· Cidade do Vaticano ·

Gostaria de ir à Ucrânia mas tenho que esperar o momento apropriado

 Gostaria de ir à Ucrânia  mas tenho  que esperar o momento apropriado  POR-023
07 junho 2022

«Gostaria de ir à Ucrânia, mas tenho que esperar o momento oportuno, pois como tu sabes não é fácil tomar uma decisão que pode fazer mais mal do que bem ao mundo inteiro. Tenho que esperar o momento apropriado», confidenciou o Papa respondendo ao pedido de uma criança proveniente do país martirizado pela guerra, durante a audiência da manhã de 4 de junho, aos participantes numa iniciativa destinada a crianças em dificuldade, promovida pelo “Pátio dos gentios”. Esta foi a oitava edição do “Comboio das crianças”, mas nesta circunstância as cerca de duzentas crianças chegaram ao Vaticano de autocarro. Acompanhadas pelo cardeal Gianfranco Ravasi, a maioria delas frequenta o centro regional “Sant’Alessio — Margherita di Savoia” para cegos, deficientes visuais ou com outras deficiências visuais, físicas ou cognitivas. Com elas estavam também alguns menores ucranianos em fuga do conflito. O bispo de Roma recebeu-os no pátio de San Dâmaso do Palácio apostólico, respondendo às perguntas das crianças e estabelecendo com elas um diálogo, cuja transcrição publicamos a seguir.

Menino

Papa Francisco, sou Mattia Mordente, gostaria de te fazer uma pergunta. Sei que já visitaste muitos países no estrangeiro, especialmente países pobres, para falar com os chefes de Estado e também rezar por aqueles países, para os melhorar. Mas na tua opinião, qual foi o país que visitaste que melhorou mais graças a ti?

Papa Francisco

Digo-te isto: cada país tem a sua peculiaridade, e pergunto-me qual é a peculiaridade mais rica de um país. E sabes qual é a peculiaridade mais rica de um país? O povo. O povo é sempre o povo, é igual de um certo ponto de vista, mas cada pessoa é diferente, é distinta, tem a própria riqueza, e o que me impressiona é ver como diferentes povos são ricos de uma riqueza especial para aquele país. Também aqui, entre vós: cada um de vós tem a própria riqueza, a riqueza da sua alma. Porque o coração de cada um de nós, a alma de cada um de nós não é igual à outra, não! Não existem corações iguais, almas iguais, cada um de nós tem a própria riqueza. E isto é válido também para os países. Nos países que visito, vi sempre riquezas especiais: este, de um certo modo, aquele, de outro... É a beleza da criação. E devemos vê-la em cada um de nós. Se aprendermos a ver as pessoas com o coração, a olhar com o coração, a sentir com o coração, a pensar com o coração, encontraremos esta riqueza em cada pessoa, que é diferente uma da outra, é sempre muito linda e diferente. Compreendeste?

Menino

Ok, sim!

Papa Francisco

Vai em frente, muito bem, coragem!

Menino

Sou Edgar Murario, menino e irmão gémeo de uma criança, também aqui presente. Não tenho muitas coisas para te dizer, mas apenas uma pergunta a fazer-te: qual é a sensação de ser Papa?

Papa Francisco

Em qualquer profissão em que a vida te colocar, o importante é que não deixes de ser tu, com a tua própria personalidade. Se uma pessoa, para entrar num lugar, ou se a vida o colocou naquele lugar, mudar a sua personalidade, será uma pessoa artificial, e nisto se perderá. É preciso sentir sempre as coisas como vêm, com autenticidade: nunca, nunca disfarçar os sentimentos. Então, como me sinto como Papa? Como pessoa, como cada um de vós na própria profissão, no próprio trabalho. Porque também sou uma pessoa como vós, e se tenho esta profissão, devo procurar desempenhá-la da forma mais humilde, mais de acordo com a minha personalidade, sem procurar fazer coisas que são alheias àquilo que sou. Por exemplo, pergunto-te: “Como te sentes, tu ou o teu irmão gémeo, como te sentes?” — “Sinto-me assim”. É importante não perder isto. Até quando uma pessoa cresce e depois se encontra com este ou aquele emprego, que não se esqueça de que é esta pessoa, e não perca este sentimento.

