«Se a cobrança de impostos contribuir para superar as desigualdades, para fazer investimentos a fim de que haja mais trabalho, para garantir bons cuidados de saúde e educação para todos, para criar infraestruturas que facilitem a vida social e a economia», então as pessoas sentem-se «mais motivadas a pagar impostos», disse o Pontífice no discurso a uma delegação dos serviços tributários — estrutura da administração pública italiana — recebida em audiência na manhã de 31 de janeiro, na sala Clementina.
Agradeço ao Diretor as suas palavras de saudação. Tenho o prazer de vos receber para um momento de reflexão sobre um tema de grande atualidade, importante para o bem comum. Através de vós, saúdo todos os trabalhadores dos Serviços Tributários a nível central, regional e provincial. Gostaria de partilhar convosco alguns dos ensinamentos do Evangelho que vos podem ajudar no vosso trabalho; e inspirar-me-ei nos princípios-guia do vosso Serviço: legalidade, imparcialidade e transparência.
Mas antes devemos lembrar que na Bíblia não faltam referências ao tema dos impostos. Faz parte da vida diária, desde a antiguidade. Todos os impérios que dominaram a Terra Santa, e também os reis de Israel, instauraram sistemas de pagamento de impostos.
A situação mais conhecida é a dos impostos que os romanos exigiam na época de Jesus. Faziam-no através dos “publicanos”, que cobravam impostos em troca de uma considerável recompensa. E entre eles vivia Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10), de Jericó, que Jesus foi visitar e converteu, escandalizando todos. Também Mateus era publicano, e foi chamado por Jesus chamou quando estava no balcão dos impostos; Mateus seguiu-o imediatamente, tornando-se discípulo, apóstolo e evangelista (cf. Mt 9, 9-13). Caravaggio imortalizou o momento em que Jesus estende a mão na sua direção e o chama: ele estava agarrado ao dinheiro, assim [faz o gesto]. E aqui há aquilo que o senhor [o Diretor] disse no início sobre o miserando et eligendo. Olha para ele com misericórdia — miserando — e escolhe-o — eligendo. Olha para ele miserando et eligendo. A partir daquele momento, a vida de Mateus já não é a mesma: é iluminada e aquecida pela presença de Cristo. E às vezes, quando rezamos ao Senhor para tomar uma decisão, pedimos a graça de nos iluminar — e é preciso fazê-lo sempre — mas nem sempre pedimos a outra graça: que aqueça o nosso coração. Porque uma boa decisão precisa de ambas: uma mente clara e um coração quente, aquecido pelo amor. Talvez Mateus tenha continuado a usar e a gerir os próprios bens, e até os dos outros, mas certamente com outra lógica: a do serviço aos necessitados e da partilha com os irmãos e as irmãs, como o Mestre lhe ensinara.
A Bíblia não demoniza o dinheiro, mas convida-nos a fazer bom uso dele, a não permanecer seus escravos, a não o idolatrar. E não é fácil usar bem o dinheiro, não é fácil. A este propósito, a prática do pagamento do dízimo é pouco conhecida mas muito interessante. Trata-se de um costume comum em várias sociedades antigas, que prevê o pagamento ao soberano de um décimo dos frutos da terra ou do gado, por parte dos agricultores e criadores de animais. O Antigo Testamento, embora mantenha esta prática, atribui-lhe outro significado. Na realidade, o dízimo servia para ajudar os membros da tribo de Levi (cf. Lv 27, 30-33) que, ao contrário de todas as outras tribos de Israel, não tinham recebido uma parte da Terra Prometida como herança. A tarefa dos Levitas era servir no templo do Senhor e lembrar a todos que Israel é o povo daqueles que foram salvos por Deus. Portanto, não podiam angariar um património, mas tinham que viver das ofertas das outras tribos, que por isso eram taxadas. Nesta ótica, para os Levitas o dízimo ajudava a amadurecer na consciência do povo duas verdades: a de não ser autossuficiente, porque a salvação vem de Deus; a de serem responsáveis uns pelos outros, a começar pelos mais carentes.
Neste contexto, os princípios da legalidade, da imparcialidade e da transparência tornam-se uma bússola preciosa.
