Ferir uma mulher
«Ferir uma mulher é ultrajar Deus, que tomou de uma mulher a humanidade». Esta foi a forte denúncia ecoada na basílica de São Pedro na manhã de sábado, 1 de janeiro, na Missa celebrada pelo Papa Francisco na solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, durante a qual se celebrava o lv Dia mundial da paz.
Os pastores encontram «Maria, José e o menino deitado na manjedoura» (Lc 2, 16). A manjedoura é sinal de alegria para os pastores: confirma o que tinham sabido do anjo (cf. 2, 12), é o lugar onde encontram o Salvador. E é também a prova de que Deus está junto deles: nasce numa manjedoura, objeto bem conhecido deles, demonstrando assim ser-lhes próximo e familiar. Mas a manjedoura é um sinal de alegria também para nós: Jesus, nascendo pequenino e pobre, toca-nos o coração, incute-nos amor em vez de temor. A manjedoura preanuncia-nos que Ele se fará alimento para nós. E a sua pobreza é uma boa notícia para todos, especialmente para os marginalizados, para os rejeitados, para quem não conta no mundo. Ali desce Deus: nenhuma via preferencial, nem sequer um berço! Eis por que é bom vê-lo deitado numa manjedoura.
Mas para Maria, a Santa Mãe de Deus, não foi assim. Ela teve de suportar «o escândalo da manjedoura». Também Ela, muito antes dos pastores, recebera o anúncio de um anjo, que lhe dissera palavras solenes, falando-lhe do trono de David: «Hás de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David» (Lc 1, 31-32). E agora tem de o colocar numa manjedoura para animais. Como harmonizar o trono do rei e a pobre manjedoura? Como conciliar a glória do Altíssimo e a miséria de um estábulo? Pensemos no desconsolo da Mãe de Deus. Que há de mais duro, para uma mãe, do que ver o seu filho sofrer a miséria? É caso para se sentir desconsolado. Não se poderia censurar Maria, se se lamentasse de toda aquela desolação inesperada. Ela, porém, não perde a coragem. Não se queixa, mas está em silêncio. Em vez dos nossos queixumes, opta por uma saída diversa: «Quanto a Maria — diz o Evangelho — guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração» (Lc 2, 19).
Trata-se de um comportamento diferente do dos pastores e do povo. Eles contam a todos o que viram: o anjo que lhes apareceu no meio da noite, as suas palavras sobre o Menino. E o povo admirava-se ao ouvir estas coisas (cf. 2, 18): palavras e admiração. Ao contrário, Maria aparece pensativa. Guarda e medita no coração. São duas atitudes diferentes, que se podem encontrar também em nós. A narração e a maravilha dos pastores recordam a nossa condição nos primeiros tempos da fé: então é tudo fácil e linear, alegra-se pela novidade de Deus que entra na vida, enchendo todos os seus aspetos de um clima de maravilha. Diversamente, a atitude meditativa de Maria é a expressão de uma fé madura, adulta, não inicial; de uma fé que não é recém-nascida, de uma fé que se tornou geradora. Porque a fecundidade espiritual passa através da prova. Saída da tranquilidade de Nazaré e das promessas triunfantes recebidas do anjo — o seu início — Maria encontra-se agora no estábulo escuro de Belém. Mas é aqui que dá Deus ao mundo. E enquanto outros, perante o escândalo da manjedoura, teriam sido tomados pelo desconsolo, Ela não: guarda meditando.
Aprendamos da Mãe de Deus esta atitude: guardar meditando. Com efeito, acontece também a nós ter de suportar certos «escândalos da manjedoura». Esperamos que tudo corra bem, mas depois, como relâmpago em céu sereno, chega um problema inesperado. E gera-se uma dolorosa colisão entre as expetativas e a realidade. E pode acontecer também na fé, quando a alegria do Evangelho é posta à prova numa situação difícil por que passamos. Mas hoje a Mãe de Deus ensina-nos a tirar proveito desta colisão. Mostra-nos a sua necessidade: é o caminho estreito para chegar à meta, é a cruz sem a qual não se ressuscita. É como um parto doloroso, que dá vida a uma fé mais madura.
Pergunto-me, irmãos e irmãs, como realizar esta passagem, como superar a colisão entre o ideal e o real? Fazendo precisamente como Maria: guardando e meditando. Em primeiro lugar, Maria guarda, ou seja, não deixa disperso. Não rejeita o que acontece. Guarda tudo no coração, tudo aquilo que viu e ouviu: não só as coisas lindas, como o que Lhe dissera o anjo e aquilo que contaram os pastores, mas também as coisas difíceis de aceitar: o perigo que correu aparecendo grávida antes do casamento, agora a triste desolação do estábulo onde deu à luz. Eis o que faz Maria: não seleciona, mas guarda. Acolhe a realidade como vem, não tenta camuflar, maquilhar a vida; guarda no coração.
