«Juntos podemos refrear esta cultura que procura afirmar um modelo de homem “económico”, que vale na medida em que produz e consome. Por outro lado, mesmo no sofrimento e na doença somos plenamente homens e mulheres, sem diminuições»: disse o Papa Francisco na audiência à Liga Italiana de Luta contra os Tumores (Lilt), que recebeu a 4 de março na Sala Clementina, no centenário da sua fundação.
Prezados amigos!
Sinto-me feliz por vos receber e saúdo-vos com afeto, iniciando pelo Presidente nacional, a quem agradeço as suas palavras tão “humanistas” e profundas. Obrigado. No passado dia 25 de fevereiro, celebrastes o centenário da Liga Italiana para a Luta contra os Tumores. Uma história enraizada num passado cheio de progressos importantes, entregue a um presente de compromisso constante e aberto a um futuro de expetativas e perspetivas. Permiti que eu diga: feliz aniversário! E incluo nestes votos também as muitas pessoas para as quais trabalhais: os muitos pacientes, em primeiro lugar, e também os profissionais de saúde e pesquisadores.
A vossa Liga é um precursor histórico dos cuidados paliativos de hoje, que são tão importantes e valiosos. A vossa história demonstra a capacidade de redefinir as tarefas e abordagens da Associação nos sistemas sociais e de saúde em mudança; em particular, as atividades que realizais dizem respeito não só à formação e à informação, mas também à investigação e à prevenção. Desta forma, contribuis para a construção do “bom tecido” do qual a Itália se compõe. Perante a realidade de tantas pessoas, de todas as idades, que se veem a braços com a doença, escolhestes, e escolheis sempre de novo “lutar” juntamente com eles e com quantos se preocupam com eles. Optastes por estar próximos.
Numa sociedade ameaçada pela cultura da indiferença — a indiferença, olhar para o outro lado, é a grande doença de hoje — é necessário como nunca fazer-se próximo. Para vós, isto significa estar ao lado de pessoas com cancro, que tiveram ainda mais dificuldades nos últimos dois anos devido à pandemia que colocou o sistema de saúde em crise. Significa também estar ao lado dos familiares dos doentes, que precisam de apoio competente e eficaz. Por fim, significa estar próximo dos profissionais de saúde, que também foram postos à prova pelas condições difíceis em que tiveram de trabalhar.
A pandemia dificultou os processos de prevenção e diagnóstico, com consequências óbvias sobretudo no tratamento da doença, inclusive na serenidade das famílias e da inteira sociedade. Também isto exige mais prevenção e atenção a partir de agora.
O vosso compromisso é uma forma de caridade social, que realizais como associação, trabalhando com organismos públicos e privados e com o sector de voluntariado. O associacionismo é uma importante testemunha face à indiferença, diante de uma mentalidade que gostaria de excluir aqueles que não são perfeitos. Tal testemunho requer formação. Não basta “fazer”, precisamos de nos educar, de nos formar, para responder à cultura do descarte, que tende a pôr de lado a vulnerabilidade, a fragilidade e o sofrimento, marginalizando-a para não a ver. «Saliento que o direito a cuidados e tratamentos para todos deve ser sempre uma prioridade, de modo a que os mais débeis, particularmente os idosos e os doentes, nunca sejam descartados» (Audiência geral, 9 de fevereiro de 2022). E acerca dos cuidados para todos, encorajo-vos a manter, ou melhor, a fazer avançar o sistema italiano de saúde pública. Não percamos isto, façamo-lo crescer, consolidemo-lo mais, pois é uma dádiva para a sociedade. Pensai nos países que não o têm, e as pessoas que não podem pagar não têm cuidados de saúde. Tendes um tesouro para guardar e fazer progredir. «A vida é um direito, não a morte, que deve ser acolhida, não administrada. E este princípio ético diz respeito a todos: todos, não apenas aos cristãos ou crentes, todos» (ibid.).
Juntos podemos refrear esta cultura que procura afirmar um modelo de homem “económico”, que vale na medida em que produz e consome. Por outro lado, mesmo no sofrimento e na doença somos plenamente homens e mulheres, sem diminuições, reconhecendo-nos nessa totalidade psico-físico-espiritual unificada que é típica apenas da pessoa humana.
Segundo as palavras de São João Paulo ii , há uma “reflexão cristã” no sofrimento: «Se um homem, se torna participante dos sofrimentos de Cristo, isso acontece porque Cristo abriu o seu sofrimento ao homem, porque Ele próprio, no seu sofrimento redentor, se tornou, num certo sentido, participante de todos os sofrimentos humanos. Ao descobrir, pela fé, o sofrimento redentor de Cristo, o homem descobre nele, ao mesmo tempo, os próprios sofrimentos, reencontra-os, mediante a fé, enriquecidos de um novo conteúdo e com um novo significado» (Carta Ap. Salvifici Doloris, 11 de fevereiro de 1984, n. 19).
Estimados amigos, ide em frente no vosso serviço às pessoas, fiéis ao vosso slogan que diz: “Prevenir é viver”. Que vos acompanhe do Céu São Leopoldo Mandić — um grande! — padroeiro dos doentes de cancro. Padroeiro também dos “tumores espirituais”, porque confessava e perdoava tudo. Um grande misericordioso. Precisamos destes sacerdotes hoje. De coração abençoo-vos a todos, aos sócios e às vossas famílias. E peço-vos por favor que não vos esqueçais de rezar por mim, pois preciso de oração. Obrigado!