Legalidade. Hoje, como nos tempos da Bíblia, os cobradores de impostos correm o risco de ser vistos na sociedade como um inimigo do qual se proteger. E infelizmente, uma certa cultura de desconfiança pode alargar-se àqueles que são encarregados de fazer respeitar a lei. No entanto, é uma tarefa fundamental, pois a legalidade tutela todos. É uma garantia de igualdade. As leis permitem manter um princípio de equidade onde a lógica dos interesses gera desigualdades. A legalidade no campo fiscal é um modo de equilibrar as relações sociais, subtraindo forças à corrupção, às injustiças e às desigualdades. Mas isto requer uma certa formação e mudança cultural. Com efeito, como se afirma frequentemente, os impostos são vistos como um “pôr as mãos nos bolsos” das pessoas. Na realidade, os tributos são um sinal de legalidade e justiça. Deve favorecer a redistribuição da riqueza, salvaguardando a dignidade dos pobres e dos últimos, que sempre correm o risco de serem esmagados pelos poderosos. Quando a tributação é justa, visa o bem comum. Trabalhamos para que cresça a cultura do bem comum — isto é importante! — para que se leve a sério o destino universal dos bens, que é o principal objetivo dos bens: o destino universal, que a doutrina social da Igreja continua a ensinar ainda hoje, dado que a herdou das Escrituras e dos Padres da Igreja. O senhor incluiu os médicos no elenco daqueles que a tributação apoia. Por favor, continuai com o sistema de saúde gratuito, por favor! E isto vem dos impostos. Defendei-o! Pois não devemos decair num sistema de cuidados de saúde mediante pagamento, onde os pobres não têm direito a nada. Uma das coisas boas que a Itália tem é isto: por favor, conservai-o!
Segundo: imparcialidade. O vosso trabalho parece ingrato aos olhos de uma sociedade que coloca no centro a propriedade privada como absoluto e não consegue subordiná-la ao estilo de comunhão e partilha, para o bem de todos. No entanto, ao lado dos casos de evasão fiscal, de pagamentos por fora, de ilegalidade generalizada, podeis falar da honestidade de muitas pessoas que não se subtraem ao seu dever, que pagam o devido, contribuindo assim para o bem comum. Ao flagelo da evasão responde a retidão simples de muitos contribuintes, e este é um modelo de justiça social. A imparcialidade do vosso trabalho afirma que não há cidadãos melhores do que outros, com base na sua classe social, mas que a todos é reconhecida a boa fé de ser construtores leais da sociedade. Existe um “artesanato do bem comum” que deveria ser narrado, pois as consciências honestas são a verdadeira riqueza da sociedade. A propósito de imparcialidade, é sempre atual a indicação de São Paulo aos cristãos de Roma: «Pagai a cada um o que lhe compete: o imposto, a quem deveis o imposto; o tributo, a quem deveis o tributo; o temor e o respeito, a quem deveis o temor e o respeito» (13, 7). Não se trata de legitimar qualquer poder, mas de ajudar cada um a «fazer o bem diante de todos os homens» (Rm 12, 17).
Terceiro: transparência. O episódio evangélico de Zaqueu recorda a conversão de um homem que não só reconhece o próprio pecado de ter defraudado pessoas pobres, mas sobretudo compreende que a lógica de acumular para si o isolou dos outros. Por isso, restitui e compartilha. Foi tocado no coração pelo amor gratuito de Jesus que quis ir precisamente a sua casa. E então declara abertamente o que fará: dará aos pobres metade do que possui e devolverá quatro vezes mais àqueles a quem roubou. Restitui com juros generosos! Deste modo, dá transparência ao dinheiro que passa pelas suas mãos. Dinheiro transparente: eis o objetivo. Os tributos são muitas vezes vistos de modo negativo, se não for claro onde e como é gasto o dinheiro público. Isto corre o risco de alimentar a suspeita e o mau humor. Quem gere os bens de todos tem a grave responsabilidade de não se enriquecer.
Em 1948, assim escrevia o Padre Primo Mazzolari aos políticos católicos eleitos para o Parlamento: «Muito será perdoado a quem, não tendo sido capaz de prover a todas as dificuldades dos outros, terá tido o cuidado de não prover às suas próprias. Nem sempre é possível reduzir o mal-estar do próximo: não tirar vantagem da miséria é sempre possível. Este é o primeiro dever, o primeiro testemunho cristão. Diante de uma tribulação comum, as mãos limpas parecem uma apresentação inconsistente: mas os pobres não pensam assim. Os pobres medem a partir dela, não a nossa honestidade, mas a nossa solidariedade, que no fundo é a medida do nosso amor». A transparência na gestão do dinheiro, que deriva dos sacrifícios de muitos trabalhadores e trabalhadoras, revela a liberdade de espírito e leva as pessoas a ser mais motivadas a pagar os impostos, especialmente se a cobrança fiscal contribuir para superar as desigualdades, para fazer investimentos a fim de que haja mais trabalho, para garantir bons cuidados de saúde e educação para todos, para criar infraestruturas que facilitem a vida social e a economia.
Caros irmãos e irmãs, que São Mateus vos ampare e apoie o vosso compromisso no caminho da legalidade, da imparcialidade e da transparência. Não é fácil, mas ensinai-nos isto: trabalhai para que todos nós o compreendamos. Estas coisas são importantes! Também eu vos acompanho com as minhas preces e a minha bênção, mas inclusive com a minha proximidade. E peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado!