· Cidade do Vaticano ·

Discurso aos participantes no capítulo geral dos clérigos regulares Teatinos

A reforma da Cúria inspira-se na missão

 A reforma da Cúria  inspira-se na missão  POR-004
26 janeiro 2022

É a missão — entendida como «o dinamismo de “saída” para a evangelização» — que indica «a orientação fundamental da Igreja» e inspira inclusive a reforma da Cúria romana, afirmou o Papa Francisco no encontro com os participantes no 164º capítulo geral da ordem dos clérigos regulares Teatinos, recebidos em audiência a 15 de janeiro, na sala Clementina. Após as palavras de saudação que lhe dirigiu o prepósito-geral, Salvador Rodea González — confirmado no cargo para os próximos seis anos — o Pontífice pronunciou o seguinte discurso.

Estimados irmãos
bem-vindos!

Recebo-vos por ocasião do vosso Capítulo Geral: o 164º. Quanto caminho há por detrás deste 164, quanta estrada percorrida com a providência de Deus! E quanto grande então deve ser a nossa gratidão!

Agradeço ao Prepósito-Geral as suas palavras e desejo-lhe bom prosseguimento no serviço, para o qual foi confirmado.

No tema que guia os vossos trabalhos nestes dias, a palavra que se destaca é missão: “Teatinos para a missão...”. Aprecio esta escolha, que está em sintonia com a orientação fundamental da Igreja, à qual o Senhor Ressuscitado imprimiu o dinamismo de “saída” para a evangelização, que envolve cada cristão e cada comunidade (cf. Evangelii gaudium, 20). A missão inspirou também a redação do novo documento para a Cúria Romana. Para vós, em particular, este dinamismo conjuga-se com o carisma de São Caetano Thiene e dos cofundadores, que podemos resumir como uma fraternidade sacerdotal apostólica, fortemente enraizada na vida espiritual e na caridade concreta aos necessitados.

Na vida de São Caetano — como na de muitos outros santos e santas — surpreende-nos o facto de a um certo ponto, se verificar um “salto de qualidade” que, em termos bíblicos, preferimos chamar de “vocação na vocação”, ou uma “segunda conversão”. Trata-se da passagem de uma vida já boa e estimada para uma vida santa, cheia daquele “mais” que vem do Espírito Santo. Este salto de qualidade é o que faz crescer não só a vida pessoal daquele homem ou daquela mulher, mas também a vida da Igreja. Num certo sentido, ela é “reformada” por isto, que a purifica e faz emergir a sua beleza evangélica.

Podemos e devemos sempre remeter para este testemunho, para este “Evangelho vivo” a fim de avançar no nosso caminho pessoal e comunitário, sabendo muito bem que «para um cristão, não é possível imaginar a própria missão na terra, sem a conceber como um caminho de santidade» (Exort. ap. Gaudete et exsultate, 19). Também São Caetano Thiene nos demonstra que cada santo é uma missão. Cada santo e santa é «um projeto do Pai que visa refletir e encarnar, num momento determinado da história, um aspeto do Evangelho» (ibid.).

E o que nos é pedido não é tanto que imitemos no sentido literal — Aquele que todos devemos imitar é realmente Jesus Cristo — mas que assumamos daquele santo ou santa o “método”, por assim dizer, o dinamismo espiritual com que ele ou ela viveu o Evangelho, para procurar traduzi-lo no nosso contexto atual. Foi também isto que vos propusestes com o objetivo geral do vosso Capítulo. Cito-o: «Atualizar o carisma teatino a fim de responder aos atuais desafios a partir da nossa identidade».

E o primeiro objetivo específico aponta para a identidade. É claro que sobre isto não vos devo ensinar nada. Gostaria apenas de salientar um aspeto essencial do testemunho de São Caetano: a reforma deve começar a partir de si mesmo. Quando veio a Roma para trabalhar na cúria papal, deu-se conta da degradação espiritual e moral que infelizmente se tinha generalizado. É da mundanidade, há sempre a raiz ali, a mundanidade que provoca a degradação espiritual e moral. E enquanto desempenhava o seu trabalho de escritório, frequentava o oratório do Divino Amor, cultivando a oração e a formação espiritual; e depois ia a um hospital para assistir os doentes. Este é o caminho: começar por si mesmo a viver o Evangelho mais profunda e consistentemente. Todos os santos nos mostram este caminho. Eles são os verdadeiros reformadores da Igreja. Ou melhor: é o Espírito Santo que forma e reforma a Igreja, e fá-lo através da Palavra de Deus e dos santos, que põem a Palavra em prática na sua vida. Comecemos sempre a partir de nós mesmos.

