O caderno n. 4116 de «La Civiltà Cattolica», publicado a 18 de dezembro, contém o relato integral, editado pelo diretor Antonio Spadaro, da conversa do Papa Francisco com os jesuítas que trabalham na Grécia, ocorrida durante a recente viagem apostólica.
No sábado 4 de dezembro, às 18h45, no final do primeiro dia da sua viagem apostólica à Grécia, o Papa Francisco regressou à Nunciatura, onde um grupo de sete dos nove jesuítas que trabalhavam na Grécia, membros da comunidade de Atenas, estavam à sua espera. Da mesma comunidade faz parte D. Theodoros Kodidis, arcebispo de Atenas desde 18 de setembro. O Papa entrou na sala da Nunciatura, saudando cada um dos presentes. Depois, sentado num círculo, começou uma conversa espontânea que durou uma hora. Todos se apresentaram, contando sobre si e iniciando um breve diálogo com Francisco, que pediu que formulassem perguntas de modo livre e espontâneo.
O superior, padre Pierre Salembier, recordou que a comunidade faz parte da província da França e da Bélgica francófona, enquanto que no passado estava ligada à província da Sicília. Apresentou-se, lembrando-lhe que tinham estado juntos na Congregação de procuradores realizada em 19871. Era professor em Bordeaux e em seguida foi-lhe pedido que se mudasse para Atenas. Depois dele, apresentou-se um irmão jesuíta2, Georges Marangos, que toca órgão e é o ecónomo. O Papa interveio dizendo:
Faço uma confissão: quando era provincial, tive de pedir informações para admitir jesuítas à ordenação sacerdotal e verifiquei que a melhor informação era dada pelos irmãos. Lembro-me de uma vez: havia um estudante de teologia, que estava a terminar os estudos, que era particularmente bom, inteligente, simpático. Mas os irmãos disseram-me: «Cuidado, envia-o para trabalhar um pouco antes da ordenação». Eles “viam debaixo da água”. Pergunto-me por que os irmãos jesuítas têm a capacidade de compreender o essencial da vida. Talvez porque sabem conjugar a afetividade com o trabalho das mãos. Eles tocam a realidade com as mãos. Nós, sacerdotes, somos por vezes abstratos. Os irmãos são concretos e compreendem bem os conflitos e as dificuldades: têm um bom olho. Quando falamos da “promoção” do irmão, devemos sempre considerar que tudo — até os estudos — deve ser considerado como instrumento para a própria vocação, que vai muito além das coisas que ele sabe.
Em seguida, apresentou-se o padre Pierre Chongk Tzoun-Chan, um jesuíta coreano de 21 anos. Atualmente é pároco da paróquia do Coração de Cristo Salvador e colaborador do Centro Arrupe, um instituto para crianças refugiadas que ele próprio fundou, mas do qual é agora apenas colaborador. Francisco comentou:
Duas coisas. Primeiro, falas grego muito bem! És um coreano universal! Em segundo lugar, disseste uma coisa muito importante. Fundaste uma obra, o Centro Arrupe. És um “padre” fundador, expressaste a tua criatividade e sabes muito bem o que é este Centro e qual é a sua natureza e finalidade. Disseste-me que já não és o responsável. Isto é uma coisa muito boa. Quando se inicia um processo, é preciso deixar desenvolver-se, deixar crescer um trabalho e depois retirar-se. Cada jesuíta deve fazer assim. Nenhuma obra lhe pertence, porque pertence ao Senhor. Assim, expressa indiferença criativa. Deve ser pai e deixar a criança crescer. A Companhia de Jesus entrou em crise de fecundidade quando quis regular todo o desenvolvimento criativo com o Epitoma3. Pedro Arrupe4 veio como geral e fez o contrário: renovou a espiritualidade da Companhia e fê-la crescer. Esta é uma grande atitude: fazer tudo bem e depois retirar-se, sem ser possessivo. Devemos ser pais, não donos, para ter a fecundidade do pai. Nas Constituições Inácio diz algo maravilhoso: que os grandes princípios devem ser encarnados nas circunstâncias do lugar, do tempo e das pessoas. E isto através do discernimento. Um jesuíta que age sem discernimento não é um jesuíta.
