Uma regressão macabra
No início do «mês dedicado à Mãe de Deus» o Papa Francisco convidou «todos os fiéis e comunidades a recitar todos os dias de maio o Rosário pela paz», pensando em particular «na cidade ucraniana de Mariupol, “cidade de Maria”, barbaramente bombardeada e destruída». A exortação ecoou na praça de São Pedro no final do Regina Caeli recitado ao meio-dia de 1 de maio da janela do Palácio apostólico do Vaticano. Anteriormente o Pontífice, como de costume, comentou o Evangelho do domingo, falando sobre a terceira aparição de Jesus Ressuscitado aos apóstolos.
Estimados irmãos e irmãs
bom domingo!
O Evangelho da Liturgia hodierna (Jo 21, 1-19) narra a terceira aparição de Jesus Ressuscitado aos Apóstolos. É um encontro que tem lugar no lago da Galileia e diz respeito sobretudo a Simão Pedro. Tudo começa com ele que diz aos outros discípulos: «Vou pescar» (v. 3). Nada de estranho, era pescador, mas tinha abandonado aquela profissão desde quando, precisamente nas margens do lago, tinha deixado as redes para seguir Jesus. E agora, enquanto o Ressuscitado se faz esperar, Pedro, talvez um pouco desanimado, propõe aos outros o regresso à vida anterior. E os outros aceitam: «Também nós vamos contigo». Mas, «Naquela noite nada apanharam» (v. 3).
Também nos pode acontecer, por cansaço, desilusão, talvez por preguiça, de esquecer o Senhor e negligenciar as grandes escolhas que fizemos, contentar-nos com qualquer outra coisa. Por exemplo, não dedicamos tempo a falar uns com os outros em família, preferindo passatempos pessoais; esquecemos a oração, deixando-nos levar pelas próprias necessidades; negligenciamos a caridade, com a desculpa das urgências diárias. Mas, fazendo assim, ficamos desapontados: foi precisamente a deceção que sentiu Pedro, com as redes vazias, como ele. É uma estrada que te leva para trás e não te satisfaz.
E o que faz Jesus com Pedro? Volta novamente para a margem do lago onde tinha escolhido Pedro, André, Tiago e João, os quatro. Ele não repreende — Jesus não repreende, toca o coração, sempre — mas chama ternamente os discípulos: «Amigos» (v. 5). Depois convida-os, como antes, a lançarem de novo as redes, com coragem. E mais uma vez as redes se enchem até transbordar. Irmãos e irmãs, quando as nossas redes estão vazias na vida, não é o momento de sentir pena de nós mesmos, de nos divertirmos, de regressar aos velhos passatempos. É tempo de recomeçar com Jesus, é tempo de encontrar a coragem para recomeçar, é tempo de se fazer ao largo com Jesus. Três verbos: repartir, recomeçar, fazer-se ao largo. Sempre, perante uma desilusão, ou uma vida que perdeu um pouco o sentido — “hoje sinto que voltei atrás...” — parte de novo com Jesus, recomeça, faz-te ao largo! Ele está à tua espera. E pensa apenas em ti, em mim, em cada um de nós.
Pedro precisava daquele “choque”. Quando ouve João clamar: «É o Senhor!» (v. 7), mergulha imediatamente na água e vai em direção a Jesus. É um gesto de amor, porque o amor vai além do útil, do conveniente e do devido; o amor gera espanto, inspira impulsos criativos e gratuitos. Assim, enquanto João, o mais novo, reconhece o Senhor, é Pedro, o mais velho, que se lança para ir ao seu encontro. Naquele mergulho há todo o entusiasmo recém-descoberto de Simão Pedro.
Prezados irmãos e irmãs, hoje Cristo Ressuscitado convida-nos a um novo impulso, todos nós, cada um de nós, convida-nos a mergulhar no bem sem medo de perder algo, sem calcular demasiado, sem esperar que outros comecem. Porquê? Não esperar os outros, porque para conhecer Jesus tem é preciso arriscar. É preciso arriscar com coragem, e recomeçar, e recomeçar arriscando, correr riscos. Perguntemo-nos: sou capaz de algum ímpeto de generosidade, ou impeço os impulsos do coração e fecho-me no hábito, ou no medo? Lançar-se, mergulhar. Esta é a palavra de Jesus hoje.
