· Cidade do Vaticano ·

Celebração de 13 de maio em Fátima

 Celebração de 13 de maio em Fátima  POR-020
17 maio 2022

Eminências e Excelências
reverendíssimas
distintas Autoridades civis
queridos sacerdotes
religiosos e religiosas
amados irmãos e irmãs!

Estou feliz por me encontrar no vosso meio, peregrino neste lugar abençoado por Deus e escolhido por Maria para nos tomar pela mão e acompanhar-nos pelas sendas estreitas da história contemporânea. Voltei aqui para me alegrar convosco na presença de Nossa Senhora, que não se cansa de nos amar e proteger com a sua ternura materna. Estar aqui em Fátima, a 13 de maio, significa sobretudo responder a um chamado à oração, a depositar no Imaculado Coração o nosso mundo ferido e dilacerado pela falta de paz. Tragamos hoje, de modo especial, em nossos corações o Santo Padre e confiemos à Rainha do Rosário as suas intenções. Cubramos com a doce força da oração o Povo de Deus: os bispos, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, os missionários, as famílias, enfim, todos os fiéis. Imitemos o espírito dos Beatos Francisco e Jacinta e da Serva de Deus Lúcia, que viveram a missão de consolar a Deus, intercedendo heroicamente pelos pecadores.

Agradeço ao Cardeal Marto e a Dom José Ornelas, Bispo desta Igreja, pelas cordiais palavras de boas-vindas, e com alegria saúdo ao Episcopado português e às comunidades cristãs do país. Uma respeitosa saudação às Autoridades civis presentes nesta celebração. E no fraterno abraço que vos trago, transmito-vos a saudação e a bênção do Santo Padre, de modo especial a esta diocese e a esta cidade, que se rejubilam hoje na solenidade do 13 de maio, após dois anos de limitações, impostas pela pandemia. Desejo dirigir um pensamento especial aos Pastores e às populações de língua portuguesa espalhadas pelo mundo: que a Virgem Santíssima continue a proteger Portugal, conserve o Brasil, abençoe Angola, sustente Moçambique, acompanhe o caminho de Timor-Leste, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe.

Hoje, na comemoração da primeira aparição, gostaria de começar por fazer ecoar as primeiras palavras que a Virgem Maria ouviu da parte de Deus: «Alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo» (Lc 1, 28). Sim! Alegrai-vos, ó Virgem Maria, vendo ao vosso redor o povo de Deus que vos venera e vos reconhece como sua Mãe, Senhora e Padroeira. E alegra-te também tu, meu irmão e minha irmã, pois o que foi dito a Ela vale igualmente para ti: o Senhor está contigo! Alegrai-vos, irmãs e irmãos peregrinos vindos de Portugal e dos mais diversos países, reunidos com Maria à volta do altar de Deus, porque, abraçados ao Senhor, nada há que temer! Mesmo nestes tempos difíceis, marcados pelo flagelo da guerra e pelo vírus da pandemia, alegrai-vos: não no mundo, mas no Senhor, porque Ele é fiel às suas promessas. Alegrai-vos, porque, como nos recordou a primeira leitura, Deus renova todas as coisas (cf. Ap 21, 5) e também porque, na sua obra de renovação da Igreja e do mundo, Fátima ocupa um lugar de destaque.

Pô-lo em evidência o Santo Padre ao renovar no passado dia 25 [vinte e cinco] de março, em singular união com este lugar, a consagração da Igreja e da humanidade ao Imaculado Coração de Maria. Naquele ato, quis recordar à Virgem, invocada como Rainha do Rosário, algumas palavras inspiradas na mensagem de Fátima: foi Deus — cito — «que vos deu a nós e colocou no vosso Imaculado Coração um refúgio para a Igreja e para a humanidade» (Ato de consagração, 25 de março de 2022). E, no início deste mês mariano, pediu para rezar todos os dias o terço pela paz. Nossa Senhora traz a paz: foi para nos dar o Príncipe da paz e trazer vida nova à humanidade que Maria veio ao mundo.