Depois, apresentou-se o padre Sébastien Freris. Tem 84 anos e realizou vários trabalhos pastorais na paróquia e com os jovens. Ele disse ao Papa que antes a comunidade era numerosa e deveras ativa, oferecendo muito ao país. Muitas das suas obras eram de natureza cultural e intelectual, de abertura ao diálogo. Uma destas atividades foi a publicação de uma revista. Agora a situação é débil. Os jesuítas fazem o que podem com as poucas forças à disposição. O Papa comentou:
Uma coisa que chama a atenção é a debilitação da Companhia. Quando entrei no noviciado, éramos 33.000 jesuítas. Agora, quantos somos? Mais ou menos metade. E continuaremos a diminuir em número. Este dado é comum a muitas Ordens e Congregações religiosas. Tem um significado, e devemos perguntar-nos qual é. Em última análise, esta diminuição não depende de nós. O Senhor envia a vocação. Se não chegar, não depende de nós. Creio que o Senhor nos dá um ensinamento de vida religiosa. Para nós tem um significado no sentido da humilhação. Nos Exercícios Espirituais, Inácio aponta sempre para isto: para a humilhação. Sobre a crise vocacional, o jesuíta não pode permanecer ao nível da explicação sociológica. Isto é, na melhor das hipóteses, metade da verdade. A verdade mais profunda é que o Senhor nos leva a esta humilhação dos números para abrir o caminho a cada um, ao “terceiro grau de humildade”,5 que é a única fecundidade jesuíta que conta. O terceiro grau de humildade é o objetivo dos Exercícios. Hoje já não existe a grande revista científica: o que quer dizer o Senhor com isto? Humilha-te, humilha-te! Não sei se me expliquei. Devemos habituar-nos à humilhação.
Interveio o padre Freris: «Tem razão, mas a minha pergunta é: qual é o nosso futuro? Quando éramos jovens, sonhávamos com um diálogo com a Igreja ortodoxa. Mas agora vemos que pela Providência divina fazemos outra coisa, ocupamo-nos dos migrantes. E o diálogo com os ortodoxos?». Francisco respondeu:
Devemos ser fiéis à cruz de Cristo. Deus sabe isto. Com estes sentimentos perguntemos ao Senhor o que Ele quer de nós, então seremos criativos em Deus: desafios concretos, soluções concretas. É claro que agora o diálogo com os ortodoxos está a correr bem. Isto significa que semeastes bem com a oração, os desejos e as coisas que pudestes fazer.
O padre Tonny Cornoedus falou, apresentando-se como jesuíta belga-flamengo. Trabalhou em Marrocos numa comunidade que já não existe, depois como pároco na Bélgica, e agora na Grécia porque há necessidade de um padre que fale francês para os refugiados. Ele fala do seu trabalho e também de uma das suas desventuras, quando foi preso por ter sido confundido com um traficante de seres humanos.
Uma boa humilhação! Quando estavas a falar, eu pensava como é o fim de um jesuíta: chegar à velhice cheio de trabalho, talvez cansado, cheio de contradições, mas com um sorriso, com a alegria de ter feito o seu trabalho. Este é o grande cansaço de um homem que deu a vida. Há um cansaço terrível, neurótico, que não ajuda. Mas há um bom cansaço. Quando se vê esta velhice a sorrir, cansada, mas não amarga, então sois um hino à esperança. Um jesuíta que chega à nossa idade e continua a trabalhar, a sofrer contradições e a não perder o sorriso, torna-se então um cântico à esperança. Fizeste-me lembrar um filme de que gostei muito quando o vi, quando era jovem: The Soldier Returns. Um soldado voltava para casa cansado, ferido, mas com o sorriso por estar em casa e por ter cumprido o próprio dever. É bom que haja jesuítas como tu, com um sorriso e a certeza de que a semente lançada deu frutos! Como na vida, assim na morte o jesuíta deve dar testemunho do seguimento de Jesus Cristo. Este semear alegria, “astúcia”, sorriso é a graça de uma vida cheia, plena. Uma vida com pecados, sim, mas cheia da alegria de servir a Deus. Vai em frente e obrigado pelo teu testemunho!
