«É necessário que em todos os países sejam promovidas políticas sociais, económicas e culturais “amigas da família”», pediu o Papa Francisco no seu discurso aos participantes na sessão plenária da pontifícia Academia das ciências sociais, recebidos em audiência na manhã de 29 de abril, na sala do Consistório.
Ilustres Senhoras e Senhores!
Dou-vos as boas-vindas e desejo-vos bom trabalho nesta Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais. E agradeço ao Prof. Zamagni as suas amáveis e perspicazes palavras.
Focalizastes a vossa atenção na realidade da família. Aprecio esta escolha e também a perspetiva a partir da qual a considerais, ou seja, como “bem relacional”. Sabemos que as mudanças sociais modificam as condições de vida do matrimónio e das famílias em todo o mundo. Além disso, o contexto atual de crise prolongada e múltipla põe à dura prova os projetos de famílias estáveis e felizes. Podemos responder a esta situação voltando a descobrir o valor da família como fonte e origem da ordem social, como célula vital de uma sociedade fraterna, capaz de cuidar da casa comum.
A família está quase sempre em primeiro lugar na escala de valores dos diferentes povos, pois está inscrita na própria natureza da mulher e do homem. Neste sentido, o matrimónio e a família não são instituições puramente humanas, apesar das numerosas mudanças que sofreram ao longo dos séculos e das diferenças culturais e espirituais entre os vários povos. Para além de todas as diferenças, existem traços comuns e permanentes que revelam a grandeza e o valor do matrimónio e da família. No entanto, se este valor for vivido de forma individualista e particular, como em parte se verifica no Ocidente, a família pode ser isolada e fragmentada no contexto da sociedade. Assim, perdem-se as funções sociais que a família desempenha entre os indivíduos e na comunidade, especialmente em relação aos mais fracos, tais como as crianças, as pessoas com deficiência e os idosos não autossuficientes.
Trata-se, pois, de compreender que a família é um bem para a sociedade, não como mera agregação de indivíduos, mas como uma relação fundada num “vínculo de perfeição mútua”, usando uma expressão de São Paulo (cf. Cl 3, 12-14). Com efeito, o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8,16). O amor recíproco entre o homem e a mulher representa um reflexo do amor absoluto e infalível com o qual Deus ama o ser humano, destinado a ser fecundo e a realizar-se na obra comum da ordem social e do cuidado da criação.
O bem da família não é de tipo agregativo, ou seja, não consiste em agregar os recursos dos indivíduos para aumentar a utilidade de cada um, mas é um vínculo relacional de perfeição, que consiste em partilhar relações de amor fiel, confiança, cooperação, reciprocidade, das quais derivam os bens dos membros individuais da família e, portanto, a sua felicidade. Entendida desta forma, a família, que é um bem relacional em si mesma, torna-se também a fonte de muitos bens e relações para a comunidade, como por exemplo uma boa relação com o Estado e as outras associações da sociedade, a solidariedade entre as famílias, o acolhimento de quem se encontra em dificuldade, a atenção aos últimos, o combate aos processos de empobrecimento, e assim por diante.
Este vínculo de perfeição, a que poderíamos chamar o seu “genoma social” específico, consiste na ação amorosa motivada pelo dom, por uma vida de acordo com a regra da reciprocidade generosa e da generatividade. A família humaniza as pessoas através da relação do “nós” e, ao mesmo tempo, promove as diferenças legítimas de cada um. Isto, prestai atenção, é realmente importante para compreender o que é uma família, que não é apenas um grupo de pessoas.
O pensamento social da Igreja ajuda a compreender este amor relacional próprio da família, como a Exortação Apostólica Amoris laetitia procurou fazer, inserindo-se no sulco da grande tradição, mas com essa tradição, dando um passo em frente.
