«A sinodalidade não é um simples debate. Não é um “adjetivo”», «“nem sequer a busca de um consenso da maioria» nem «um plano» ou «um programa», mas «um estilo a ser assumido», disse o Papa à delegação dos movimentos da Ação católica francesa recebida a 13 de janeiro, na Sala Clementina.
Estimados irmãos e irmãs!
Saúdo todos com afeto e agradeço ao Arcebispo Fonlupt as suas amáveis palavras. Sinto-me feliz por vos receber por ocasião da vossa peregrinação a Roma. Desejo também saudar, através de vós, todos os membros das equipas da Ação Católica na França, e peço-vos que lhes assegurem as minhas orações e a minha proximidade.
É um costume antigo dos vossos movimentos vir visitar o Papa. Já em 1929 Pio xi recebeu alguns representantes da Ação Católica e saudou nesse movimento «a renovação e continuação do que havia nos primeiros tempos do cristianismo, para a proclamação do Reino de Deus, [...] na cooperação dos leigos com os Apóstolos» (12 de junho de 1929). Escolhestes como tema da vossa peregrinação precisamente “Apóstolos hoje”. Gostaria de refletir convosco sobre a nossa chamada a ser efetivamente apóstolos hoje, partindo da intuição que vos foi deixada por uma das grandes figuras da Ação Católica, o abade Cardijn, ou seja, a “revisão da vida”. Quando os discípulos caminham com Jesus no caminho de Emaús (cf. Lc 24, 18-35), começam por recordar os acontecimentos que viveram; depois reconhecem a presença de Deus naqueles acontecimentos; por fim, agem voltando a Jerusalém para anunciar a ressurreição de Cristo. Ver, julgar, agir: conheceis bem estas três palavras! Retomemo-las juntos.
Ver. Esta primeira etapa é basilar; consiste em parar para observar os acontecimentos que compõem a nossa vida, o que constitui a nossa história, as nossas raízes familiares, culturais e cristãs. A pedagogia da Ação Católica começa sempre com um momento de memória, no sentido mais forte do termo: uma “anamnese”, ou seja, compreender com uma visão a posteriori o significado do que somos e do que vivemos, e perceber como Deus estava presente em cada momento. A amabilidade e delicadeza da ação do Senhor na nossa vida impedem-nos por vezes de a compreendermos no momento, e é preciso esta distância para compreender a sua coerência. A Encíclica Fratelli tutti, que os vossos grupos estudaram, começa com um olhar sobre a situação por vezes preocupante do nosso mundo. Pode parecer um pouco pessimista, mas é necessário para ir em frente: «Sem memória, nunca se avança; não se evolui sem uma memória íntegra e luminosa» (n. 249).
A segunda etapa é julgar ou, poder-se-ia dizer, discernir. Este é o momento em que nos deixamos questionar, pôr-nos em questão. A chave desta etapa é a referência à Sagrada Escritura. Trata-se de aceitar que a própria vida está sujeita ao escrutínio da Palavra de Deus, que, como diz a Carta aos Hebreus, «é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até à divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração» (4, 12). Na Fratelli tutti escolhi a parábola do Bom Samaritano para interrogar a nossa relação com o mundo, com os outros, em particular com os mais pobres. No encontro entre os acontecimentos do mundo e da nossa vida, por um lado, e a Palavra de Deus, por outro, podemos discernir os apelos que o Senhor nos dirige. Os vossos movimentos de Ação Católica desenvolveram, na sua história, verdadeiras práticas sinodais, especialmente na vida de grupo, que é a base da vossa experiência. A Igreja como um todo também está envolvida num processo sinodal, e conto com a vossa contribuição. Recordemos, a este respeito, que a sinodalidade não é uma mera discussão. Não se trata de um “adjetivo”. Nunca adjetiveis a substancialidade da vida. A sinodalidade não é nem sequer a busca do consenso da maioria — um parlamento faz isso, como se faz na política. Não se trata de um plano, de um programa a ser implementado. Não. É um estilo a ser adotado, em que o protagonista principal é o Espírito Santo, que se expressa antes de mais na Palavra de Deus, lida, meditada e partilhada em conjunto. Tomemos a imagem concreta da cruz: ela tem um braço vertical e um braço horizontal. O braço horizontal é a nossa vida, a nossa história, a nossa humanidade. O braço vertical é o Senhor que nos vem visitar com a sua Palavra e o seu Espírito, para dar sentido ao que vivemos. Fixar-se na cruz de Jesus, como diz São Paulo (cf. Gl 2, 19), significa precisamente aceitar colocar a minha vida sob o seu olhar, aceitar este encontro entre a minha pobre humanidade e a sua divindade transformadora. Por favor, deixai sempre um lugar importante à Palavra de Deus na vida dos vossos grupos. E dai igual espaço à oração, à interioridade, à adoração.
E chegamos à terceira etapa: agir. O Evangelho ensina-nos que a ação — que está no próprio nome do vosso movimento — deve ter sempre a iniciativa de Deus. Após a ressurreição, São Marcos relata que «o Senhor cooperava com eles [os Apóstolos] e confirmava a sua palavra com os milagres que a acompanhavam» (16, 20). Assim, «a ação pertence ao Senhor: é Ele que tem o direito exclusivo de agir, caminhando “disfarçado” na história que habitamos» (Discurso à Ação Católica Italiana, 30 de abril de 2021). Por conseguinte, o nosso papel é apoiar e encorajar a ação de Deus nos corações, adaptando-nos à realidade que está em constante evolução. As pessoas que os vossos movimentos alcançam — penso em particular nos jovens — não são as mesmas de há alguns anos. Hoje, especialmente na Europa, aqueles que frequentam os movimentos cristãos são mais céticos acerca das instituições, procuram relações menos exigentes e mais efémeras. São mais sensíveis à afetividade e, portanto, mais vulneráveis, mais frágeis do que as gerações anteriores, menos enraizados na fé, e no entanto, estão em busca de sentido e verdade, e não são menos generosos. É vossa missão, como Ação Católica, alcançá-los como eles são, fazê-los crescer no amor de Cristo e do próximo, e conduzi-los a um maior compromisso concreto, para que possam ser protagonistas da sua vida e da vida da Igreja, para que o mundo possa mudar.
Obrigado, prezados amigos, obrigado de coração pelo vosso generoso serviço, do qual a Igreja precisa mais do que nunca, neste momento em que espero tanto que cada um encontre ou redescubra a alegria de conhecer a amizade de Cristo e de proclamar o Evangelho. Peço-vos que me tenhais presente nas vossas orações. Confio-vos, responsáveis, bem como todos os membros das vossas equipas, à intercessão da Virgem Maria, e concedo-vos a minha bênção.