Respondendo à tua pergunta: como me sinto neste ofício, com este serviço como Papa? Procuro ser eu próprio, sem assumir posições artificiais. Não sei se isto te ajuda.

Menino

Ok, obrigado!

Menina

Bom dia, Santo Padre. O meu nome é Nicole Malizia e tenho uma pergunta para lhe fazer. Gostaria de saber: que responsabilidades sente que tem como Papa ou, contudo, como a pessoa mais importante do mundo?

Papa Francisco

Sentir a responsabilidade é algo que todos devemos sentir, cada um de nós. Cada um de nós tem a própria personalidade e também a sua responsabilidade. Tu, agora, estudas, tens a responsabilidade de estudar, de uma estudante; também tens a tua responsabilidade de levar certas coisas à família. Se pensamos que cada um de nós tem a própria responsabilidade, pensamos que a nossa vida não é para nós próprios, mas para os outros e também ao serviço dos outros, para estar próximos dos outros. Agora respondo à tua pergunta: como me sinto? É verdade que às vezes é uma responsabilidade um pouco pesada, porque assusta. Mas procuro senti-lo de modo mais natural, porque se o Senhor me pediu isto, é porque Ele me dará a força para não cometer erros, estar atento a não errar. Sinto a minha responsabilidade como um serviço, tal como tu sentes a tua como um serviço aos outros, à tua família, e quando te casares, à tua nova família, a todos. Serviço: a responsabilidade de servir o próximo, de servir de ajuda aos outros; não estar acima dos outros, como uma pessoa que comanda, não, não! Como um dos outros que, se tiver o cargo de comandar, o faz como todos os outros. Entendeste?

Menina

Sim: muito obrigado!

Papa Francisco

Sou eu que agradeço!

Menina

Bom dia. Sou Caterina Lastorza. Queria perguntar-lhe: é cansativo ser Papa?

Papa Francisco

Na vida, há sempre momentos de cansaço. Cada profissão, cada trabalho que desempenhamos tem sempre uma parte de fadiga. É difícil estudar, por exemplo, é difícil desempenhar esta ou outra profissão, aquele serviço... E até o Papa enfrenta o próprio cansaço, não é verdade? O caminho para enfrentar as dificuldades deve ser um caminho normal, como de cada pessoa: cada um de nós assume as próprias dificuldades; e resolve-as de modo humano, de maneira normal. Mas se me perguntares: é muito mais cansativo do que o trabalho de um pai e de uma mãe? Não, não! Deus dá a cada um de nós as forças para enfrentar as dificuldades, e não é um mais. Mas é preciso fazê-lo com honestidade, com sinceridade, com o trabalho, como o pai e a mãe o fazem. Compreendeste?

Menina

Sim, muito obrigado!

Menino

Olá, chamo-me David Murario e só tenho uma coisa para lhe perguntar: qual é a sensação de estar em contacto tão próximo com o Criador da Terra, ou seja, Deus?

Papa Francisco

Sabes que me fazes uma boa pergunta? Pois na vida há o perigo de esquecer Deus, e de não estar em contacto. “Não, mas livro-me dos apuros sozinho e faço as coisas...”. Pois é, este caminho é perigoso! Sempre, uma ou duas vezes por dia, devemos recordar que o Senhor está ao nosso lado, que o Senhor nos acompanha, que o Senhor olha para nós. E sentir que o Senhor olha para nós é importante para avançar e fazer o próprio trabalho com sinceridade e força. O Senhor também olha para ti, olha para ti e para o teu irmãozinho. O Senhor está perto de cada um de nós, olha para nós e sentindo a proximidade do Senhor podemos ir em frente bem. Mas é terrível quando não queremos sentir a proximidade do Senhor, e preferimos sentir a proximidade disto, daquilo; mas isto afasta o Senhor. Não! O segredo é sentir o Senhor perto. E isto acompanha-te durante toda a tua vida.

Menino

Ok, obrigado. E também gostaria de lhe perguntar outra coisa. Quando vê crianças com problemas, deficiências de sentidos, como se sente? Ajuda-as, dá-lhes conselhos, ou segue o seu caminho?

