«O vosso país tem a própria dignidade, a própria liberdade, e não pode ser reduzido a um campo de guerra», reiterou o Papa Francisco no discurso que dirigiu aos representantes das Igrejas no Iraque, recebidos em audiência na manhã de 28 de fevereiro, por ocasião do primeiro aniversário da viagem apostólica àquele país do Médio Oriente.
Estimados irmãos em Cristo!
É com emoção e alegria que me encontro convosco aqui em Roma, representantes das várias Igrejas cristãs no Iraque, um ano depois da minha inesquecível visita ao vosso país. Através de vós, desejo abranger com a minha cordial saudação todos os pastores e fiéis das vossas comunidades, fazendo minhas as palavras do Apóstolo Paulo: «Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus» (Rm 1, 7).
As vossas são terras das origens: origens das antigas civilizações do Médio Oriente, origens da história da salvação, origens da história da vocação de Abraão. São também terras das origens cristãs: das primeiras missões, graças à pregação do Apóstolo Tomé, de Addai e Mari, e dos seus discípulos, não só na Mesopotâmia, mas até ao Extremo Oriente. Mas são também terras de exilados: pensemos no exílio dos judeus em Nínive e naquele da Babilónia, de que nos falam os profetas Jeremias, Ezequiel e Daniel, que sustentaram a esperança do povo erradicado da sua terra. Mas também muitos cristãos da vossa região foram obrigados ao exílio: as perseguições e as guerras que se seguiram até aos nossos dias forçaram muitos deles a emigrar, trazendo ao Ocidente a luz do Oriente cristão.
Queridos Irmãos, se evoco estes episódios da história bíblica e cristã do vosso país, é porque não são alheios à situação atual. As vossas comunidades pertencem à história mais antiga do Iraque e conheceram momentos verdadeiramente trágicos, mas ofereceram corajosos testemunhos de fidelidade ao Evangelho. Por isto dou graças a Deus e expresso-vos a minha gratidão. Inclino-me perante o sofrimento e o martírio daqueles que preservaram a fé, até à custa da própria vida. Tal como o sangue de Cristo, derramado por amor, trouxe reconciliação e fez florescer a Igreja, que o sangue destes numerosos mártires do nosso tempo, pertencentes a diferentes tradições, mas unidos no mesmo sacrifício, seja semente de unidade entre os cristãos e sinal de uma nova primavera da fé.
As vossas Igrejas, mediante as relações fraternas existentes entre elas, estabeleceram múltiplos laços de colaboração no campo da pastoral, da formação e do serviço aos mais pobres. Hoje existe uma comunhão enraizada entre os cristãos do país. Gostaria de vos encorajar a prosseguir por este caminho para que, através de iniciativas concretas, do diálogo constante e, o que é mais importante, do amor fraterno, se possa progredir no sentido da plena unidade. No meio de um povo que sofreu tantas divisões e discórdias, os cristãos resplandeçam como sinal profético de unidade na diversidade.
Caríssimos, desejo afirmar-vos mais uma vez que não é possível imaginar o Iraque sem cristãos. Esta convicção não se baseia apenas num fundamento religioso, mas também em evidências sociais e culturais. O Iraque sem cristãos já não seria o Iraque, porque os cristãos, com outros fiéis, contribuem fortemente para a identidade específica do país: um lugar onde a coexistência, a tolerância e a aceitação mútua floresceram desde os primeiros séculos; um lugar que tem a vocação de manifestar, no Médio Oriente e no mundo, a convivência pacífica das diferenças. Portanto, nada deve ser deixado ao acaso, a fim de que os cristãos continuem a sentir que o Iraque é a sua casa, e que são cidadãos com plenos direitos, chamados a dar a sua contribuição para a terra onde sempre viveram (cf. Declaração conjunta do Papa Francisco e do Catholicos-Patriarca Mar Gewargis iii , 9 de novembro de 2018, n. 6). Por isso, amados irmãos, Pastores do Povo de Deus, assisti e confortai sempre o rebanho com dedicação e diligência. Permanecei próximos dos fiéis confiados aos vossos cuidados, testemunhando sobretudo com o exemplo e a conduta de vida evangélica a proximidade e a ternura de Jesus Bom Pastor.
Vós, cristãos do Iraque, que desde os tempos apostólicos viveis lado a lado com outras religiões, especialmente hoje tendes outra vocação imprescindível: comprometer-vos para que as religiões se ponham ao serviço da fraternidade. Com efeito, «as várias religiões, a partir do reconhecimento do valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade» (Carta Encíclica Fratelli tutti, 271). Estais bem cientes de que o diálogo inter-religioso não é uma questão de mera gentileza. Não, vai além! Não se trata de negociação ou de diplomacia. Não, vai além! É um caminho de fraternidade que leva à paz, um caminho muitas vezes cansativo mas que, especialmente nestes tempos, Deus pede e abençoa. É um percurso que exige paciência e compreensão. Mas faz-nos crescer como cristãos, porque requer abertura de coração e compromisso a ser, concretamente, pacificadores.
Dialogar é também o melhor antídoto contra o extremismo, que constitui um perigo para os seguidores de todas as religiões e uma grave ameaça à paz. Mas é preciso trabalhar para erradicar as causas remotas dos fundamentalismos, dos extremismos que criam raízes mais facilmente em contextos de pobreza material, cultural e educacional, e são alimentados por situações de injustiça e precariedade, como aquelas deixadas pelas guerras. E quantas guerras, quantos conflitos, quantas interferências nefastas atingiram o vosso país! Ele precisa de um desenvolvimento autónomo e coeso, sem ser prejudicado por interesses externos, como infelizmente aconteceu com demasiada frequência. O vosso país tem a própria dignidade, a própria liberdade, e não pode ser reduzido a um campo de guerra.
Prezados irmãos em Cristo, sabei que estais no meu coração e nas orações de muitas pessoas. Não desanimeis: enquanto muitos, a vários níveis, ameaçam a paz, não desviemos o olhar de Jesus, Príncipe da paz, e não nos cansemos de invocar o seu Espírito, artífice de unidade. No sulco de São Cipriano, Santo Efraim comparou a unidade da Igreja com a «túnica inconsútil e indivisa» de Cristo (cf. Hinos à crucificação, vi, 6). Embora tenha sido brutalmente despojado das vestes, a sua túnica permaneceu unida. Também na história, o Espírito de Jesus preserva a unidade dos fiéis, não obstante as nossas divisões. Peçamos à Santíssima Trindade, modelo de verdadeira unidade que não é uniformidade, que reforce a comunhão entre nós e entre as nossas Igrejas. Assim poderemos corresponder ao profundo desejo do Senhor, de que os seus discípulos sejam «um só» (Jo 17, 21)!
Agradeço-vos de coração por terdes vindo e agora proponho-vos que recitemos juntos a oração do Senhor, cada qual na própria língua!