Então, no final deste episódio, Jesus dirige a Pedro, três vezes, a pergunta: «Amas-me?» (vv. 15.16). O Ressuscitado pergunta hoje também a nós: Amas-me? Porque na Páscoa Jesus quer que o nosso coração ressuscite; porque a fé não é uma questão de conhecimento, mas de amor. Amas-me? pergunta Jesus a ti, a mim, a todos nós, que temos as redes vazias e muitas vezes temos medo de recomeçar; a ti, a mim, a todos nós, que não temos coragem de mergulhar e talvez tenhamos perdido o impulso. Amas-me? pergunta Jesus. A partir de então, Pedro deixou de pescar para sempre e dedicou-se ao serviço de Deus e dos irmãos, a ponto de dar a vida aqui, onde nos encontramos agora. E nós, queremos amar Jesus?
Que Nossa Senhora, que prontamente disse “sim” ao Senhor, nos ajude a redescobrir o impulso do bem.
No final da oração, o Papa recordou a beatificação do dia anterior em Milão de Armida Barelli e do padre Mario Ciceri, lançou um apelo a favor da paz na Ucrânia e, por ocasião do Dia dos trabalhadores, fez um apelo a favor de um renovado «compromisso para que o trabalho seja dignificado em toda a parte e para todos». Por fim, fez referência ao Dia mundial da liberdade de imprensa, que se celebra a 3 de maio, e saudou os fiéis presentes, incluindo os membros da associação “Meter”, que «combatem a violência e os abusos contra menores».
Prezados irmãos e irmãs!
Ontem, em Milão, foram beatificados o padre Mario Ciceri e Armida Barelli. O primeiro foi um vice-pároco da zona rural; dedicou-se à oração e à confissão, visitou os doentes e acompanhava os jovens no oratório, como educador manso e guia seguro. Um exemplo brilhante de pastor. Armida Barelli foi a fundadora e animadora da Juventude Feminina da Ação Católica. Viajou por toda a Itália para chamar as jovens ao compromisso eclesial e civil. Colaborou com o padre Gemelli na criação de um instituto secular feminino e da Universidade Católica do Sagrado Coração, que celebra hoje o seu dia anual e em sua honra intitulou-o “Com coração de mulher”. Um aplauso aos novos Beatos!
Hoje começa o mês dedicado à Mãe de Deus. Gostaria de convidar todos os fiéis e comunidades a rezar o Terço pela paz todos os dias de maio. O meu pensamento dirige-se imediatamente à cidade ucraniana de Mariupol, “cidade de Maria”, barbaramente bombardeada e destruída. Também agora, a partir daqui, renovo o apelo à criação de corredores humanitários seguros para as pessoas presas na siderurgia daquela cidade. Eu sofro e choro, pensando no sofrimento do povo ucraniano e em particular dos mais débeis, dos idosos e das crianças. Chegam relatos terríveis de crianças expulsas e deportadas.
E enquanto assistimos a uma regressão macabra da humanidade, pergunto-me, juntamente com tantas pessoas angustiadas, se estamos realmente à procura da paz; se existe a vontade de evitar uma contínua escalation militar e verbal; se estamos a fazer tudo o que é possível para silenciar as armas. Peço-vos, não nos arrendamos à lógica da violência, à espiral perversa das armas. Tomemos o caminho do diálogo e da paz! Rezemos.
E hoje é a festa do trabalho. Que seja um incentivo à renovação do nosso compromisso para que o trabalho possa ser digno em toda a parte e para todos. E que o mundo do trabalho inspire a vontade de desenvolver uma economia de paz. Gostaria de recordar os operários que morreram no trabalho: uma tragédia difundida, talvez demasiado.
Depois de amanhã, 3 de maio, é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, patrocinado pela unesco . Presto homenagem aos jornalistas que pagam pessoalmente para servir este direito. No ano passado, 47 morreram e mais de 350 foram presos em todo o mundo. Um agradecimento especial àqueles que corajosamente nos informam sobre os flagelos da humanidade.
Saúdo todos vós, romanos e peregrinos da Itália e de muitos países. Em particular, saúdo os fiéis que vieram da Espanha, Portugal e dos Estados Unidos da América, bem como da paróquia maronita de Nazaré e de Santa Rita em Varsóvia. Saúdo o coro “Jubilate” de Conselve e os estudantes de Mascalucia. Um pensamento especial para a Associação “Meter”, que combate há muitos anos a violência e o abuso contra menores, colocando-se sempre do lado dos mais pequeninos. E também uma saudação para os jovens da “Imaculada”.
Feliz domingo a todos! E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à vista!