Hoje, o Evangelho fala-nos precisamente do dom da vida. Do meio da multidão, uma mulher levanta a voz para dizer a Jesus: «Feliz Aquela que te trouxe no seu ventre e te amamentou ao seu peito» (Lc 11, 27). Surpreende, porém, a resposta de Cristo: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 28). Por que motivo o Senhor parece não apoiar o elogio feito à sua Mãe? Porque deseja levar-nos mais longe. A voz, que se erguera da multidão, exaltava a maternidade física de Maria, que trouxera no ventre e amamentara precisamente Aquele que estava então proferindo palavras de vida. Não era um elogio pequeno! O quarto mandamento, o primeiro da série que regula as relações entre os homens, ordenava honrar a mãe e, congratular-se com Jesus pelo seu único vínculo de sangue, significava evocar o vínculo humanamente mais querido.

Mas é precisamente aqui que Jesus Cristo faz uma passagem inovadora — ousaria dizer: revolucionária. Mais feliz do que a pessoa que acolhe a vida física, é quem acolhe no seu íntimo a Palavra divina; mais feliz do que a pessoa que nutre um corpo, é quem dá corpo à Palavra, pondo-a em prática. Há um vínculo novo, superior ao da carne e do sangue: é o vínculo da fé. Ora, se quisermos ver realizada a passagem da carne à fé, não há nada melhor do que contemplar Maria. É precisamente isto que Jesus destaca hoje no Evangelho; é como se dissesse: «Não louveis a minha Mãe só porque me trouxe ao mundo, mas também e sobretudo porque, no mundo, ninguém como Ela acolheu e pôs em prática a Palavra de Deus». Maria fizera-se tão íntima à Palavra que a própria Palavra se fez carne n’Ela. Como gostavam de dizer os Padres da Igreja: Ela concebeu o Verbo na alma antes de o conceber no seio («Prius concepit mente quam ventre»: Santo Agostinho , Sermão 215, 4).

Assim as palavras de Cristo põem em evidência uma nova bem-aventurança, que surgiu com a sua Mãe e que poderíamos chamar bem-aventurança da fé. E, à cabeça desta linhagem de bem-aventurados, está Maria. Não é por acaso que Ela — sempre no Evangelho de Lucas e em referência ao acolhimento da Palavra — foi saudada por Isabel com uma bem-aventurança parecida: «Bem-aventurada Aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc 1, 45). Amados irmãos e irmãs, perguntemo-nos se a bem-aventurança mariana da fé nos toca e deixemo-nos provocar pelas palavras de Jesus, que declara felizes todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática.

Em primeiro lugar, temos a escuta: não se trata apenas de um gesto, mas de um comportamento de base, de algo essencial e prioritário na vida cristã. De facto, quando Jesus precisou de enunciar o primeiro e o mais importante dos mandamentos, começou: «Escuta, Israel!» (Mc 12, 29). E no Evangelho do domingo passado, servindo-se da imagem das ovelhas e do pastor para referir a relação dos crentes com Ele, assim começava: «As minhas ovelhas escutam a minha voz» (Jo 10, 27). Por que será assim tão importante a escuta? Porque afirma a primazia de Deus e da sua Palavra sobre nós e as nossas obras. Os cristãos — disse o Papa, no domingo passado — são «filhos da escuta» (Regina cœli, 8 de maio de 2022). Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco pede para dar espaço diariamente à Palavra de Deus, revelando que traz sempre consigo um pequeno Evangelho. E, no processo sinodal em curso, pede para nos abrirmos, como Igreja, à escuta do Espírito. De facto, há sempre o risco de acabarmos absorvidos por um ativismo estéril, que não deixa o primado a Deus, à oração, à contemplação. A Virgem Maria, que deu o primeiro lugar à escuta da Palavra, veio a Fátima recordar-nos o essencial, convidando-nos à conversão, a colocar Deus acima do nosso eu.

