Preocupado com as «atuais tensões» na Ucrânia que «põem em perigo a segurança do continente europeu», o Papa Francisco anunciou para a próxima quarta-feira, 26 de janeiro, «um dia de oração pela paz» naquele país. Fê-lo no final do Angelus recitado da janela do Palácio apostólico do Vaticano, com os fiéis presentes na praça de São Pedro, ao meio-dia de domingo 23. Antes da oração mariana, o Pontífice comentou o Evangelho do terceiro domingo do tempo comum.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia!
No Evangelho da Liturgia de hoje vemos Jesus que inaugura a sua pregação (cf. Lc 4, 14-21): é a primeira pregação de Jesus. Ele vai a Nazaré, onde cresceu, e participa na oração na sinagoga. Levanta-se para ler e, no rolo do profeta Isaías, encontra a passagem relativa ao Messias, que proclama uma mensagem de consolação e libertação para os pobres e oprimidos (cf. Is 61, 1-2). No final da leitura, «os olhos de todos estavam fixos n’Ele» (v. 20). E Jesus começa assim: «Hoje cumpriu-se esta escritura» (v. 21). Reflitamos sobre este hoje. É a primeira palavra da pregação de Jesus citada no Evangelho de Lucas. Pronunciada pelo Senhor, indica um “hoje” que atravessa todas as épocas e permanece sempre válido. A Palavra de Deus é sempre “hoje”. Começa um “hoje”: quando lês a Palavra de Deus, na tua alma tem início um “hoje”, se a compreenderes bem. Hoje. A profecia de Isaías remontava a séculos, mas Jesus, «pelo poder do Espírito» (v. 14), torna-a atual e, sobretudo, leva-a a cumprimento, indicando o modo de receber a Palavra de Deus: hoje. Não como uma história antiga, não: hoje. Fala hoje ao teu coração.
Os concidadãos de Jesus impressionaram-se com a sua palavra. Não obstante enevoados pelos preconceitos, não acreditem nele, percebem que o seu ensinamento é diferente daquele dos outros mestres (cf. v. 22): intuem que em Jesus há algo mais. O quê? Há a unção do Espírito Santo. Às vezes acontece que os nossos sermões e os nossos ensinamentos permanecem genéricos, abstratos, não comovem a alma nem a vida do povo. E porquê? Porque lhes falta a força deste hoje, aquilo que Jesus “enche de significado” com o poder do Espírito é o hoje. Hoje fala-te. Sim, às vezes ouvimos palestras impecáveis, discursos bem construídos, mas não comovem o coração e por isso tudo permanece como antes. Também muitas homilias — digo isto com respeito, mas com tristeza — são abstratas, e em vez de despertar a alma, fazem-na dormir. Quando os fiéis começam a olhar para o relógio — “quando acabará isto?” — adormecem a alma. A pregação corre este risco: sem a unção do Espírito empobrece a Palavra de Deus, cai no moralismo ou em conceitos abstratos; apresenta o Evangelho com distância, como se estivesse fora do tempo, longe da realidade. E este não é o caminho. Mas uma palavra na qual a força do hoje não pulsa, não é digna de Jesus e não ajuda a vida das pessoas. É por isso que aqueles que pregam, por favor, são os primeiros a ter que experimentar o hoje de Jesus, para o poder comunicar no hoje dos outros. E se quiser dar palestras, conferências, que o faça, mas noutro lugar, não no momento da homilia, onde deve transmitir a Palavra de maneira a comover os corações.
