«O arcebispo Justin Welby e o moderador da Igreja da Escócia, dois queridos irmãos, serão os meus companheiros de viagem quando, dentro de algumas semanas, pudermos finalmente ir ao Sudão do Sul... Será uma peregrinação ecuménica de paz. Rezemos para que inspire os cristãos a serem tecelões de concórdia, capazes de dizer não à espiral perversa e inútil da violência e das armas», disse o Papa ao receber no Vaticano a 13 de maio os membros da Comissão internacional anglicano-católica ( arcic iii ). Eis o discurso do Santo Padre.
Estimados irmãos e irmãs!
Dou-vos as boas-vindas e estou feliz por me encontrar convosco. Obrigado pelas cordiais saudações que os copresidentes me dirigiram em nome de todos.
Algumas palavras do Apóstolo Paulo aos Filipenses, citadas pelo Papa Paulo vi e pelo Arcebispo Michael Ramsey na sua Declaração conjunta há quase sessenta anos, acompanham o diálogo que conduzis desde o início: «Esquecendo o que está atrás de mim e tendendo para o que está à minha frente, corro para a meta, para o prémio que Deus nos chama a receber lá no Alto, em Cristo Jesus» (Fl 3, 13-14). Em três fases, a vossa Comissão de diálogo esforçou-se precisamente por deixar para trás aquilo que compromete a nossa comunhão e aumentar os laços que unem católicos e anglicanos. Trata-se de um caminho, às vezes veloz, por vezes lento e difícil. Mas, friso, foi, é e será um caminho. Isto é muito importante.
Caminho é a primeira palavra sobre a qual gostaria de refletir convosco. É mencionada no vosso último documento, intitulado: «Caminhando juntos pela via». Trata-se, como nos recordou o Apóstolo dos Gentios, de ir em frente, deixando para trás as coisas que dividem, no passado como no presente, e mantendo juntos o olhar fixo em Jesus e na meta que Ele deseja e nos indica, a da unidade visível entre nós. É uma unidade a acolher com humildade, como graça do Espírito, e a ser levada adiante no caminho, apoiando-se reciprocamente.
O diálogo ecuménico é um caminho: ou seja, é muito mais do que falar juntos. Não, é fazer: fazer, não apenas falar. Fazer. Trata-se de nos conhecermos pessoalmente e não apenas nos livros, de partilhar objetivos e dificuldades, de sujar as mãos socorrendo juntos os irmãos e as irmãs feridos que jazem descartados à beira das estradas do mundo, de contemplar com um único olhar e conservar com o mesmo compromisso a criação que nos circunda, de nos encorajarmos uns aos outros nas dificuldades da marcha. Este é o sentido do caminho. Como sabeis, a Igreja católica deu início a um processo sinodal: para que este caminho comum seja tal, não pode faltar a contribuição da Comunhão anglicana. Sentimos que vós sois preciosos companheiros de viagem.
Ainda sobre o tema da concretização do caminho, gostaria de recomendar à vossa oração uma etapa importante. O Arcebispo Justin Welby e o Moderador da Igreja da Escócia, dois queridos irmãos, serão os meus companheiros de viagem quando, dentro de algumas semanas, pudermos finalmente ir ao Sudão do Sul. Uma viagem adiada por causa das dificuldades no país. Mas o meu irmão Justin envia primeiro a sua esposa para fazer o trabalho de preparação e caridade. E este é o bom trabalho que ele faz, como casal, com a sua esposa: agradeço-lhe muito. Será uma peregrinação ecuménica de paz. Rezemos para que inspire os cristãos do Sudão do Sul e do mundo a serem promotores de reconciliação, tecelões de concórdia, capazes de dizer não à espiral perversa e inútil da violência e das armas. Recordo que este caminho começou há anos com um retiro espiritual feito aqui, no Vaticano, com os dirigentes do Sudão do Sul e também Justin e o Moderador da Igreja da Escócia. Um caminho ecuménico com os políticos do Sudão do Sul.
Uma segunda palavra que gostaria de partilhar convosco: dom. Se o caminho indica a modalidade, o dom revela a alma do ecumenismo. A alma do ecumenismo não pode ser assim [mostra o punho fechado], deve ser assim [mostra a mão aberta]: dom. Cada busca de uma comunhão mais profunda só pode, efetivamente, ser uma troca de dons, onde cada um assimila como seu o que Deus semeou no outro. Esta preocupação esteve também no centro do mais recente trabalho da vossa Comissão. Obrigado.
A questão que se apresenta: qual é a atitude correta para que uma troca de dons não se reduza a uma espécie de ato formal e circunstancial? Qual é o caminho certo? Falar francamente sobre questões eclesiológicas e éticas, confrontando-se sobre o que é desconfortável para nós, arriscado, poderia aumentar as distâncias em vez de encorajar o encontro. Pensemos, ao contrário, que isto requer, como condições fundamentais, humildade e verdade. É assim que se começa, admitindo com humildade e honestidade as próprias dificuldades. Este é o primeiro passo: não nos preocuparmos em parecer bons e confiantes perante o nosso irmão, apresentando-nos a ele como sonhamos ser, mas mostrar-lhe com o coração aberto como realmente somos, e também mostrar os nossos limites.
Os pecados que levaram às nossas divisões históricas só podem ser superados na humildade e na verdade, começando a sentir dor pelas feridas recíprocas e a necessidade de oferecer e receber perdão (cf. Carta Encíclica Ut unum sint, 34). Isto exige coragem, mas é o espírito do dom, porque cada verdadeiro dom implica renúncia, requer transparência e coragem, e sabe estar aberto ao perdão. Só assim as diversas trocas de dons e experiências ajudarão a superar as devidas formalidades e tocarão os corações. Apenas deste modo entraremos em sintonia com o Espírito Santo, o dom de Deus, Aquele que se doa a nós para recompor a harmonia, porque Ele próprio é harmonia, que reconcilia a diversidade na unidade. Vem-me à mente uma frase, no Tratado de São Basílio sobre o Espírito Santo: “Ipse harmonia est”, Ele é harmonia. O Espírito Santo é aquele que faz a “desordem”, pensemos na manhã de Pentecostes, mas depois é Ele que faz harmonia.
Os dons do Espírito nunca são para uso exclusivo daqueles que os recebem. São bênçãos para todo o povo de Deus: a graça que recebemos destina-se também aos outros — não é para uso particular — e a graça que os outros recebem é necessária para nós. Na troca de dons aprendemos que não nos podemos bastar a nós próprios sem a graça concedida aos outros. Que o Espírito Santo, Doador dos dons, inspire o prosseguimento do vosso trabalho; que cada um de nós experimente a alegria e o conforto da sua graça. Agradeço-vos por tudo o que fazeis e peço-vos, por favor, que rezeis por mim, pois preciso disso.
E antes de concluir, gostaria de mencionar uma citação que o Bispo fez sobre uma frase minha: “A unidade é superior ao conflito”. Os conflitos fecham-nos. Não devemos cair na escravidão do conflito. Por isso o caminho da unidade é superior ao conflito. Ao contrário, a crise é boa: devemos distinguir entre crise e conflito. Nós, no nosso diálogo, devemos entrar em crise, e isto é bom, porque a crise é aberta, ajuda-nos a superar. Mas não caiamos no conflito, que nos leva a guerras e divisões. Isto veio-me à mente quando ele fez a citação. Obrigado. E obrigado a vós.
E agora convido-vos, se estiverdes de acordo, a rezar juntos, pois falar sem oração não é bom! Recitemos o Pai-Nosso, cada um na própria língua.
Pai nosso...
[Bênção].