Pensemos também como está desvalorizada a escuta na família, no trabalho, na vida quotidiana: dizemos e amplificamos muitas palavras, movidos pela pressa de dizer ou fazer sempre qualquer coisa, esquecendo de nos dessedentarmos com calma na fonte da vida e da paz, que é o Senhor, e dedicarmos tempo às relações mais importantes, que se preservam primariamente acolhendo o outro, as suas palavras, o seu olhar. Mesmo a nível internacional, pensemos como seria importante escutar as razões do outro e dar prioridade ao diálogo e à negociação, os únicos caminhos para uma paz estável e duradoura, em vez de empreender ações inspiradas pela busca gananciosa e apressada dos próprios interesses. A escuta, feita de silêncio que abre o coração, ajuda a acalmar ressentimentos e rancores e reencontrar o caminho da paz. Muitos amam o silêncio que se respira em Fátima. É o silêncio da escuta, porta da fé: amá-lo e salvaguardá-lo dia a dia é uma graça que devemos pedir a Nossa Senhora.

E de igual modo peçamos-lhe também hoje — e é o segundo aspeto — a graça de pôr em prática a Palavra. Contemplando Maria, vemos que a sua escuta se transforma imediatamente em ação concreta: ao anúncio do anjo, segue-se a peregrinação até casa da prima Isabel (cf. Lc 1, 39-56); em Caná, numa frase de Jesus entrevê possibilidade suficiente para convidar os serventes a fazerem tudo o que Ele lhes dissesse (cf. Jo 2, 5); depois da ressurreição, alimenta o anúncio da Páscoa, guardando os discípulos na unidade através da oração perseverante e unânime (cf. At 1, 14). Portanto, a fé de Maria não se limita a uma escuta acolhedora, mas torna-se vida prática: zelo na caridade, testemunho concreto, perseverança. Hoje temos a tentação de gerir tudo, incluindo a fé, segundo as emoções instáveis do momento. Ao contrário, Maria mostra-nos que é preciso concretização e perseverança.

A isto nos convida Fátima. Queridos irmãos e irmãs, estar aqui no 13 de maio significa também desejar que a mensagem de Fátima não seja apenas algo relevante do ponto de vista religioso e histórico, mas que se traduza na prática, pessoalmente, na nossa vida quotidiana. Nossa Senhora procura filhos que rezem, amem e se ofereçam pelos pecadores, pela paz e pela conversão, nossa e de muitos dos nossos irmãos e irmãs que não creem, não adoram, não esperam nem amam. São impressionantes as palavras ditas por Nossa Senhora em 19 de agosto de 1917: perdem-se muitas almas «por não haver quem se sacrifique e peça por elas». Não se perdem por o mundo ser mau ou estar descristianizado; Maria não pensa em termos negativos e acusatórios, que — convenhamos — muitas vezes são-nos cómodos. Nossa Senhora procura a conversão pessoal, procura quem se sacrifique e reze pelos outros. Lembra a nossa responsabilidade de crentes. Ajuda-nos a descobrir a maravilha duma fé que renasce da escuta e cresce na perseverança, na caridade operosa, na oferta jubilosa da vida, na concretização do anúncio.

Por fim, gostaria de me deter precisamente no fiel anúncio do Evangelho, na evangelização. Pela medida com que difundimos a alegria do Senhor, podemos medir a temperatura da nossa fé, o primor da nossa escuta, a fidelidade em levar à prática a Palavra. Pelo Batismo, cada um de nós é chamado a ser anunciador, missionário onde vive e trabalha. «Ide e anunciai»: disse Jesus, no final do Evangelho (cf. Mt 28, 19). Maria pôs em prática também esta palavra e não Se cansa de nos visitar, consolar, acompanhar para fazer levedar entre nós a presença de Deus. Imitemo-La também nisto: sintamos próximas de nós — como se nos estivessem confiadas pela Providência — todas as pessoas que ainda não experimentaram o encontro vivo com Jesus Cristo. Não tenhamos medo de tomar a peito as suas vidas e testemunhar, com proximidade e ternura, a beleza do rosto de Deus. A Jornada Mundial da Juventude, que se realizará neste país no próximo ano, tem como tema: «Maria levantou-Se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39). Queridos peregrinos de Fátima, levantemo-nos e partamos apressadamente ao encontro de quantos nos rodeiam: sonhemos com eles e, com a ajuda de Deus, não nos cansemos de construir uma Igreja com rosto jovem e belo, «que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor» ( Francisco , Homilia em Fátima, 13 de maio de 2017).

Assim seja!