«Com a ajuda de Deus, a Igreja desempenha com firme determinação o compromisso de fazer justiça às vítimas de abusos causados pelos seus membros, aplicando com particular cuidado e rigor a legislação canónica prevista», garantiu o Papa Francisco no discurso pronunciado na manhã de 21 de janeiro, por ocasião da audiência concedida aos participantes na assembleia plenária da Congregação para a doutrina da fé, recebidos na sala Clementina.
Senhores Cardeais
Prezados irmãos no episcopado
e no sacerdócio
Caros irmãos e irmãs!
Tenho o prazer de vos dar as boas-vindas na conclusão dos trabalhos da vossa Assembleia Plenária. Agradeço ao Prefeito a sua introdução e saúdo todos vós, Superiores, Oficiais e Membros da Congregação para a Doutrina da Fé. Renovo a minha gratidão pelo vosso precioso serviço à Igreja universal, na promoção e salvaguarda da integridade da doutrina católica sobre a fé e a moral. Integridade fecunda.
Nesta ocasião, gostaria de partilhar convosco algumas reflexões, reunindo-as em volta de três palavras: dignidade, discernimento e fé.
A primeira palavra: dignidade. Como escrevi no início da Encíclica Fratelli tutti, «desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade» (n. 8). Se a fraternidade é o destino que o Criador designou para o caminho da humanidade, a vereda principal continua a ser a do reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana.
Mas na nossa época, marcada por tantas tensões sociais, políticas e até sanitárias, aumenta a tentação de considerar o outro como estranho ou inimigo, negando-lhe uma real dignidade. Portanto, especialmente neste tempo, somos chamados a recordar, «oportuna e inoportunamente» (2 Tm 4, 2), e seguindo fielmente um ensinamento eclesial de dois mil anos, que a dignidade de cada ser humano tem um caráter intrínseco e é válida desde o momento da conceção até à sua morte natural. Precisamente a afirmação de tal dignidade é o pressuposto inalienável para a tutela de uma existência pessoal e social, e também a condição necessária para que a fraternidade e a amizade social possam realizar-se entre todos os povos da terra.
Desde os primórdios da sua missão, a Igreja sempre proclamou e promoveu o valor intangível da dignidade humana. Com efeito, o homem é a obra-prima da criação: é querido e amado por Deus como parceiro dos seus desígnios eternos, e pela sua salvação Jesus deu a vida, a ponto de morrer na cruz por cada homem, por cada um de nós.
Portanto, agradeço-vos a reflexão que iniciastes sobre o valor da dignidade humana, tendo em consideração os desafios que a realidade atual apresenta a este propósito.
A segunda palavra é discernimento. Hoje exige-se cada vez mais dos fiéis a arte do discernimento. Na mudança de época que atravessamos, enquanto por um lado os fiéis se encontram diante de questões inéditas e complexas, por outro, aumenta a necessidade de espiritualidade, que nem sempre encontra o seu ponto de referência no Evangelho. Assim, acontece que não raro tenhamos que lidar com presumíveis fenómenos sobrenaturais, a respeito dos quais o povo de Deus deve receber indicações seguras e sólidas.
Além disso, o exercício do discernimento encontra um âmbito de necessária aplicação na luta contra abusos de todos os tipos. Com a ajuda de Deus, a Igreja desempenha com firme determinação o compromisso de fazer justiça às vítimas de abusos causados pelos seus membros, aplicando com particular cuidado e rigor a legislação canónica prevista. A esta luz, recentemente atualizei as Normas sobre os crimes reservados à Congregação para a Doutrina da Fé, com o desejo de tornar mais incisiva a ação judicial. Sozinha, ela não pode ser suficiente para impedir o fenómeno, mas constitui um passo necessário para restabelecer a justiça, reparar o escândalo e emendar o réu.
Um semelhante compromisso de discernimento exprime-se noutro campo, em que trabalhais diariamente: a dissolução do vínculo matrimonial in favorem fidei. Quando, em virtude do poder petrino, a Igreja concede a dissolução de um vínculo matrimonial não sacramental, não se trata apenas de pôr fim canónico a um matrimónio, já efetivamente fracassado, mas na realidade, através deste ato eminentemente pastoral, tenciono fomentar sempre a fé católica — in favorem fidei! — na nova união e na família, da qual este novo matrimónio será o núcleo.
E aqui gostaria de meditar também sobre a necessidade do discernimento no percurso sinodal. Alguns podem pensar que o percurso sinodal consiste em ouvir todos, em fazer um inquérito e em apresentar resultados. Muitos votos, tantos votos, muitos votos... Não! Um percurso sinodal sem discernimento não é um percurso sinodal! É preciso — no percurso sinodal — discernir continuamente as opiniões, os pontos de vista, as reflexões. Não se pode percorrer o caminho sinodal sem discernir. É este discernimento que fará do Sínodo um verdadeiro Sínodo, no qual o personagem mais importante — digamos assim — é o Espírito Santo, e não um parlamento nem uma sondagem de opiniões que os meios de comunicação social podem realizar. Por isso, friso: o discernimento é importante no percurso sinodal.
A última palavra é fé. A vossa Congregação é chamada não apenas a defender, mas também a promover a fé. Sem a fé, a presença dos fiéis no mundo seria reduzida à de uma agência humanitária. A fé deve ser o cerne da vida e da ação de cada batizado. E não uma fé genérica ou vaga, como se fosse um vinho diluído, que perde valor; mas uma fé genuína e direta, como o Senhor a quer, quando diz aos discípulos: «Se tiverdes fé como um grão de mostarda...» (Lc 17, 6). Portanto, nunca devemos esquecer que «uma fé que não nos põe em crise é uma fé em crise; uma fé que não nos faz crescer é uma fé que deve crescer; uma fé que não nos questiona é uma fé sobre a qual nos devemos questionar; uma fé que não nos anima é uma fé que deve ser animada; uma fé que não nos sacode é uma fé que deve ser sacudida» (Discurso à Cúria Romana, 21 de dezembro de 2017).
Não nos contentemos com uma fé tíbia, habitual, de manual. Cooperemos com o Espírito Santo e colaboremos uns com os outros, a fim de que o fogo que Jesus veio trazer ao mundo possa continuar a arder e inflamar o coração de todos.
Caríssimos, estou deveras grato pelo vosso trabalho e encorajo-vos a ir em frente com a ajuda do Senhor. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!