O vosso segundo objetivo específico é a comunhão. Também aqui, olhando para São Caetano, vemos que o Espírito não o estimulou a ir sozinho, a seguir um caminho individual. Ele não o fez. Chamou-o a formar uma comunidade de clérigos regulares, a viver o Evangelho de acordo com a forma de vida dos Apóstolos. Na Exortação Apostólica Gaudete et exsultate — que recomendo que leiais outra vez, fará sempre bem! A mim faz bem lê-la, porque esquecemos o que escrevemos para outros — mencionei algumas «comunidades santas» que «viveram o Evangelho heroicamente» (n. 141). E a estes poderíamos certamente acrescentar a dos vossos cofundadores. Mas geralmente nas famílias e comunidades religiosas, a vida cristã é constituída por muitos gestos diários. «A comunidade, que guarda os pequenos detalhes do amor e na qual os membros cuidam uns dos outros e formam um espaço aberto e evangelizador, é lugar da presença do Ressuscitado que a vai santificando segundo o projeto do Pai» (ibid., 145). Há nela uma frase que quero sublinhar: os membros cuidam uns dos outros. Irmãos, a maior chaga numa congregação religiosa, numa comunidade religiosa, é quando os irmãos não cuidam uns dos outros, na verdade quando começa a tagarelice. Por favor, evitai todas as formas de tagarelice. Sede homens consagrados, homens do Evangelho, mas homens. Se tiveres algo contra o outro, tem as “calças” para lhe dizer isto na cara, dizer-lhe coisas na cara ou ficar em silêncio. Ou aquele outro critério, dizê-lo àqueles que o podem remediar, ou seja, aos superiores. Mas não façais pequenos grupos, porque esta é a espiritualidade do “caruncho”, que faz diminuir a força de uma comunidade religiosa. Nada de tagarelices, por favor!

E por fim, o terceiro objetivo que propondes é precisamente a missão: “Discernir os sinais dos tempos a fim de proclamar e viver o Reino de Deus entre os homens”. De acordo com o carisma fundador, a vossa missão não é ad gentes. São Caetano evangelizou Roma, Veneza, Nápoles, e fê-lo sobretudo através do testemunho da sua vida e obras de misericórdia, praticando o grande “protocolo” que Jesus nos deixou com a parábola do juízo final, Mateus 25 (vv. 31-46). Ele e os seus companheiros serviram e fizeram crescer aquela Igreja que é “hospital de campanha” que é necessário ainda hoje. Encorajo-vos a avançar seguindo as suas pegadas, com docilidade ao Espírito, sem esquemas rígidos — cuidado com a rigidez, porque a rigidez é uma perversão que vem precisamente do clericalismo, é outra coisa terrível, e sob qualquer rigidez há sempre podridão — mas bem firmes nas coisas essenciais: oração, adoração, vida comum, caridade fraterna, pobreza e serviço aos pobres. Tudo isto com um coração apostólico, com a boa e evangélica ansiedade de procurar antes de tudo o Reino de Deus.

Prezados irmãos, como sabeis, entre as cidades evangelizadas por São Caetano há também Buenos Aires! A festa de San Cayetano, a 7 de agosto, tem uma grande participação popular. As pessoas veneram-no e rezam-lhe como o “santo padroeiro do pão e do trabalho”. À sua intercessão e à de Nossa Senhora, confio o vosso caminho. De coração abençoo-vos, a todos os vossos confrades e o vosso empenho na comunhão e na missão. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!

Pedi para trazerem aqui um breve estudo, feito recentemente por um Núncio Apostólico sobre a tagarelice. Veio-me à mente depois deste discurso. Penso que fará bem que cada um leve um exemplar para casa, gratuitamente!