopal, foi membro das comissões para o ecumenismo, os leigos e a pastoral dos trabalhadores, de 1979 a 1983, e para a família e a cultura, de 1995 a 1998. Foi também consultor nacional para a pastoral dos trabalhadores, de 1979 a 1990.
Guiou a diocese de Santo André durante vinte e um anos, até 1996, quando foi nomeado arcebispo metropolitano de Fortaleza, no Ceará. E se em Santo André tinha conhecido a pobreza urbana das favelas, em Fortaleza deparou-se com a igualmente tremenda pobreza dos camponeses que viviam com quase nada.
Durante os seus dois anos na arquidiocese, ocupou também o cargo de responsável pela família e a cultura na cnbb . Assim foi um dos artífices do segundo Encontro mundial das famílias com o Papa, realizado no Rio de Janeiro em 1997. No mesmo ano, participou na assembleia especial para a América do Sínodo dos bispos.
Em 1998, foi nomeado arcebispo metropolitano de São Paulo, uma das maiores megalópoles da América Latina, com 20 milhões de habitantes e 216 paróquias. Ali deu um impulso particular à pastoral vocacional, à formação dos sacerdotes e à evangelização no coração da cidade. Desempenhou um papel importante no campo da comunicação, para que a Igreja pudesse dialogar com a cidade. «Precisamos de novas respostas às necessidades das pessoas», recomendou aos seus sacerdotes, sem nunca deixar de se concentrar no essencial, na verdade de Deus sobre o homem. E aos movimentos o purpurado Cláudio Hummes pedia que fossem «mais visíveis» na Igreja e para a Igreja. Contudo, não se esqueceu da sua acentuada vocação filosófica e cultural: naquele período era, entre outras coisas, grão-chanceler da Pontifícia universidade católica de São Paulo.
No âmbito da Cúria romana, foi membro dos então Pontifícios conselhos para o diálogo inter-religioso (1997), para a família (1998), para a cultura (1998), da Pontifícia comissão para a América Latina (1999) e da então Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos (1999).
No Consistório de fevereiro de 2001 foi criado e publicado cardeal do título de Santo António de Pádua na Via Merulana. Também em 2001 participou na décima assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, dedicada precisamente à figura do bispo como «servo do Evangelho de Jesus Cristo para a esperança do mundo».
De 17 a 23 de fevereiro de 2002, no Vaticano, na presença de João Paulo ii, pregou os exercícios espirituais sobre o tema: «Sempre discípulos de Cristo». Após uma introdução sobre o «significado do retiro», abordou alguns temas teológicos significativos, dedicando também especial atenção a questões mais estritamente eclesiais, como a missionariedade, o diálogo com todos, a solidariedade com os pobres. Concluiu os exercícios espirituais com uma meditação especial intitulada «Uma Igreja em oração». No final da intensa semana de reflexão, João Paulo ii saudou-o com estas palavras: «Obrigado de coração por nos ter guiado para as pastagens floridas da revelação e da tradição católica, com a atenção, sabedoria e confiança do Bom Pastor, e por nos ter oferecido durante estes dias, com a entoação da sua voz, este testemunho de São Paulo e da grande Igreja brasileira. Estes dias de recolhida contemplação ajudaram-nos a redescobrir com alegria a graça inesgotável da vocação cristã e apostólica. O Espírito fez-nos compreender mais uma vez que toda a nossa existência está centrada em Cristo, Revelador do Pai».
A 16 de março de 2004, foi nomeado membro do Conselho de cardeais para o estudo dos problemas organizativos e económicos da Santa Sé.
Participou no Conclave que a 19 de abril de 2005 elegeu o Papa Bento xvi . E no mesmo ano tomou parte na décima primeira assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, dedicada à Eucaristia.
No ano seguinte foi nomeado prefeito da então Congregação para o clero, renunciando ao mesmo tempo ao cargo de arcebispo metropolitano de São Paulo.
Em maio de 2007 participou na quinta Conferência episcopal latino-americana em Aparecida, em 2008 na décima segunda assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos sobre a Palavra de Deus e em 2009 na segunda assembleia especial para a África.
Como prefeito da então Congregação para o clero, animou o Ano sacerdotal, convocado de 19 de junho de 2009 a 11 de junho de 2010, por ocasião dos 150 anos da morte de Jean-Marie Baptiste Vianney, o Santo Cura d’Ars, padroeiro dos párocos. E em maio de 2010, foi enviado especial do Papa às celebrações do 16º Congresso eucarístico do Brasil. Naquele mesmo ano, o Pontífice aceitou a sua renúncia a prefeito.
De volta ao Brasil, foi nomeado presidente da Comissão episcopal da Amazónia no âmbito da cnbb , cargo que desempenhou até 2022. Participou no Conclave que a 13 de março de 2013 elegeu o Papa Francisco.
Em 2013, foi nomeado enviado especial a Assunção, Paraguai, para as celebrações de encerramento dos 25 anos da canonização de São Roque González de Santa Cruz e dos seus companheiros mártires. E em 2014 foi confirmado membro da Pontifícia comissão para a América Latina.
Em 2014 comprometeu-se na criação da Rede eclesial pan-amazónica (Repam) da qual foi o primeiro presidente até 14 de outubro de 2020. E também graças ao seu impulso e contribuição criativa, a 15 de outubro de 2017, o Papa Francisco decidiu convocar a assembleia especial para a Região pan-amazónica, realizada no Vaticano de 6 a 27 de outubro de 2019, sobre o tema «Amazónia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral». Ao longo do complexo e articulado processo e projeto eclesial que precedeu e acompanhou a assembleia, o cardeal Cláudio Hummes — como relator-geral — desempenhou um papel de liderança na redefinição das linhas pastorais, adaptando-as aos tempos contemporâneos. «A humanidade — disse, introduzindo os trabalhos da assembleia — tem uma grande dívida para com as populações indígenas nos diferentes continentes da terra e também na Amazónia. Aos povos indígenas deve ser restituído e garantido o direito a ser protagonistas da sua história». E na conclusão do Sínodo, recordou que o grito dos povos amazónicos é também o clamor da terra, reafirmando que a preservação da Amazónia é fundamental para a saúde do planeta; e a Igreja deve tornar-se cada vez mais consciente de que é necessária uma «conversão integral» para uma «ecologia integral».
Em 2020 foi eleito presidente da recém-formada Conferência eclesial da Amazónia, cargo ao qual renunciou em março deste ano. E enquanto as forças lhe permitiram, continuou a insistir sobre a necessidade de concretizar e levar a cabo os frutos da experiência sinodal. Pois, repetia, «é necessário passar do “dever fazer” para o “fazer”».