Prezados irmãos e irmãs, neste Domingo da Palavra de Deus, gostaria de agradecer aos pregadores e anunciadores do Evangelho que permanecem fiéis à Palavra que comove o coração, que permanecem fiéis ao “hoje”. Oremos por eles, para que vivam o hoje de Jesus, o suave poder do seu Espírito, que vivifica as Escrituras. Com efeito, a Palavra de Deus é viva e eficaz (cf. Hb 4, 12), muda-nos, entra nas nossas vicissitudes, ilumina a nossa vida quotidiana, consola e traz ordem. Lembremo-nos: a Palavra de Deus transforma um dia comum no hoje em que Deus nos fala. Portanto, peguemos no Evangelho, cada dia uma pequena passagem para ler e reler. Levai o Evangelho no bolso ou na bolsa, para o ler em viagem, a qualquer momento, lendo-o calmamente. Com o tempo descobriremos que estas palavras são para nós, para a nossa vida. Ajudar-nos-ão a aceitar cada dia com uma perspetiva melhor e mais serena, porque quando o Evangelho entra no hoje, enche-o de Deus. Gostaria de vos fazer uma proposta. Nos domingos deste ano litúrgico é proclamado o Evangelho de Lucas, o Evangelho da misericórdia. Por que não o ler também pessoalmente, na íntegra, um pequeno trecho por dia? Um pequeno trecho. Familiarizemo-nos com o Evangelho, trar-nos-á a novidade e a alegria de Deus!
A Palavra de Deus é também o farol que guia o percurso sinodal, que teve início em toda a Igreja. Enquanto nos esforçamos por nos escutar uns aos outros, com atenção e discernimento — porque não é fazer uma pesquisa de opinião, não, mas discernir a Palavra — escutemos juntos a Palavra de Deus e o Espírito Santo. E que Nossa Senhora obtenha para nós a constância de nos nutrir com o Evangelho todos os dias.
Depois da recitação do Angelus, o Papa recordou a beatificação, ocorrida no dia anterior em San Salvador; lançou o apelo a favor da paz na Ucrânia; e recordou a recente proclamação de Santo Ireneu Doutor da Igreja, invocando a sua intercessão pela unidade dos cristãos, durante o Oitavário de ecumenismo que se concluirá a 25 de janeiro. No final saudou os vários grupos presentes.
Amados irmãos e irmãs!
Ontem em San Salvador, foram beatificados o sacerdote jesuíta Rutilio Grande García e dois companheiros leigos, e o sacerdote franciscano Cosme Spessotto, mártires da fé. Estiveram ao lado dos pobres, testemunhando o Evangelho, a verdade e a justiça, até ao derramamento do sangue. Que o seu exemplo heroico suscite em todos o desejo de ser corajosos agentes de fraternidade e paz. Um aplauso aos novos beatos!
Acompanho com preocupação o aumento das tensões que ameaçam infligir um novo golpe à paz na Ucrânia e põem em questão a segurança do continente europeu, com repercussões ainda mais vastas. Faço um premente apelo a todas as pessoas de boa vontade para que elevem orações a Deus Todo-Poderoso, a fim de que todas as ações e iniciativas políticas sirvam a fraternidade humana e não os interesses partidários. Aqueles que perseguem os próprios objetivos em detrimento dos outros desprezam a sua vocação de seres humanos, porque todos nós fomos criados irmãos. Por este motivo e com preocupação, dadas as atuais tensões, proponho que na próxima quarta-feira, 26 de janeiro, seja um dia de oração pela paz.
No contexto da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, aceitei a proposta que veio de muitos lugares e proclamei Santo Ireneu de Lião, Doutor da Igreja Universal. O ensinamento deste santo pastor e mestre é como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente: é por isso que o indicamos como Doutor da Unidade, Doctor Unitatis. Que o Senhor nos conceda, pela sua intercessão, trabalhar juntos pela plena unidade dos cristãos.
E agora dirijo a todos vós a minha saudação, queridos fiéis de Roma e peregrinos provenientes da Itália e de outros países. Saúdo em particular a família espiritual dos Servos do sofrimento e os Escoteiros Agesci do Lácio. E vejo também um grupo de compatriotas: saúdo os argentinos aqui presentes. E também os jovens da Imaculada!
Desejo bom domingo a todos. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à vista!