Papa Francisco

Quando olhamos para uma pessoa, nunca devemos sentir-nos superiores àquela pessoa. Por exemplo, se eu olhar para ti e pensar em que conselho te devo dar, isso não é bom. Primeiro devo escutar-te, primeiro ouvir-te e depois dizer o que vem do coração. Olhei para ti ao lado do teu irmãozinho, o teu gémeo; olhei para ti, vi como te movias e veio-me à mente: “Este menino é bondoso! Que conselho eu deveria dar a um bom menino? Sê humilde e dá graças a Deus que te deu esta força, esta bondade”. E quando olho para as crianças, como dizes, que têm certas limitações, algumas deficiências, penso que o Senhor lhes deu outras coisas, outras coisas bonitas. Uma das coisas que, confesso-te, tocam o meu coração quando me encontro com pessoas cegas, muitas vezes dizem-me: “Posso olhar para si?”. No início, eu não compreendia, mas depois disse: “Sim”, e elas, com as mãos, tocavam o rosto e olhavam para mim. O que vejo nisto? Criatividade: uma pessoa com limitações encontra sempre a força para ir além desse limite e esta é uma criatividade, uma capacidade de ser criativo, que é um desafio para aquele menino ou menina com limitações. E isso é louvável! E tu, que não tens limitações, também procuras ser criativo: não te habitues a fazer coisas, não, procura ser criativo, pois é a criatividade que nos torna semelhantes a Deus. Entendeste?

Menino

Sim, obrigado!

Menino ucraniano

(tradução)

O meu nome é Sachar, venho da Ucrânia. Não tenho uma pergunta a fazer, mas sim um pedido: pode vir à Ucrânia para salvar todas as crianças que lá sofrem agora?

Papa Francisco

[saudação ucraniana] Estou contente que tu estejas aqui. Penso muito nas crianças na Ucrânia, e foi por isso que enviei alguns Cardeais para ajudar lá e para estar perto de todo o povo, das crianças. Gostaria de ir à Ucrânia; só que devo esperar o momento para o fazer, sabes? Pois não é fácil tomar uma decisão que pode fazer mais mal do que bem ao mundo inteiro. Devo procurar o momento apropriado para o fazer. Na próxima semana receberei representantes do governo da Ucrânia, que virão para dialogar comigo, para falar também de uma minha eventual visita ao país. Veremos o que acontece.

Menino

Obrigado!

Menino

Papa Francisco, gostaria de te perguntar duas coisas: gostas por futebol, tens quatro irmãos; o teu pai era ferroviário e a tua mãe era dona de casa. Gostaria de te perguntar mais uma coisa: como foi a tua vida? Como viveste? Feliz?

Papa Francisco

Muito bem. Mencionaste o pai e a mãe: o pai trabalhava, a mãe era dona de casa, nós somos cinco irmãos. E depois, quando éramos crianças, íamos todos juntos, com o pai e a mãe, ao estádio, aos domingos, para assistir ao jogo, porque gostávamos muito de futebol. Joguei futebol, mas sabes, eu não era bom e os meus companheiros chamavam-me pata dura, ou seja, perna dura, porque eu não conseguia. E por isso pediam-me para ser guarda-redes, pois eu não devia mover-me, e como guarda-redes até me desenrascava. Essa era a minha relação com o desporto em família. Todos os meus irmãos morreram, exceto a última, que ainda vive; eu sou o mais velho e a mais nova ainda vive. Estas são as boas memórias da família.

Menina

Santo Padre, reza por mim, pelas crianças doentes!

Papa Francisco

É bom o que tu... Como te chamas?

Menina

Ludovica.

Papa Francisco

O que a Ludovica disse é muito bom: “Reza por mim”. É algo que devemos pedir uns pelos outros, rezar por cada um de nós. A oração! Pois rezar por um de nós é como atrair o olhar de Deus sobre nós. Rezar significa atrair o olhar de Deus. Quando rezas, Deus olha para ti. E o que pediste é algo muito bom. Reza também tu pelos outros, combinado? Reza por mim e eu rezarei por ti, e esta relação de pedir orações é uma relação de fraternidade, de amizade, de duas ou três pessoas que pedem a Deus a fim de que olhe para elas. Rezar significa atrair o olhar de Deus sobre nós, e isso é bom. Em frente