Depois temos a segunda atitude. Como guarda Maria? Guarda meditando. O verbo usado no Evangelho evoca o entrelaçamento das coisas: Maria compara experiências diferentes, encontrando os fios ocultos que as interligam. No seu coração, na sua oração realiza esta operação extraordinária: interliga as coisas lindas e as coisas duras; não as mantém separadas, mas une-as. E por isso Maria é a Mãe da catolicidade. Podemos, forçando um pouco as palavras, dizer que Maria é católica por isto: porque une, não separa. E assim apreende o sentido pleno, a perspetiva de Deus. No seu coração de mãe, compreende que a glória do Altíssimo passa pela humildade; acolhe o plano da salvação, segundo o qual Deus devia descansar numa manjedoura. Vê o Menino divino frágil e tiritando de frio, e acolhe o maravilhoso entrelaçamento divino de grandeza e pequenez. É assim que Maria guarda: meditando.
Este olhar inclusivo, que supera as tensões guardando e meditando no coração, é o olhar das mães, que nas tensões, não separam, mas guardam-nas, e assim cresce a vida. É o olhar com que muitas mães abraçam as situações dos filhos. É um olhar concreto, que não se deixa condicionar pelo desconsolo, nem se deixa paralisar perante os problemas, mas coloca-os num horizonte mais amplo. E Maria continua assim, até ao Calvário, meditando e guardando: guarda e medita. Vêm à mente os rostos das mães que assistem um filho doente ou em dificuldade. Quanto amor há nos seus olhos, banhados de lágrimas, que ao mesmo tempo sabem inspirar motivos de esperança! Trata-se de um olhar consciente, sem ilusões, e, todavia, sem se deter na tristeza e nos problemas, oferece uma perspetiva mais ampla, a perspetiva do cuidado, do amor que regenera a esperança. É isto que fazem as mães: sabem superar obstáculos e conflitos, sabem infundir a paz. Assim conseguem transformar as adversidades em ocasiões de renascimento e em ocasiões de crescimento. Fazem-no porque sabem guardar. As mães sabem guardar, sabem manter os fios da vida todos juntos. Há necessidade de pessoas capazes de tecer fios de comunhão, que contrastem os numerosos fios de arame farpado das divisões; fios de comunhão, isto sabem-no fazer as mães.
O novo ano começa sob o signo da Santa Mãe de Deus, sob o signo da Mãe. O olhar materno é o caminho para renascer e crescer. As mães, as mulheres olham o mundo não para o explorar, mas para que tenha vida: olhando com o coração, conseguem manter juntos os sonhos e a realidade concreta, evitando as derivas do pragmatismo assético e da abstração. E a Igreja é mãe, é mãe assim! E a Igreja é mulher, é mulher assim! Por isso não podemos encontrar o lugar da mulher na Igreja sem a espelhar neste coração de mulher-mãe. Este é o lugar da mulher na Igreja, o grande lugar, do qual derivam outros mais concretos, mais secundários. Mas a Igreja é mãe, a Igreja é mulher. E enquanto as mães dão a vida e as mulheres guardam o mundo, empenhemo-nos todos para promover as mães e proteger as mulheres. Quanta violência existe contra as mulheres! Basta! Ferir uma mulher é ultrajar a Deus, que tomou de uma mulher a humanidade… Não a tomou de um anjo, nem [a criou] diretamente: tomou-a de uma mulher. Tal como de uma mulher, a Igreja-mulher toma a humanidade dos filhos.
No início do Ano Novo, coloquemo-nos sob a proteção desta mulher, a Santa Mãe de Deus, que é nossa mãe. Que Ela nos ajude a guardar e meditar tudo, sem ter medo das provações, na jubilosa certeza de que o Senhor é fiel e sabe transformar as cruzes em ressurreições. Invoquemo-la, também hoje, como fez o Povo de Deus em Éfeso. Ponhamo-nos todos de pé, fixemos o olhar em Nossa Senhora e, como fez o povo de Deus em Éfeso, repitamos três vezes o seu título de Mãe de Deus. Todos juntos: Santa Mãe de Deus, Santa Mãe de Deus, Santa Mãe de Deus!». Amém!