A seguir, interveio o padre Marcin Baran, polaco de 46 anos. Falou de si, dizendo que está na Grécia porque existe uma grande comunidade polaca. No passado havia até 300.000 polacos, mas agora são 12.000. Em Atenas há 4.000 e precisam de um sacerdote que fale polaco, pois os cerca de mil que frequentam a igreja são muito fiéis à língua materna. Tem um doutoramento em filosofia, mas agora o seu trabalho é com pessoas simples e genuínas, trabalhadores... Francisco comentou:
A filosofia quotidiana! Fiquei muito impressionado com o que disseste: fizeste todos os teus estudos de filosofia e depois o Senhor enviou-te aos polacos em Atenas. Isto é indiferença criativa, que ajuda a seguir em frente! Esta é a vocação jesuíta: vais onde Deus te mostra a sua vontade e pede-te obediência. O Senhor sabe. O sentido da nossa vida apostólica não o vemos no início, mas no fim da nossa vida, com a sabedoria de olhar para trás. São João da Cruz disse: no fim da vida serás julgado apenas com base no amor. Preparaste-te, és doutor... e agora és capelão dos polacos em Atenas. Como se compreende isto? Com a lógica do reino de Deus, a lógica da contradição, do inexplicável...
Por fim, falou o padre Michel Roussos: «Para mim este encontro é Pentecostes!». Apresentou-se dizendo que estudou arqueologia em Atenas. O seu professor era amigo de Albert Camus. A sua formação esteve ligada ao Mediterrâneo de Jerusalém, Atenas, Chipre e Roma. Durante 50 anos ocupou-se de fé e cultura, do diálogo ecuménico. Foi responsável pela revista «Orizzonti aperti» e pelo «Messaggero del Sacro Cuore». Agora é responsável pelo Apostolado da Oração. O Papa perguntou-lhe qual era a sua idade. O padre Roussos respondeu: «Oitenta e três! E rezo: Senhor, faz de mim uma pessoa útil, mas não importante». O Papa comentou:
O Apostolado da Oração é muito importante. O padre Fornos está a realizá-lo muito bem, de forma moderna. A oração é o centro! Vejo que sois todos “jovens” e alegres no que fazeis. Obrigado pelo que fazeis em nome da Igreja. Para mim é edificante saber o que se fazeis. Agora podemos rezar juntos...
Antes da conclusão, o superior ofereceu ao Papa um quadro feito pelos jovens do Jesuit Refugee Service. Francisco e os jesuítas recitaram juntos uma Ave-Maria e depois tiraram uma fotografia de grupo. O Papa despediu-se depois de saudar todos novamente, um por um.
1. A Congregação dos procuradores reúne os delegados de cada uma das unidades administrativas da Companhia de Jesus, Províncias e Regiões. Os procuradores são eleitos numa Congregação Provincial ou Regional.
2. Ou seja, um religioso jesuíta que não é sacerdote. Ele encarna a vida religiosa na sua essência e, portanto, é capaz de manifestar esta vida com particular clareza.
3. Aqui o Papa refere-se a uma espécie de resumo prático em uso na Companhia e reformulado no século xx , que era visto como um substituto das Constituições. A formação dos jesuítas na Companhia durante algum tempo foi moldada por este texto. Para Francisco, durante este período na Companhia, as regras ameaçavam dominar o espírito.
4. Prepósito-geral da Companhia de Jesus de 1965 a 1983. Em 2019 foi proclamado Servo de Deus.
5. «Eu quero e escolho antes pobreza com Cristo pobre que riqueza; desprezos com Cristo cheio deles que honras» (Exercícios Espirituais, n. 167).