Um aspeto que gostaria de salientar é que a família é o lugar do acolhimento. Não se fala muito sobre isto, mas é importante. As suas qualidades são particularmente evidentes nas famílias com membros frágeis ou portadores de deficiência. Estas famílias desenvolvem virtudes especiais, que aumentam a capacidade de amor e a resistência paciente face às dificuldades da vida. Pensemos na reabilitação dos doentes, no acolhimento dos migrantes, e em geral na inclusão social das vítimas da marginalização, em todas as esferas sociais, especialmente no mundo do trabalho. A assistência domiciliar integrada para os deficientes graves põe em ação nos membros da família uma capacidade de cuidado que sabe responder às necessidades específicas de cada indivíduo. Pensemos também nas famílias que geram benefícios para toda a sociedade, incluindo as famílias adotivas e de acolhimento. A família — como bem sabemos — é o principal antídoto contra a pobreza, tanto material como espiritual, assim como também para o problema do inverno demográfico ou da maternidade e paternidade irresponsável. Estas duas coisas devem ser salientadas. O inverno demográfico é um assunto sério. Aqui na Itália é um assunto sério em comparação com outros países da Europa. Não pode ser deixado de lado, é um assunto sério! E a irresponsabilidade diante da maternidade e da paternidade é outro tema sério que se deve considerar para ajudar a evitar que isso aconteça.
A família torna-se um vínculo de perfeição e um bem relacional, quanto mais permite que a sua própria natureza floresça, quer por si só quer com a ajuda de outras pessoas e instituições, incluindo as governamentais. Políticas sociais, económicas e culturais “amigas da família” devem ser promovidas em todos os países. Elas incluem, por exemplo, políticas que permitem harmonizar a família e o trabalho; políticas fiscais que reconhecem as dificuldades familiares e apoiam as funções educativas das famílias através da adoção de instrumentos apropriados de equidade fiscal; políticas que acolhem a vida; serviços sociais, psicológicos e de saúde que se concentram no apoio às relações de casal e parentais.
Uma sociedade “amiga da família” é possível. Pois a sociedade nasce e evolui com a família. Nem tudo é contratual, nem tudo pode ser imposto por comando. Na realidade, quando uma civilização desarraiga da sua terra a árvore do dom como gratuidade, o seu declínio torna-se inevitável. Pois bem, a família é a principal plantadora da árvore da gratuidade. A relacionalidade praticada na família não assenta no eixo da conveniência nem do interesse, mas do ser, que se preserva até quando as relações são danificadas. Gostaria de salientar este aspeto da gratuidade, pois não se pensa muito nele; é muito importante incluí-lo na reflexão sobre a família. Gratuidade na família: o dom, oferecer e receber o dom gratuitamente.
Creio que existem certas condições para redescobrir a beleza da família. A primeira é remover dos olhos da mente a “catarata” das ideologias que nos impedem de ver a realidade. É a pedagogia do mestre interior — a de Sócrates e Santo Agostinho — e não aquela que simplesmente procura consenso. A segunda condição é a redescoberta da correspondência entre o matrimónio natural e o matrimónio sacramental. Com efeito, a separação entre os dois acaba, por um lado, por levar as pessoas a pensar na sacramentalidade como algo acrescentado, extrínseco, e por outro corre-se o risco de abandonar a instituição da família à tirania do artificial. A terceira condição é, como recorda a Amoris laetitia, a consciência de que a graça do sacramento do matrimónio — que é o sacramento “social” por excelência — cura e eleva toda a sociedade humana e é um fermento de fraternidade. «Toda a vida do casal conjugal, toda a rede de relações que tecerão entre si, com os seus filhos e com o mundo, será imbuída e reforçada pela graça do sacramento que brota do mistério da Encarnação e da Páscoa, em que Deus manifestou todo o seu amor pela humanidade e se uniu intimamente a ela» (n. 74).
Caros amigos, enquanto vos confio estas reflexões, asseguro-vos mais uma vez a minha gratidão, o meu apreço pelas atividades desta Pontifícia Academia e também a minha oração por vós e pelas vossas famílias. Abençoo todos vós de coração. E também vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!