O afeto e a solidariedade
A guerra já não é uma realidade distante, mas palpável nos seus efeitos, com milhares de refugiados que se dirigem para países mais seguros, quando se chega a Sighet, cidade fronteiriça na Roménia a poucos quilómetros da Ucrânia. É uma zona de trânsito através da qual as pessoas fogem do conflito. Foi ali que o cardeal Leonardo Sandri, prefeito do Dicastério para as Igrejas orientais, fez uma visita importante durante a sua viagem à Roménia, que se concluiu a 5 de junho. Encontrou-se com refugiados e voluntários naquela que até fevereiro passado era uma casa de espiritualidade e de exercícios espirituais geridos pela congregação da Mãe de Deus. Levou a bênção e o dom do Papa Francisco para aquelas pessoas que procuram refúgio, oferecendo géneros de primeira necessidade e água, que neste período começam a escassear.
Em conversa com alguns jornalistas, o cardeal quis agradecer publicamente à Roménia pelo que está a fazer: «a vossa generosidade não só foi emotiva e benevolente, mas também bem organizada e capaz de durar no tempo». A todos os voluntários de diferentes associações, disse que tornaram visível a palavra de Jesus no Evangelho: «Quando destes um copo de água a um só destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o destes». Depois, agradeceu quantos estão comprometidos no acolhimento, dizendo que se comoveu com «este testemunho de caridade», pois «fazemos muitas coisas, mas estamos longe», ao contrário «vós aqui sois a mão da caridade do Papa como Igreja greco-católica e latina para com estes irmãos que sofrem».
Sucessivamente, o prefeito foi à fronteira ucraniana com a delegação composta pelo núncio apostólico Miguel Maury Buendía e pelas autoridades locais que o acompanhavam. Expressando a sua gratidão por tudo o que as instituições romenas têm feito desde o início do conflito ao acolherem irmãos e irmãs provenientes da Ucrânia, o cardeal Sandri salientou a sinergia com vários organismos, instituições e associações confessionais e laicais, nacionais e internacionais, como a Ordem de Malta, a Cruz Vermelha, a Cáritas, e várias cooperativas.
A delegação do Vaticano pôde visitar os pavilhões criados para o registo de refugiados, por onde passaram cerca de 1600-2500 pessoas por dia. Entre os serviços prestados estava o transporte para vários destinos, na Roménia e no resto da Europa, através de autocarros ou bilhetes de comboio gratuitos.
O prefeito atravessou a fronteira com a Ucrânia até à cidade de Solotvino. Acolheu-o, juntamente com o cônsul romeno, o administrador apostólico da eparquia de Mukachevo, Nil Luschak, e alguns sacerdotes e diáconos. Naquela região, que tem uma população de um milhão de pessoas, chegaram outras 400.000, principalmente de Odessa, Kramatorsk e Lugansk.
O cardeal levou a saudação e a proximidade do Papa Francisco à população e ao arcebispo-mor Sviatoslav Shevchuk, recordando os vários apelos que se seguiram na condenação da violência, da agressão, e no apelo ao cessar-fogo. Expressando proximidade e solidariedade à população, assegurou que ninguém será deixado sozinho «na insensatez deste conflito injusto. Estais a experimentar o Getsémani, mas juntos veremos o dia da luz e da ressurreição», afirmou.
Regressando ao território romeno, o prefeito parou para uma breve oração no chamado “cemitério dos pobres”, onde se encontram as valas comuns dos prisioneiros que morreram na prisão política do regime de Ceauşescu. Há também os restos mortais de três dos sete bispos beatificados pelo Pontífice em 2 de junho de 2019. O cardeal colocou uma coroa de flores na cruz de madeira a eles dedicada, recitando o Pai-Nosso, e concedendo a bênção ao projeto de erigir um grande santuário dedicado à memória dos mártires do século xx no campo adjacente.
O dia concluiu-se com uma visita à casa de espiritualidade das irmãs da Mãe de Deus, onde se encontram alojados mais de quarenta refugiados ucranianos, na sua maioria mulheres com crianças e jovens. Na capela, antes da oração da noite em romeno e ucraniano, uma jovem contou o seu êxodo de Odessa juntamente com a irmã e a sobrinha pequena. Depois, Diana, uma jovem voluntária, relatou a sua experiência com as crianças, com as quais começou a desenhar, aprendendo depois através do telemóvel e do tradutor algumas palavras para comunicar com elas. O cardeal Sandri disse que «nesta casa, vemos em termos concretos a página da multiplicação dos pães e dos peixes», enquanto se multiplicou a caridade, que «transformou uma casa de espiritualidade num lar de amor quotidiano e concreto, que deveria ser o resultado de exercícios espirituais vividos na autenticidade». Depois, dirigindo-se aos refugiados, acrescentou que existe uma forma em que até aqueles que experimentam os efeitos da guerra são chamados «a viver a multiplicação descrita no Evangelho». Como é isto possível dentro do mar de sofrimento? perguntou ele. «Cultivando — acrescentou — a profunda certeza de que Deus não vos esquece, Deus não vos abandona: após a tempestade, a luz voltará e poderemos deixar-nos iluminar por ela juntos, nos vossos lugares e nas vossas casas». Por fim, conversando com algumas famílias, enfatizou como o Pontífice continua a seguir as suas vicissitudes, as do seu povo e de toda a Ucrânia.
No dia seguinte, o purpurado dirigiu-se para Blaj, sede do arcebispado-mor greco-católico romeno, para a abertura do Sínodo. Ao chegar à “Casa da Misericórdia — Papa Francisco”, destinada a acolher um máximo de vinte refugiados ucranianos ou quantos no futuro se encontrarem em situação de necessidade, presidiu ao rito da bênção dos espaços de caridade e solidariedade, regozijando-se com a escolha de ter querido colocar um sinal concreto em memória da viagem apostólica do Pontífice em 2019.
Imediatamente a seguir, o prefeito foi à residência do cardeal Lucian Mureşan, arcebispo-mor da Igreja greco-católica romena, para levar as saudações do Papa, e para lhe agradecer o testemunho de acolhimento que os católicos orientais da Roménia, juntamente com outros, estão a dar aos irmãos e irmãs da Ucrânia.
Na manhã de domingo, 5 de junho, o prefeito concelebrou a divina liturgia no rito bizantino, presidida pelo arcebispo-mor. A última etapa, antes de regressar a Roma, foi na igreja da área rom de Blaj, na qual o cardeal Sandri tinha benzido a pedra fundamental. Essa zona foi visitada por Francisco há três anos. O prefeito rezou com os fiéis e benzeu a placa comemorativa da viagem apostólica. No final, recordou que todos, até os marginalizados da sociedade, encontram lugar no coração da Igreja, que é Mãe.